Mesmo com o forte crescimento e criação de empregos no período militar, os salários foram achatados e a distância entre ricos e pobres cresceu
São Paulo
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O
que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o
crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os
trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares
resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste
da remuneração pela inflação, o que levou a perdas reais para os
trabalhadores. A adoção de uma medida tão impopular só foi possível
através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que diminui
o poder dos movimentos e de negociação dos operários. Os militares
também interferiram em diversos sindicatos, muitas vezes substituindo
seus dirigentes. “Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”,
explica Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. O
arrocho salarial acabou aliviando os custos dos empresários e permitiu
reduzir a inflação.
A melhora na atividade econômica se explicava, à época, por
uma combinação de fatores. Uma conjuntura mundial mais favorável
naqueles anos permitiu crédito externo farto e barato, por exemplo. O
Brasil, por sua vez, criou regras que facilitaram a entrada de capital
estrangeiro e investiu num programa de desenvolvimento do parque
industrial além de reformas estruturais. O crescimento foi acompanhado
pela abertura de novos postos de emprego no mercado formal e da expansão
do consumo interno. Economistas ouvidos pelo EL PAÍS explicam que o
milagre aconteceu principalmente regado a dinheiro internacional que
aterrissou através da entrada de multinacionais que encontraram no
Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares, e
também por empréstimos advindos de fundos internacionais. Era um
ambiente oposto ao do período anterior ao golpe de 1964, quando a grande
convulsão política, em plena guerra fria, no país tornava o ambiente
econômico incerto e afugentava o investidor.
Problemas sociais
Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico
foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no
período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de
instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis
nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini,
utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o
coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual)
e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que
os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução
foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.
Os altos índices de crescimento do PIB vividos enquanto a
ditadura esteve instalada no país também não foram acompanhados de uma
melhora nos indicadores sociais. Foi exatamente o oposto do que
aconteceu.
Além disso, como o governo militar fez uma escolha de
investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas
pessoas decidiram abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida
melhor na cidade, incentivando um êxodo rural sem planejamento e nunca revertido. Segundo o IBGE apenas 16% da população morava no interior do país em 2010.
O crescimento econômico durante a ditadura começou a ser
alavancado durante o Governo de Castelo Branco, que adotou um ambicioso
programa de reformas para equilibrar as contas públicas, controlar a
inflação e desenvolver o mercado de créditos. Batizado de Plano de Ação
Econômica do Governo (PAEG), ele foi responsável por reformas fiscais,
tributárias e financeiras. Castello Branco implementou diversas medidas
no sentido de incentivar um maior grau de abertura da economia
brasileira ao comércio e ao movimento de capitais com o exterior. A
partir de 1964, também foram introduzidos na legislação brasileira
diversos mecanismos de incentivos às exportações.
Mas foi no Governo do general Emílio Garrastazu de Médici,
sob o comando do então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, que o
projeto econômico teve como princípio o crescimento rápido, com
expressivo aumento da produção – com destaque para indústria
automobilística- e grandes obras de infraestrutura. “O Governo apostou
em grandes obras e investimento estimulando o setor privado e usando o
crescimento como propaganda para legitimar o regime durante a época mais
repressiva da ditadura. Era muito importante que ele tivesse apoio de
uma parte da sociedade”, explica Muller.
Foi nessa época que nasceu o primeiro Plano Nacional de
Desenvolvimento (IPND). O plano investiu principalmente na construção de
estradas e obras de infraestrutura, como por exemplo, a Ponte
Rio-Niterói (começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca
terminada rodovia Transamazônica.
Crise do petróleo
Na crista do ciclo do crescimento, a economia brasileira tão
dependente de empréstimos estrangeiros, passou a enfrentar certa
dificuldade quando uma forte crise econômica abalou o cenário
internacional: o choque do petróleo. Conflitos entre países membros da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) derrubaram a
oferta do insumo entre 1973 e 1974, fazendo os preços quase
quadruplicarem no período (o barril subiu de três dólares para11,60),
afetando países importadores como o Brasil.
“Com a crise internacional de 1973, temos uma quebra deste
modelo econômico baseado no alto endividamento externo e, com isso, a
economia vai perdendo força”, afirma o historiador Pedro Henrique
Pedreira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ). Como a estabilidade econômica era um argumento
essencial para a manutenção do governo militar, os economistas que
faziam parte do regime optaram por não abrir mão do modelo e decidiram
que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, mesmo que
continuasse se endividando cada vez mais.
Foi nesse contexto que surgiu o segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento (IIPND), este ainda mais ousado que o primeiro, que
investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobras
ganhou subsidiárias, a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída,
mostrando o quanto a geração de energia era uma bandeira importante
naquele momento em que o Brasil ainda não tinha uma matriz energética
estabelecida e necessitava da importação desse bem.
Muller destaca que “os militares tinham planejamento a longo
prazo” e que a ideia inicial era de que o país ficasse independente da
importação de energia e começasse a gerar renda com a sua produção
própria, essa renda seria utilizada para saldar a dívida externa. O
plano deles, entretanto, não contava com a retração das maiores
economias que, em determinado momento, chegaram para cobrar a fatura. A
crise se prolongou mais do que o Governo imaginava.
Mas a conta do crescimento desenfreado baseado em um alto
grau de endividamento ficou para a redemocratização. Ao deixarem o poder
em 1984, a dívida representava 54% do PIB segundo o Banco Central,
quase quatro vezes maior do que na época que eles tomaram o poder em
1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB. A inflação, por sua
vez, chegou a 223%, em 1985. Quatro anos depois, o país ainda não tinha
conseguido se recuperar e ostentava um índice de inflação de 1782%. No
jargão econômico, costuma-se dizer que os militares deixaram uma
“herança maldita”.
“Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande parte do
nosso parque industrial, melhorado em aspectos técnicos e tecnológicos a
infraestrutura, quando veio a conta, a conta veio muito alta”, explica
Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia e Administração da
USP (FEA/USP)”
Os militares e a corrupção
Outra percepção recorrente é a de que no período da ditadura
não havia corrupção. “Vários estudos já comprovaram que existia
corrupção e era mais fácil que esses malfeitos ocorressem porque não
havia investigação”, ressalta Grandi. Segundo ele, a relação promíscua
entre interesses privados e órgãos públicos foi aprimorada nesse
período.
Pedreira Campos é autor do livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988
que analisa mais profundamente essa relação. “Houve vários casos de
corrupção na ditadura, principalmente no período da abertura envolvendo
agentes do estado que foram acusados de se apropriar de recursos
públicos”.
A ausência de notícias sobre corrupção no período tem também
outra explicação. O Brasil viveu sob um regime de censura que foi
estabelecida nos meios de comunicação que estavam orientados a publicar
notícias que fossem favoráveis ao governo. E é por conta dessa propensão
a maquiar a realidade que notícias denunciando escândalos de corrupção
não estampavam a manchete dos jornais. “Um cenário como esse é ideal
para a prática da corrupção, os indícios indicam que havia mais
corrupção naquele período”, completa Pedreira Campos.
Fonte:: EL PAÍS
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