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terça-feira, 12 de novembro de 2013

Dica de leitura: O NOME DA MORTE, de KLESTER CAVALCANTI

Henrique Goldman: "muitas vezes os maiores males são causados por gente comum"

13.05.2011 | Texto: Henrique Goldman | Fotos: Bob Wolfenson
Imagem do livro Apreensões, de Bob Wolfenson, Editora Cosac Naify



Muitas vezes os piores males não são causados por fanáticos ou sociopatas, mas por gente comum que acha que está simplesmente executando seu trabalho


Quem ainda não leu deveria ler o livro O nome da morte. É a fascinante e ao mesmo tempo perturbadora reportagem com a qual o jornalista Klester Cavalcanti ganhou o prêmio Jabuti em 2007. O nome da morte conta a vida, as aventuras e as desaventuras de Júlio Santana, um matador de aluguel que – até se aposentar em 2006 – matou 492 pessoas na Amazônia e continua até hoje solto em algum lugar do Brasil. O que há de mais especial e contundente em O nome da morte é que Júlio Santana não é nunca retratado como um psicopata ou um serial killer. Ele é simplesmente uma alma perdida num mundo sórdido, que encontra na morte alheia um modo de ganhar a vida. Klester Cavalcanti tem a coragem de observar o assassino para entendê-lo, não para julgá-lo.

Acho curioso como no Brasil, um dos países mais violentos do mundo, essa vontade de entender a violência muitas vezes corre o risco de ser interpretada como uma apologia ao crime. É claro que não há desculpas para quem mata 492 pessoas por dinheiro. Mas para punir já temos leis, polícia e juízes. O papel da arte é nos levar além, nos fazer entender o inaceitável.

O nome da morte é um livro que faz pensar em Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal, o brilhante ensaio que a teórica política Hannah Arendt escreveu sobre o julgamento do nazista Adolf Eichmann, o burocrata alemão que colocou em prática a “solução final”, o extermínio dos judeus na Segunda Guerra Mundial. Eichmann é provavelmente o mais prolífero assassino da história da humanidade. Mas Hannah Arendt nos faz ver que muitas vezes os piores males não são causados por fanáticos ou sociopatas, mas por gente comum, como eu e você, leitor, gente que muitas vezes está simplesmente executando seu trabalho. Eichmann era um bom pai de família, um exemplar cidadão e nem era especialmente antissemita. Ele era só um conformista, que se limitava a executar ordens – ordens que, por serem superiores, julgava estarem acima do bem ou do mal. E, quando o mal é feito de forma organizada e sistemática, ele passa a ser “normal”. Para Júlio Santana, assim como para Eichmann e tantos outros, esse é o processo através do qual os mais terríveis atos viram “normalidade”.

SILÊNCIO COLETIVO

A personagem mais fascinante na trajetória 
de Júlio Santana é sua esposa. Ela é uma mulher religiosa, uma mãe exemplar que dedica sua vida exclusivamente a amar os filhos e o marido. Apesar de não aprovar a profissão de Júlio, ela passa a aceitá-la. Ela personaliza o conivente silêncio coletivo de muitas sociedades ao longo da história. Um exemplo recente: as opiniões públicas inglesa e americana se dizem, em grande parte, contrárias às intervenções militares no Iraque, no Afeganistão e mais recentemente na Líbia. Mas, mesmo assim, pouco se fez e se faz para impedir essas guerras além de ocasionais reprimendas em jornais de esquerda. As opiniões públicas são contra essas guerras, mas não são contra o bastante para impedi-las. Assim sendo, se comportam como a mulher de Júlio Santana.

A história do mundo sempre foi permeada por essa violência da humanidade contra si mesma, violência que muitas vezes se camufla por trás do bom-mocismo e da legalidade. Outro dia ouvi no rádio uma entrevista com o funcionário de uma prisão no Texas que já deu injeções letais em centenas de condenados à morte. No fundo, legalidade à parte, qual é a real diferença entre esse sujeito e nosso Júlio Santana? Nenhuma, são dois assassinos. Os policiais, os soldados, os políticos, os cientistas, os eleitores, os legisladores, os juízes e até o mais braçal dos operários de fábricas de armas deveriam meditar mais a respeito das consequências de suas escolhas e ações.

A escravidão já foi considerada uma coisa normal e hoje ela nos parece totalmente absurda. Podemos então sonhar com um mundo no qual seja proibido a todos os países fabricar armas e manter exércitos. Estou cada vez mais pacifista. Acho que só falta um pouco de boa vontade para encarar nosso próprio mal. Existe um Júlio Santana dentro de cada um de nós. Uma história como a dele serve para nos fazer meditar sobre nossas intenções mais recônditas. Vou fazer um filme sobre ele.

*HENRIQUE GOLDMAN, 48, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br

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