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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

MALDIVAS - Relatos do país das pessoas mais calmas e silenciosas




Malé é a capital das Maldivas e uma das suas 1190 ilhas

ROBERTO SCHMIDT/GETTY
Têm águas cristalinas e são conhecidas sobretudo por serem um paraíso turístico. Mas as Maldivas também têm muitos problemas - e não é só o do caos do trânsito. Os preços da habitação e da alimentação são quase proibitivos e ninguém se preocupa com o que atira para o chão ou para a água. Tatiana vive lá há um mês, apanhando todos os dias, de manhã e à tarde, o barco entre a ilha onde vive e a ilha onde trabalha. Esta é a nona história da segunda série “Em Pequeno Número” que o Expresso começou a publicar há dois anos e que relata a vida de portugueses que vivem em regiões onde quase não os há



A semana começa ao domingo, descansa-se à sexta e ao sábado. É assim que os dias funcionam nas Maldivas. E à sexta-feira, a cidade de Malé, capital do país, fica vazia. “Só se ouvem os cânticos das mesquitas onde os homens e os filhos, rapazes, vão fazer as orações”, conta Tatiana Almeida, pouco mais de um mês depois de chegar às ilhas.

As Maldivas ficam no oceano Índico, perto do Sri Lanka e da Índia, e têm uma população quase toda muçulmana. É essa diferença que espelha o “principal contraste” que Tatiana identifica em comparação com os outros cinco países onde já viveu. Na verdade, nos últimos seis anos já passou por seis: agora as Maldivas, para trás Timor-Leste, Gana, Suíça, Brasil e Tanzânia.

“Passei muito tempo na Indonésia e vivi no Gana e na Tanzânia, países onde também uma grande parte da população é muçulmana, mas aqui é diferente.” A acrescentar a essa característica está o facto de o turismo ser o principal motor da economia do país. “O contraste é portanto ainda maior, porque tanto vejo mulheres de hijab como mulheres de biquíni.”

TATIANA ALMEIDA/DR

Ainda que trabalhe em Malé, Tatiana vive numa das ilhas vizinhas – chamada Hulhumale. É uma das 1190 ilhas – 188 das quais estão habitadas – que compõem o país, com apenas três cidades. Cerca de um terço dos 393 mil habitantes estão precisamente em Malé.

E o caos caracteriza a capital. “Como grande parte das capitais do Sudeste Asiático, o tráfego é uma constante, com motos a circular de todos os lados. Nem sei como ainda não vi nenhum acidente. Viajo muito entre ilhas, sempre usando o transporte público, e a minha perceção é de que os maldivianos são as pessoas mais calmas e silenciosas de que tenho memória. Não falam durante todo o percurso e nunca reclamam de nada, mesmo que a polícia marítima nos obrigue a desligar os motores e a ficar em alto mar por 40 minutos por haver uma visita oficial de Estado a decorrer.”



Todos os dias, de manhã e à tarde, Tatiana apanha o barco entre a ilha onde vive e a ilha onde trabalha

TATIANA ALMEIDA/DR

O facto de ainda ter passado pouco mais de um mês desde que se mudou da Tanzânia para as Maldivas faz com que ainda conheça pouco do país. Quanto aos portugueses, ainda não conhece nenhum: “Por curiosidade perguntei no grupo do Facebook para expatriados a viver nas Maldivas e responderam apenas dois portugueses.” Segundo a Direção-Geral de Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, no final do ano passado não havia qualquer português registado no consulado - tendo em conta que esse registo não é obrigatório.
O DIA A DIA

Tatiana trabalha hoje na área dos direitos humanos e ao serviço de organizações internacionais em projetos de comunicação para o desenvolvimento. É isso que tem feito nos últimos anos. “Servi a ONU em situações de emergência de saúde pública, como o Ébola ou o Zika.”

A pesca é a segunda principal atividade económica das Maldivas

LAKRUWAN WANNIARACHCHI/GETTY

“Por enquanto o meu dia a dia não é nada de especial. Ainda há de chegar o tempo em que eu estarei a trabalhar diretamente com as comunidades de outras ilhas mais distantes.” Todos os dias acorda às seis da manhã, para conseguir sair de casa às sete e apanhar o barco que a leva de Hulhumale até Malé. “Ao fim do dia faço o caminho de volta. É sempre uma correria, porque às 18 horas já o sol desapareceu e é muito importante para mim conseguir ir para a praia correr. Desde que vivi em Timor que tento que esta seja uma prática diária.”
UM RUMO DIFERENTE

TATIANA ALMEIDA/DR

Foi ainda em 2011 que Tatiana decidiu dar um rumo diferente à vida que tinha. “Os últimos cinco anos tinham sido intensos. Trabalhava 14 horas por dia, seis dias por semana.” Tatiana trabalhava como jornalista e nessa altura, concluiu, faltava-lhe experiência de vida. Um dia uma professora disse-lhe: “Tem que agarrar numa mochila e ir fazer um interrail pela Europa”. Seguiu a ideia. “Em 2012, já do outro lado do mundo e do lado certo da vida, agradeci-lhe pela provocação, tão necessária quanto – aprendi eu mais tarde – libertadora.”

Assim, hoje, a grande diferença que sente na sua vida em relação a essa altura é sentir que tem mais tempo. “O tempo sempre foi o mesmo, o que mudou foram as minhas prioridades e a forma de estar na vida. Por exemplo, trabalhei em televisão durante cinco anos mas há seis que não vejo televisão. Compro livros e roupa em segunda mão sempre que possível e vivo realmente preocupada com a sustentabilidade do planeta. Vivi um ano praticamente sem água e sem luz no Gana e essa experiência foi transformadora.”
O ALOJAMENTO É UMA “LOUCURA”

ROBERTO SCHMIDT/GETTY

Agora, nas Maldivas, a vida é cara. “O alojamento é uma loucura, porque as ilhas são pequenas e a densidade populacional é enorme. Como praticamente tudo o que se vende é importado, a alimentação é caríssima. O turismo é a principal atividade económica e a pesca do atum é a segunda. Eu trabalho perto do mercado de Malé, uma das áreas mais ativas da cidade, com cargas e descargas, barcos a chegar e muitos pescadores.” É comum os pescadores morarem nos próprios barcos, “como se vê pela roupa estendida, panelas e colchões”.

É comum os pescadores viverem nos barcos que levam para o mar

TATIANA ALMEIDA/DR

Em geral, as condições de vida são “favoráveis”, mas há direitos fundamentais que não estão garantidos. Os jovens tendem a frequentar a escola até aos 18 anos, depois é comum casarem-se e terem filhos. “Especialmente para as mulheres, as oportunidades académicas e profissionais escasseiam. É curioso que os últimos censos indicam que aos 30 anos um terço dos jovens já se casou três vezes. O divórcio é aceite na sociedade e os homens podem estar casados com até quatro mulheres ao mesmo tempo.”

A população das Maldivas é essencialmente jovem. “Quase metade tem menos de 25 anos. Existem muitos emigrantes nas Maldivas, oriundos maioritariamente do Bangladesh, Nepal, Índia, Sri Lanka, e são eles que assumem os trabalhos mais perigosos e mal remunerados.”

UM PROBLEMA? A POLUIÇÃO

LAKRUWAN WANNIARACHCHI/GETTY

A poluição é um dos “dilemas” com que já vive. “Atira-se tudo para o chão e para o mar.” E isso vai afetando a beleza natural da região, conta Tatiana. Em Malé, assim que nos aproximamos da água, é possível ver centenas de peixes de cores fluorescentes, de todos os tamanhos - o nemo, a dori - e inclusive raias que ao final do dia passeiam pela costa. À semelhança do que tem sido feito noutros países, não seria má ideia banir o plástico nas Maldivas e claro começar a sensibilizar as pessoas.”

Para já, Tatiana quer conhecer melhor o país e avançar para a fase em que começará a trabalhar diretamente com as comunidades de outras ilhas mais distantes. “Acho que precisamos de um outro olhar sobre as Maldivas, que é muito mais do que um destino turístico.” Ali tenciona ficar pelo menos um ano. “O regresso a Portugal não está, para já, nos meus planos. Um dia de cada vez.”

Fonte: EXPRESSO 

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