O homem que descobriu o hormônio da saciedade acredita que, para combater o problema da obesidade, seria necessário se concentrar na saúde e não no peso
Jeffrey Friedman, fotografado no CNIC, em Madri. / LUIS SEVILLANO
Se você perguntar nas ruas qual é o motivo para uma pessoa estar obesa, a maioria vai responder que é porque ela come demais. E com razão. Mas a pergunta crucial é: por que aquela pessoa come demais?”. Em 1994, Jeffrey Friedman batizou a molécula que nos indica quando devemos comer e quando é o momento de parar. A leptina se tornava, assim, a protagonista da luta contra o excesso de peso, um problema crescente nas sociedades desenvolvidas e que provoca inúmeros problemas de saúde.
Presente no tecido gorduroso, esse hormônio cai quando detecta que a quantidade de gordura acumulada está insuficiente, e promove o apetite. Quando os níveis voltam ao que se considera suficiente, a leptina é liberada e surge a sensação de saciedade. Quando esse sistema falha, as possibilidades de comer demais aumentam.
Na semana passada, Friedman participou de um encontro organizado pelo Centro Nacional de Pesquisas Cardiovasculares, em Madri, na Espanha. O evento reuniu alguns dos principais especialistas do mundo em doenças do metabolismo.
Pergunta: Querer emagrecer é algo positivo?
Resposta: Acho que depende de quais são os nossos objetivos. Se alguém está acima do peso ou obeso, nosso objetivo deveria ser melhorar sua saúde. E isso pode ser feito sem perder muito peso. Seguindo uma dieta saudável e fazendo exercícios para perder um pouco de peso, com muita frequência, os problemas de saúde vão melhorar. Se nosso objetivo é melhorar a saúde, eu não insistiria para que a pessoa ficasse mais magra. Não há evidência de que alguém que está obeso vai ficar melhor se emagrecer bastante. E, o mais importante: não creio que existam muitas possibilidades de a pessoa conseguir emagrecer muito, porque há um sistema biológico muito poderoso mantendo nosso peso e fazendo com que nosso peso se mantenha sem grandes variações para cima ou para baixo.
P: Por que comemos mais do que precisamos?
R: Nosso peso é regulado por genes, da mesma maneira que nossa altura. Você não poderia pedir para alguém que mede 1,90 metros passar a medir 1,80 metros, porque é assim que aquela pessoa é. Há genes que fazem algumas pessoas serem mais pesadas e outras mais leves. Quando existem características reguladas por genes é porque há uma pressão evolutiva sobre uma determinada característica. Antes de haver uma civilização, para sobreviver era preciso navegar entre dois perigos. De um lado estava o risco de morrer de fome, porque a disponibilidade de comida era escassa. Nesse contexto, ser muito magro podia ser ruim, porque não se tinha energia armazenada suficiente para sobreviver. Mas ser obeso também era ruim porque não se podia caçar bem nem fugir dos predadores. Nosso sistema biológico evoluiu para nos mantermos entre esses dois pontos.
Não existe evidência de que uma pessoa obesa vá ficar melhor se emagrecer muito
P: Como funciona o mecanismo que permite nos mantermos entre esses dois pontos?
R: Todos os organismos dependem da energia, e cada organismo desenvolveu um mecanismo para gerenciar sua energia, para utilizá-la quando necessita dela e armazená-la quando não necessita. Uma das maneiras pela qual os mamíferos regulam a energia é através de um hormônio presente no tecido gorduroso chamado leptina. O tecido gorduroso cria esse hormônio em proporção à sua massa: quanto mais gordura, mais leptina; quanto menos gordura, menos leptina. Quando a leptina em circulação no sangue aumenta, ela atua no cérebro para reduzir o apetite. Acreditamos que a obesidade é o resultado de diferenças nesse sistema. O motivo pelo qual a situação se complica é que os defeitos na leptina são raros. Não causam obesidade com muita frequência, mas se um paciente tem um defeito na leptina, ele costuma ser muito obeso. E se você devolve a ele a leptina, ele perde peso. O problema mais frequente costuma estar relacionado com a maneira com que o sinal para regular o apetite é processado no cérebro.
Sabemos que existe uma série de genes que produzem uma queda na resposta à leptina e muitos desses genes estão sendo identificados. Eles estão ligado ao circuito neuronal que regula o apetite. Cerca de 12% dos obesos mórbidos têm defeitos genéticos que já podem ser identificados. E esperamos que, com o tempo, muitos outros possam ser identificados também.
P: As dietas populares têm alguma base científica?
R: Existe muita discussão sobre qual é a melhor dieta para perder peso. A recomendação padrão é: adotar uma dieta equilibrada e com menos calorias. Mas também tem gente que recomenda não ingerir nenhuma gordura, a chamada dieta Pritikin. Ou que não comamos carboidratos, caso da dieta Atkins. Na verdade, não sei qual é a melhor opção, porque para comprovar precisaríamos de um experimento que é muito difícil. Teríamos que colocar uma grande quantidade de pessoas em uma das três dietas durante muito tempo.
A obesidade, mais do que outros problemas de saúde, está no centro de muitos interesses
O problema das dietas é que você não pode olhar os resultados em apenas seis meses; normalmente são necessários um ou dois anos para as pessoas voltarem a seu peso normal. Por isso, seria necessário colocar uma grande quantidade de gente em cada uma das dietas, e fazer observações muito tempo depois, de maneira rigorosa. O problema é que, a longo prazo, tão pouca gente é capaz de manter a perda de tempo que você nunca consegue uma resposta. Por isso, sou agnóstico em relação a qual das dietas funciona. Intuitivamente, eu diria que o melhor é ter uma alimentação equilibrada, mas também não há provas de que isso funcione.
P: Mas aqueles que promovem as dietas falam delas como se tivessem sido bastante comprovadas...
R: Se pensarmos na obesidade, é possível que ela esteja no centro de muitas partes interessadas, mais do que qualquer outro problema de saúde. A indústria das dietas é enorme e tem uma mensagem clara: adote nossa dieta e você perderá peso. A indústria farmacêutica também tem seus interesses. Se fabricamos um remédio, tome-o e você perderá peso. Além disso, essa indústria gostaria que as regras para a aprovação de medicamentos fossem menos rígidas. E quanto mais drama houver, melhor é o clima para que isso ocorra. Quando você quer que sua mensagem chegue ao público, você precisa de dinheiro. Por isso, muitas vezes a mensagem dos cientistas se afoga entre as de todas essas partes interessadas e que têm muito dinheiro.
O que sabemos é que se você segue uma dieta equilibrada e com menos calorias, você perde peso. E nessas dietas, os carboidratos, as proteínas e as gorduras estão equilibrados. O problema vem com as dietas que eliminam carboidratos ou gorduras, ou que dizem que você pode comer o que quiser e ainda assim perder peso, apenas substituindo os alimentos. Seria tudo muito bonito, mas não acho que haja provas de que isso funcione a longo prazo e que seja saudável. Então é melhor fazer o que sabemos que funciona.
Meu ponto de vista é diferente. Estamos concentrando as atenções em um aspecto equivocado. Estamos focando no peso quando deveríamos estar prestando atenção na saúde. Se você está obeso e tem problemas de saúde, como diabetes ou doenças cardíacas, temos que pensar em como melhorar a sua saúde. Isso pode incluir alguma perda de peso, mas também deve incluir outras coisas. Não temos que nos preocuparmos se você está no peso médio, mas sim que esteja no peso saudável para você. Na realidade, se uma pessoa está obesa e não apresenta problemas médicos, não estou certo se deveríamos fazer algum coisa além da recomendação geral de ter uma dieta saudável e abrangente, e fazer exercícios físicos.
Os problemas de saúde podem ser resolvidos com uma perda de 5 quilos ou menos
Mas se a pessoa está obesa e tem problemas de saúde, é muito provável que perder peso melhore essas condições. E para conseguir esse objetivo, normalmente basta perder entre 2 e 5 quilos. Para isso não é necessário uma dieta muito sofisticada. Isso pode ser feito comendo um pouco menos, de maneira regrada e evitando “beliscar”.
P: Um comprimido para saciar o apetite faria de seu inventor um milionário. O senhor recebeu boas ofertas das empresas farmacêuticas para desenvolver algo assim?
R: Creio que quanto mais entendemos os caminhos de regulação do quanto comemos e das calorias que queimamos, mais aparecem novas oportunidades para se desenvolver medicamentos. Mas não creio que, em um futuro próximo, desenvolvamos remédios que façam com que uma pessoa muito obesa fique magra. No entanto, acredito, sim, que é possível desenvolver medicamentos para que uma pessoa que é obesa e tenha um problema de saúde perca peso suficiente para melhorar esse problema.
Sobre as ofertas da indústria, ninguém nunca me perguntou isso antes. Mas houve um tempo, no início da minha carreira, em que eu poderia ter abandonado o meio acadêmico para ir trabalhar para alguma fabricante de remédios. Mas meu sonho sempre foi ser cientista e fazer o que eu faço hoje. Então aquilo nunca me atraiu muito. Por outro lado, para mim seria muito satisfatório que o trabalho desenvolvido por nós e por muitos outros colegas levasse a novos tratamentos.
Fonte: EL PAIS
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