Animais, vegetação, solo, rios e mangues podem apresentar sequelas devido ao incêndio químico
Sâmia Frantz
A cortina de fumaça tóxica que encobriu uma cidade inteira por quase 60 horas e impediu centenas de pessoas de voltar para casa, também pode ter deixado outro efeito devastador — e ainda invisível — pelo caminho: os danos ao meio ambiente. O real impacto da fuligem sobre animais, árvores, rios, mangues e o solo que contornam São Francisco do Sul ainda é desconhecido, mas já faz com que pesquisadores ambientais temam consequências graves na saúde da natureza que poderão se manifestar nos próximos dias.
A analogia que especialistas fazem é quase como a erupção de um vulcão: depois da lava, a emissão de gases, com poluentes tóxicos, causa efeitos tão trágicos quanto a própria lava expelida. O medo é justificado principalmente pelo município estar numa região considerada rica para o Estado. A vizinha Itapoá tem a maior parte de seu território preservado com mata atlântica e manguezais. No ligação entre as duas cidades está a baía da Babitonga, que concentra 75% dos mangues de Santa Catarina — berço de toda a fauna marítima da região.
— A fumaça pode até sumir do ar, mas não do solo e da água. Alguns compostos conseguem resistir por muito tempo ainda no ambiente. É como entrar nas residências depois de dois dias abandonadas: o céu pode estar limpo, mas o cheiro estará concentrado lá dentro — afirma a doutora em ciências ambientais Virgínia Barros, professora da Universidade da Região de Joinville (Univille).
Nas primeiras horas do incêndio químico, os possíveis impactos já eram uma preocupação. Naquela madrugada, o secretário municipal do Meio Ambiente, Eni Voltolini, ordenou a escavação de duas piscinas no entorno do local para que pudessem receber toda a água usada no controle. A ideia era evitar que ela escorresse para o solo e córregos. As duas cavas foram forradas com lonas plásticas impermeáveis e oito caminhões-pipa iam e vinham para levar a água a grandes tanques de armazenamento.
Na tarde de sexta-feira, poucas horas após o controle da fumaça, os 800 mil litros de água usados no processo já eram transportados para o aterro industrial de Joinville, enquanto os resíduos sólidos eram levados para uma cooperativa paranaense.
Controle da fumaça não é fim do problema
A doutora em engenharia química Sandra Medeiros, professora da Univille, estima que a fuligem pode ficar na atmosfera por pelo menos 48 horas após o fim da emissão da fumaça, mas tudo depende das condições climáticas, como a velocidade do vento e da quantidade de poluentes que foi jogada no ar.
— A atmosfera consegue se renovar rapidamente, mas como o ambiente foi agredido, ficará suscetível. Quando a fuligem estiver diluída podemos dizer que o impacto cessou. Mas cada organismo vivo tem um tempo próprio para se recuperar. Aqueles que tiveram uma exposição crônica, como a vegetação e o solo, serão os mais afetados.
O estudo dos impactos ambientais deve começar nesta semana. Uma empresa especializada a ser contratada pela Global vai elaborar um laudo técnico.
Porém, alguns danos causados pela fumaça talvez jamais cheguem a ser conhecidos. É o caso da Mata Atlântica que compõe toda a região do entorno da cidade.
Segundo a pesquisadora paulista Marisa Domingos, doutora em Ecologia e especialista em efeitos em poluentes em plantas, o Brasil não tem estudos que apontem o impacto que poluentes de diferentes níveis de toxicidade possam causar nas florestas nativas do país. Por isso, estimam-se desde efeitos mais leves, imperceptíveis a olho nu, como o desfolhamento ou o amarelamento das plantas, até os mais graves, como o desaparecimento total de algumas espécies de árvores.
— A proposta é monitorar de perto. A partir desse acidente, poderíamos ter a primeira grande pesquisa que indica a forma como a floresta é, de fato, afetada com este tipo de gás. As autoridades deveriam estar atentas a isso.
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