Cético que sou, acho que o "Biba", em baixa, está criando um factóide para obter espaço na mídia
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José Antonio Lima
Há algo de errado com Justin Bieber
Bieber durante show em Arnhem, na Holanda, no sábado 13, após a visita à Casa de Anne Frank. Foto: Paul Bergen / AFP
Para qualquer pessoa, ser alçado ao posto de estrela mundial da música aos 14 anos não deve ser uma experiência fácil. Em nome da carreira, a vida particular é sacrificada, bem como o aprendizado sobre uma convivência normal com as outras pessoas. Não é incomum, por conta disso, encontrar astros da música com egos inflados e sem traquejo social. No caso do cantor canadense Justin Bieber, de 19 anos (sucesso há cinco anos), o egoísmo parece estar num estágio quase patológico. Só isso explicaria o comentário deixado pelo cantor no livro de visitas na Casa de Anne Frank, museu criado em Amsterdã, na Holanda, para recordar o sofrimento de uma das mais célebres vítimas do Holocausto.
“Verdadeiramente inspirador pode vir aqui. Anne era uma grande garota. Esperançosamente ela teria sido uma belieber”. Bieber tem razão sobre o caráter inspirador da visita ao museu, mas o tom condescendente ao chamar Anne Frank de “grande garota” é chocante.
Anne Frank foi muito mais do que uma grande garota. Filha mais nova de Otto e Edith Frank, um casal de judeus alemães, Anne nasceu em Frankfurt, mas foi criada em Amsterdã, cidade para a qual sua família migrou na primeira metade dos anos 1940, após a chegada dos nazistas ao poder. Com a ocupação da Holanda pela Alemanha nazista, Otto foi obrigado a transferir a posse de seus negócios para holandeses e, logo, a família precisou se esconder.
Anne e sua irmã mais velha, Margot, passaram dois anos dividindo um dos minúsculos quartos do “anexo secreto” em que sua família e uma outra família de judeus ocuparam, com auxílio de alguns holandeses. Em 1944, devido a uma denúncia, anônima até os dias de hoje, a polícia nazista invadiu o local e deportou todos. Anne morreu aos 15 anos, no campo de concentração de Bergen-Belsen, no norte da Alemanha. Seu pai, mandado para Auschwitz, foi o único sobrevivente da família. Ao voltar para casa, Otto encontrou o diário escrito pela filha e decidiu publicá-lo. O livro, cujo título em português é Diário de Anne Frank, é um sucesso há décadas.
Se reduzir a dona desta história a uma “grande garota” já era chocante, Bieber causa perplexidade ao afirmar que Anne seria uma “belieber”. Belieber é o nome dado às fãs do cantor canadense, uma junção de seu nome com a palavra inglesa believer (aquele que acredita).
Em seu diário, Anne fala sobre uma série de temas densos, como o drama do refúgio, o papel dos pais na criação, o futuro dos judeus após a guerra, o sonho de se tornar uma jornalista, entre outras coisas. Como a maioria das garotas adolescentes, Anne também tratava de temas mundanos. Ela tinha ídolos e colava fotos deles nas paredes do cubículo que ocupava ao lado de Margot. Essas fotos estão preservadas até hoje em seu local original no museu e, segundo afirmou um agente anônimo de Bieber ao jornal The Independent, teriam motivado o comentário do cantor. “O guia disse a ele que ela provavelmente teria sido uma grande fã dele, pois era fã da cultura popular”.
Mesmo diante da lisonja do comentário, é impressionante que esta tenha sido a lição extraída por Bieber da visita. O egoísmo do cantor canadense é tão acintoso que o tornou capaz de colocar a frase no papel sem ao menos cogitar que o resto do mundo poderia ficar incomodado com a redução de um dos mais fortes símbolos de resistência ao Holocausto e à intolerância a uma fã de Justin Bieber. Ao contrário do que o cantor parece pensar, há coisas mais importantes do planeta além de seu umbigo.
Fonte: CARTA CAPITAL
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