Apelação Cível n. 2012.060040-5, de Tubarão
Relatora Designada: Desa. Denise Volpato
APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. PLEITO DE RETIFICAÇÃO DE NOME. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO DA AUTORA. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE SUBSTANTIVO PESSOAL "APARECIDA" DO PRENOME COMPOSTO "RAQUEL APARECIDA". SUBSISTÊNCIA. DIREITO DA PERSONALIDADE PROTEGIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTIGO 5º, X). POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO NOME QUANDO PROVOCAR CONSTRANGIMENTO NO ÂMBITO SOCIAL DA PESSOA. EXEGESE DO ARTIGO 55, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 6.015/1973. SUBSTANTIVO PESSOAL NÃO DISSOCIADO DA CONOTAÇÃO RELIGIOSA. CONVERSÃO À ORIENTAÇÃO RELIGIOSA DIVERSA. CRENÇA RELIGIOSA CONSOLIDADA AO LONGO DE VÁRIOS ANOS. EXCLUSÃO DO SUBSTANTIVO CONSTRANGEDOR. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.060040-5, da comarca de Tubarão (Vara da F. Púb. E. Fisc. A. do Trab. e Reg. Púb.), em que é apelante Raquel Aparecida Mendes Fernandes:
A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por maioria de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Vencida a Exma. Sra. Relatora, que votou no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, a fim de que se mantenha incólume a sentença de primeiro grau. Custas legais.
Participaram do julgamento realizado nesta data, o Excelentíssimo Desembargador Carlos Prudêncio (presidente com voto) e a Excelentíssima Desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski.
Florianópolis, 11 de junho de 2013.
Denise Volpato
Relatora designada
RELATÓRIO
Raquel Aparecida Mendes Fernandes ajuizou Procedimento Especial de Jurisdição Voluntária visando a retificação deu seu prenome. Alegou ter se "convertido" no ano de 2003 ao Movimento Protestante Pentecostal, que não aceita a veneração e idolatria de santos, como ocorre na Igreja Católica. Afirmou passar por constrangimentos perante a comunidade religiosa na qual se insere. Requereu, dessarte, a exclusão do nome Aparecida de seu prenome.
Em parecer de fls. 15/16 opinou pela improcedência do feito.
Irresignada, a autora interpôs recurso de apelação (fls. 30/37) reiterando os argumentos exordiais.
Recebido o apelo (fl. 41), ascenderam os autos a esta Corte.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Guido Feuser (fls. 48/52), opinando pelo desprovimento do recurso.
Este é o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
É consabido que o procedimento recursal exige o preenchimento de pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto. Portanto, torna-se imperiosa, num primeiro momento, a análise dos pressupostos recursais, em razão de constituírem a matéria preliminar do procedimento recursal, ficando vedado ao Tribunal o conhecimento do mérito no caso de não preenchimento de quaisquer destes pressupostos.
Tais pressupostos são classificados como intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo - fl. 44). Os pressupostos intrínsecos estão atrelados ao direito de recorrer, ao passo que os extrínsecos se referem ao exercício desse direito.
Assim, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise do mérito.
2. Mérito
Postula a autora/autora apelante a exclusão do substantivo pessoal "Aparecida" de seu prenome composto "Raquel Aparecida".
Afirma a recorrente que referido substantivo pessoal impinge dano a sua identidade, face à consolidação de crença religiosa que não aceita a adoração a santos, tal qual a Nossa Senhora Aparecida - filiada à fé Católica.
Pois bem.
Inicialmente curial ressaltar que a doutrina e a jurisprudência espelham o ensinamento sob o qual o nome, abarcando o prenome e o sobrenome, consiste num dos direitos da personalidade e, via de regra, imutável, só admitindo alteração quando existente erro gráfico (art. 109, da lei n. 6.015/73) ou quando o prenome for suscetível de exposição ao ridículo o seu portador (art. 55, parágrafo único, c/c art. 58 parágrafo único, da Lei n. 6.015/73).
Da lei de registros públicos:
"Art. 55. Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato. (Renumerado do art. 56, pela Lei nº 6.216, de 1975).
Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente."
Conforme ensina o civilista Walter Ceneviva, o requerimento de alteração do nome "não [pode] se trata[r] de questão de gosto ou de preferência do indivíduo, a quem enseja alteração" (Lei dos registros públicos comentada, 19. Ed. São Paulo:Saraiva, 2009, p.160).
Desta feita, a legislação pátria confere ao nome robusta solidez, porquanto o objetivo do legislador ao prever a regra geral da imutabilidade do nome é tão-somente evitar que a pessoa, por malícia ou capricho, esteja a todo instante a mudá-lo, fato que culminaria em inimaginável confusão no quadro geral de uma sociedade politicamente organizada.
Assim, as hipóteses de alteração do nome encontram-se limitadas a poucos casos - aptos a relativizar a segurança jurídica advinda da inalterabilidade do registro civil - em que a própria lei presume a lesão ao atributo da personalidade do cidadão.
Nesse sentido, extrai-se do acervo jurisprudencial Catarinense:
"CIVIL. REGISTROS PÚBLICOS. RETIFICAÇÃO DE PRENOME (LEI N. 6.015/73, ART. 58). INEXISTÊNCIA DE MOTIVO JUSTIFICADO. PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. RECURSO DESPROVIDO.
É juridicamente impossível a alteração do prenome por mero capricho pessoal, sobretudo quando não demonstradas quaisquer das hipóteses autorizadoras de que trata a Lei n. 6.015/73." (TJSC, Apelação Cível n. 2007.033315-1, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, julgado em 05/02/2009)
No presente caso a autora objetiva a exclusão do substantivo pessoal "Aparecida" de seu prenome composto "Raquel Aparecida", por representar homenagem religiosa vinculada à fé Católica, não se adequando a sua orientação religiosa consolidada ao longo de vários anos (fl. 14)
Nesse sentido, com razão a autora.
Isso porque o nome se constitui em um dos atributos da personalidade, sendo, portanto, direito indisponível resguardado pela Constituição Federal, verbis:
"Art. 5º. [...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"
Outrossim, detém a autora o direito subjetivo, constitucionalmente garantido, de filiar-se à religião, culto ou crença que lhe convier. Mais uma vez extrai-se da Constituição Federal:
Art. 5º. [...]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[...]
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Dessarte, sendo esse um corolário da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), detém ela direito de postular exclusão do substantivo "Aparecida" de seu prenome, se em seu âmbito social específico lhe causa constrangimento.
Ao extrapolar a função de individuação do sujeito na sociedade - atribuindo nome a sua identidade -, impingindo constrangimento à autora no âmbito religioso a que pertence, o nome é passível de alteração.
Ora, havendo aparente antinomia de normas, deve prevalecer o direito da personalidade, erigido à garantia constitucional (de índole fundamental), sobre a segurança e imutabilidade dos registros públicos (regra de índole operacional).
Nesse sentido, se o substantivo "Aparecida", atualmente constante no prenome composto da autora "Raquel Aparecida" lhe impinge constrangimento em seu âmbito social, por ser contrário à consolidada orientação religiosa, sua exclusão é medida do direito.
Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento para autorizar a exclusão do substantivo pessoal "Aparecida" do prenome composto da autora.
Este é o voto.
Declaração de voto vencido da Exma. Sra. Desa. Denise de Souza Luiz Francoski.
Ementa Aditiva
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. REQUERIMENTO PARA A SUPRESSÃO DO PRENOME "APARECIDA", SOB O FUNDAMENTO DE QUE MUDOU DE RELIGIÃO, E PARA ESTA NOVA DOUTRINA É CONSIDERADO IDOLATRIA A UTILIZAÇÃO DE NOMES QUE SE REFEREM A SANTOS.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A ALTERAÇÃO DO PRENOME.
IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDANTE, ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO PERANTE SEU GRUPO RELIGIOSO.
SENTENÇA MANTIDA. A LEI EM VIGOR SOMENTE POSSIBILITA A SUBSTITUIÇÃO DO PRENOME NO CASO DE APELIDOS PÚBLICOS E NOTÓRIOS, OU AINDA, EM RAZÃO DE FUNDADA COAÇÃO OU AMEAÇA DECORRENTE DA COLABORAÇÃO COM A APURAÇÃO DE CRIME. O CASO EXPOSTO AO EXAME JUDICIAL NÃO SE ADEQUA AS POSSIBILIDADES PREVISTA NO REGIME LEGAL DO REGISTRO PÚBLICO. O NOME REGISTRADO NÃO FERE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, O RESPEITO COMUNITÁRIO E A LIBERDADE DE CRENÇA.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Com a devida vênia, ousei divergir da douta maioria deste órgão colegiado por entender necessário negar provimento, ao apelo, para confirmar a sentença da lavra do magistrado Cláudio Barbosa Fontes Filho:
Depreende-se da sentença que o juízo a quo entendeu não ser cabível a alteração do prenome, qual seja, "Aparecida", em razão do seu íntimo sentimento religioso.
Em exame a exposição de motivos da apelante, realmente verifica-se que razão alguma guarnece o pleito recursal.
A Legislação Especial, relativa ao Registro Público (Lei n. 6.015, de 1973), dispõe que os serviços desse procedimento devem observar rigorosamente ao regime estabelecido, sob pena de ferir a autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Conforme bem aventado nos pareceres ministeriais (fls. 15/16 e 48/52), a Lei em vigor somente possibilita a substituição do prenome, no caso de apelidos públicos e notórios, ou ainda, em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação judicial (art. 58, caput e parágrafo único, Lei n. 6.015/1973). A doutrina e a jurisprudência admitem a alteração para a correção de erro e em caso de exposição ao ridículo.
No caso da apelante, verifica-se da peça exordial que deseja alterar seu prenome porque é contrário a sua crença, uma vez que diante da doutrina Protestante Pentecostal é considerado idolatria a utilização de nomes que se referem a santos.
Dessa forma, é de se concluir que a apelante pretende a referida alteração porque o suposto constrangimento ocorre em um grupo específico, não pela sociedade como um todo.
Assim, seu pedido não está amparado pelas possibilidades elencadas legalmente, ou aceitas pela doutrina e jurisprudência.
Todas as alegações formuladas pela parte apelante na peça vestibular são contrárias às hipóteses legais, jurisprudenciais e doutrinárias para a retificação do registro civil. A apelante movimentou o judiciário para se ver livre de um simples aborrecimento, o qual não possui amparo legal.
A mudança de crença não é motivo suficiente para a retificação do registro civil, uma vez que, se assim fosse, a cada alternância de religião poder-se-ia modificar o nome, de forma que colocar-se-ia em risco a segurança jurídica, e sobrecarregaria demasiadamente o judiciário, que já se encontra excessivamente abarrotado de processos.
Vale destacar que referido prenome não prejudica o respeito comunitário, nem mesmo lhe fere a dignidade da pessoa humana ou a liberdade de crença, como sugerido na exposição da apelante. Um simples aborrecimento não pode ser capaz de alterá-lo.
Nesse sentido há posicionamento do STJ:
REGISTRO CIVIL. NOME DE FAMÍLIA. SUPRESSÃO POR MOTIVOS RELIGIOSOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INADMISSIBILIDADE.
1. O pedido formulado pelos recorrentes tem por objeto a supressão do patronímico paterno - utilizado para identificar a família, composta por um casal e três menores de idade - em virtude das dificuldades de reconhecimento do sobrenome atual dos recorrentes como designador de uma família composta por praticantes do Judaísmo.
2. As regras que relativizam o princípio da imutabilidade dos registros públicos não contemplam a possibilidade de exclusão do patronímico paterno por razões de ordem religiosa - especialmente se a supressão pretendida prejudica o apelido familiar, tornando impossível a identificação do indivíduo com seus ascendentes paternos. Art. 56 da Lei 6.015/73.
3. O art. 1.565, §1º, do CC/02 em nenhum momento autoriza a supressão ou substituição do sobrenome dos nubentes. Apenas faculta a qualquer das partes o acréscimo do sobrenome do outro cônjuge aos seus próprios patronímicos.
4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1189158/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 11/02/2011)
O ínclito Desembargador Silverio Ribeiro, oportunamente destacou, que: "zombar de uma pessoa por ter prenome até mesmo igual ao de outra, a quem se deteste, não é decorrência de defeito ou impropriedade do prenome, obviamente, mas de inadequada formação moral do zombador". (TJSP, AC n.425.256-4/1-00, de Avaré, Rel. Des. Silverio Riberio, j. Em 29/03/2006 apud Guido Feuser, Procurador de Justiça).
Assim, entendo que a sentença de primeiro grau foi proferida de modo acertado.
Diante do exposto, votei no sentido de negar provimento ao recurso.
São essas , então, as razões do meu dissenso.
Florianópolis, 11 de junho de 2013.
Denise de Souza Luiz Francoski
DESEMBARGADORA SUBSTITUTA
Gabinete Desa. Denise Volpato
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