Criminalizar o cotidiano
“O fato de alguém ser identificado com base no seu biotipo, por si só, não é capaz de gerar danos morais, situação que se altera quando a expressão é utilizada de forma pejorativa”. Com esse fundamento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento a um agricultor que ajuizou ação contra um vizinho que o identificou como “pretinho” em uma abordagem policial.
Segundo o autor da ação, o vizinho havia invadido seu terreno com um carro. Por isso, foi até o carro, pegou as chaves para evitar uma fuga, e chamou a polícia militar. Quando a polícia chegou, perguntou ao vizinho quem havia pegado as chaves, e ele respondeu "foi aquele pretinho".
O autor pediu indenização por danos morais, sob a alegação de que houve discriminação pela cor de sua pele, gerando sentimento de humilhação diante da polícia e demais presentes.
A juíza Fernanda Machado de Moura Leite, da comarca de Areado, negou o pedido, com base nas provas testemunhais. Segundo a juíza, depoimento de um dos policiais que presenciaram o fato esclareceu em juízo que réu desconhecia o nome de seu vizinho e, por isso, teria usado o termo “pretinho”, o que “não pode ser considerado injúria, ofensa, sob pena de criminalizar-se o cotidiano”, afirmou a magistrada.
O autor recorreu então ao Tribunal de Justiça. Mas a sentença foi mantida. O desembargador Amorim Siqueira, relator do recurso, lembrou quem segundo a Constituição Federal, o preconceito racial deve ser combatido. “Todavia, cabe realizar distinção, de um lado, entre o tratamento ofensivo de cunho pejorativo que implica discriminação ou preconceito de raça ou de cor e, de outro lado, expressões usuais no convívio social e que servem para identificar a pessoa pelo seu biótipo”, ponderou Siqueira.
“O fato de ser usada a característica correspondente ao seu biotipo, com a única finalidade de fazer a identificação visual do autor entre as demais pessoas, tal ato por si só, dentro do contexto dos autos, sem conotação pejorativa ou preconceituosa, não é capaz de gerar danos morais”, concluiu. Os desembargadores Pedro Bernardes e Luiz Artur Hilário acompanharam o relator.
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Revista Consultor Jurídico, 28 de fevereiro de 2013
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