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sábado, 5 de abril de 2014

Santo de m.... - Anchieta, novo santo do Brasil, aceitava a matança de índios




José de Anchieta justificou matança promovida por Mem de Sá


O Vaticano abriu exceção para o padre José de Anchieta (1534-1597), tornando-o santo, embora não haja comprovação de que ele tenha feito pelo menos dois milagres. 


Certamente pelo fato de o Brasil, o maior país católico do mundo, ter até então só dois santos, o Vaticano aceitou a alegação da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros) de que Anchieta já tem fama de santo por causa de sua “vida exemplar”.


A Igreja Católica, obviamente, pode declarar “santo” quem quiser, trata-se de uma questão interna dessa religião, mas é preciso estar atento para que a interpretação católica não contamine a perspectiva histórica, rejeitando, por exemplo, essa lorota de que Anchieta teve “vida exemplar”.

O espanhol Anchieta e um dos fundadores de São Paulo foi um erudito. Versado em idiomas, incluindo o tupi, ele escreveu o livro “A Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil”, o primeiro no gênero do país.


A erudição de Anchieta, contudo, não o elevava para fora do seu tempo, para um futuro no qual os direitos humanos viriam a ser respeitado. 

Anchieta nunca criticou a matança de índios pelos colonizadores, mas ressaltou em um poema o quanto foram “cruéis” os tupinambás que atacavam os portugueses por não aceitarem a dominação estrangeira.


Bartolomeu de Las Casas (1474-1566) teve a grandeza que faltou ao “exemplar” Anchieta. O frade dominicano e bispo de Chiapas (México) se notabilizou como defensor dos índios, denunciado na Europa os massacres dos quais eles eram vítimas.

O poema onde Anchieta revela que retrato fazia dos índios se chama “Os Feitos de Mem de Sá” [administrador colonial do Brasil]. Com 3.058 versos decassílabos divididos em quatro cantos (ou livros), o poema foi escrito em latim para um público português e europeu. 


Em um dos versos o padre afirmou que os índios causaram muitas ruínas aos portugueses, como se estes não fossem os invasores das terras daqueles. 


Diz o verso: 


Ó que faustoso sai, Mem de Sá, aquele em que o Brasil
te contemplou! quanto bem trarás a seus povos
abandonados! com que terror fugirá a teus golpes
o inimigo fero, que tantos horrores e tantas ruínas
lançou nos cristãos, arrastado de furiosa loucura!


A professora Ivânia dos Santos Neves, do Programa de Mestrado de Comunicação e Cultura da Universidade da Amazônia, escreveu um estudo mostrando que Anchieta e demais sacerdotes em missão no Brasil fechavam os olhos para a matança dos nativos porque equiparavam os índios aos negros, que, para a Igreja, não tinham alma. 


“Os religiosos se valeram das determinações papais que haviam resolvido a questão da igualdade social em relação às sociedades africanas, estas determinações estabeleciam que o “negro” não era considerado gente para a Igreja Católica”, diz o estudo. 

Isso explica, segundo a professora, o uso em textos jesuíticos do século XVI da palavra “negro” para se referir a “índio”.

Ivânia Neves destacou que, no poema de enaltecimento a Mem de Sá, Anchieta se inspirou nas batalhas entre portugueses e os Tupinambá, que foram à luta em uma tentativa de garantir seu território.

“Eles [os índios] lutaram para não se submeter, mas Anchieta condena esta luta”, escreveu a professora.


Em outro verso, Anchieta disse: 


Vês como gentes cruéis em hordas imensas preparam
aos cristãos batalhas ferozes. De morte humilhante 
ameaçam agora a cabeça dos pobres colonos
quais tigre cruéis em redor da preia lanhada
sorvendo com fauces sedentas o sangue inocente. 

No livro III, Anchieta chegou a admitir que Mem de Sá fez uma “guerra cruel de extermínio”, mas o padre a justificou porque, entre outras coisas, os índios tinham o “hábito horrendo” de comer carne humana.


Eis o verso:


“O Governador ouviu com bondade essas palavras
e respondeu: “Se vos fiz guerra cruel de extermínio,
devastando os campos e lançando em vossas moradas
o incêndio voraz, levou-me a isso vossa audácia somente.
Já agora, esquecidos os ódios, vos concedemos contentes
a aliança e a paz que quereis e sentimos vossa desgraça.
Porém, deveis vós observar as leis que vos dito.”
Manda então que refreiem suas rixas contínuas
que expulsem do peito a crueldade e o hábito horrendo
de saciarem o ventre, à maneira de feras raivosas,
com carnes humanas. Também lhes ordena que guardem
os mandamentos do Pai celeste e a lei natural
e ergam igrejas ao eterno Senhor das alturas
em seu torrão natal; aí serão instruídos
na lei divina e de vontade abraçarão com os filhos
a fé de Cristo, porta única do caminho do céu,
Além disso, tudo quanto roubaram dos Cristãos às ocultas
ou por assalto, em tantos anos, os próprios escravos
mortos ou devorados, tudo pagarão e mais os tributos.”

Para José Anchieta, índios 
mereciam morrer porque
comiam carne humana

Para Anchieta, os índios que escaparam do extermínio e se converteram ao cristianismo se tornaram puros. 

No livro II, ele escreveu:

Assim se expulsou a paixão de comer carne humana,
a sede de sangue abandonou as fauces sedentas;
e a raiz primeira e causa de todos os males,
a obsessão de matar inimigos e tomar-lhes os nomes, 
para glória e triunfo do vencedor, foi desterrada.
Aprendem agora a ser mansos e da mancha do crime
afastam as mãos os que há pouco no sangue inimigo
tripudiavam, esmagando nos dentes membros humanos.
Há pouco a febre do impuro lhes devora as entranhas:
imersos no lodaçal, aí rebolavam o fétido corpo, 
reso à torpeza de muitas, à maneira dos porcos.
Agora escolhem uma, companheira fiel e eterna,
vinculada pelo laço do matrimônio sagrado
que lhe guarda sem mancha o pudor prometido. 

Por isso, Anchieta virou santo e o apóstolo do Brasil.


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