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domingo, 21 de julho de 2019

Vazamentos da Lava Jato jogam luz nos limites éticos do Judiciário e MP





Mensagem mostram que as linhas que separam o que é ilegal, imoral e legítimo sob os olhos da Justiça frequentemente se confundem no Brasil












Regiane Oliveira

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São Paulo 20 JUL 2019 - 20:15 BRT
O ministro da Justiça Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato. Eraldo Peres AP


MAIS INFORMAÇÕES


Dallagnol vai ser investigado por palestras pagas e benesses durante a Lava Jato
‘The Intercept’: Deltan Dallagnol fez planos para lucrar com palestras à luz da Lava Jato
Afinal, é possível testar a veracidade das mensagens divulgadas pelo ‘The Intercept’?

Os brasileiros têm acompanhados como a uma novela a divulgação de mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil revelando bastidores da força-tarefa da Lava Jato. A cada conversa vazada, o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol se tornam protagonistas de uma trama que revela não apenas o funcionamento da maior operação contra corrupção do país, mas também zonas cinzas do funcionamento do Judiciário, onde as linhas que separam o que é ilegal, imoral e legítimo sob os olhos da Justiça se confundem.
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Em meio às mensagens da chamada #VazaJato sobram questionamentos. Juiz pode ou não pode orientar advogado? Procurador pode lucrar com palestra? Discutir na imprensa casos em andamento é permitido? O EL PAÍS conversou com juristas para trazer à luz questões-chave da Justiça brasileira.
A controversa figura do “super juiz” brasileiro

Nesta semana, conversas privadas entre procuradores analisadas pela Folha de S. Paulo indicam que Moro interferiu nas negociações de delações. De acordo com a reportagem, no início de 2015, a força-tarefa negociava acordo de leniência com a Camargo Corrêa e delações premiadas para seus executivos, presos desde 2014. Porém, na reta final das negociações, Dallagnol sugere ao então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que atuou na força-tarefa até setembro de 2018, que consultasse Moro antes de fechar qualquer acordo, uma vez que o juiz teria dito que não homologaria acordos cujas penas não incluíssem ao menos um ano de prisão em regime fechado.

25 de fevereiro de 2015


Dallagnol - Carlos Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde? Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que seguiremos. Podemos até fazer fora do que ele colocou (quer que todos tenham pena de prisão de um ano), mas tem que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse. Vc pode até dizer que ouve e considera, mas conveniência é nossa e ele fica à vontade pra não homologar, se quiser chegar a esse ponto. Minha sugestão é apenas falar (sic)

Não é a primeira vez que sugestões de Moro aparecem em meio aos diálogos. Já no começo dos vazamentos, mensagens nas quais o ex-juiz aparentava orientar as ações do procurador, como o pedido para inverter ordem de fases das investigações ou a reclamação de que a força-tarefa estava muito tempo sem realizar uma operação, colocaram em xeque a imagem do juiz imparcial, uma garantia constitucional no Brasil.

Muitos viram Moro ora no papel de um juiz de garantias – aquele que atua apenas na fase de investigação, antes do oferecimento da denúncia –, ora como juiz de instrução – responsável por colher as provas, como um membro da força policial. Mas estas figuras não existem no Código de Processo Penal brasileiro. “No sistema processual espanhol, uma das formas de resguardar a imparcialidade é impedir que o juiz que aprecia as diligências da investigação seja o mesmo que julgue a causa”, explica Edilson Vitorelli, professor de direito do Mackenzie e autor do livro Qual ministro eu sou?, que explica o funcionamento do Supremo Tribunal Federal.

Vitorelli afirma que a premissa que justifica esta separação de funções é psicológica. Seus defensores alegam que, na medida em que o juiz acompanha a execução de provas, ele pode ir se convencendo da veracidade das provas, o que pode prejudicar o réu. No Brasil, no entanto, o juiz que preside o inquérito é o mesmo que julga a causa.

Sobre reportagem da Folha de S. Paulo, Moro afirmou pelo Twitter que não reconhece a autenticidade das mensagens. Porém, defendeu que “o juiz tem não só o poder, mas o dever legal de não homologar ou de exigir mudanças em acordos de colaboração excessivamente generosos com criminoso”. Não é a primeira vez que ele defende essa espécie de "super poder" dos juízes. Em 2017, Moro havia se mostrado contra a separação de funções em audiência pública na Comissão Especial do Novo Código de Processo Penal, que define quem deve fazer a investigação criminal, quem deve denunciar o acusado, quais são os direitos do réu e como esses direitos podem ser exercidos ao longo de todo o processo. “Tenho dúvidas de que separar o juiz de garantias do juiz do processo seria algo que se justifique ou que vai apenas trazer prejuízos ao processo. Falta consistência, ao meu ver, nessa construção relativa ao juiz de garantias”, disse.
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Nas discussões do novo Código de Processo Penal – o atual é de 1941, apesar de já ter sido bastante alterado –, há proposta para que este sistema mude, mas não sem controvérsias. Para Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito SP, o sistema no qual o mesmo juiz que acompanha a investigação é responsável pelo julgamento não é o mais adequado para garantir o devido processo. “O juiz se torna muito próximo aos investigadores e ao Ministério Público Federal (MPF), o que pode impedir um comportamento imparcial. Há muito os advogados e réus no Brasil reclamam dessa proximidade excessiva entre juízes criminais e o MPF. Parte é resultado do desenho institucional, parte da cultura jurídica. Em cidades do interior coabitam o mesmo fórum. Certamente precisamos repensar o modelo”.

Vitorelli, por outro lado, não acha uma boa ideia. “Não há pesquisas fundadas o bastante para dizer que há necessidades desta mudança. Não podemos decidir com base em casuísmo. Há ideias, opiniões, mas falta pesquisa para saber como o país se comportaria. Vejo vantagens e desvantagens”, diz. Dentre as desvantagens, ele aponta que o número de juízes atual não seria capaz de atender a demanda. “Especialmente em cidades pequenas, seria inviável a figura do juiz de instrução e garantir. Só iríamos atrasar o processo penal, com ganho pequeno de justiça”, diz.
Dar aulas versus lucrar com casos em andamento

Julho de 2017


Dallagnol - Eu pedi pra pagarem passagens pra mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram (...) Além disso, eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k [30 mil reais]. Fica para você avaliar (sic)

A crise das palestras não é um debate novo e envolve membros de diversos setores do funcionalismo público, mas voltou à tona com as mensagens que mostram membros do MP falando sobre como lucrar com a realização de palestras pagas por empresas e entidades interessadas em se associar à imagem da Operação Lava Jato.

O Conselho Nacional do Ministério Público instaurou reclamação disciplinar contra Dallagnol e e seu colega Roberson Henrique Pozzobon após a "ampla repercussão" das mensagens, mas admitiu em nota que não tem um ato normativo que trate especificamente da realização de palestras por membros do MPF. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), por outro lado, defende as palestras como atividade docente, o que é permitido por lei.

Vieira afirma que, embora esse seja um problema de difícil solução, não é preciso novas regras para dar clareza à questão, uma vez que as atuais já impediriam excessos. “Lembro de uma vez ter perguntado a uma juíza da Suprema Corte norte-americana, Sandra O’Conner, sobre um caso. Ela me disse que não poderia falar sobre o assunto pois eventualmente iria julgar a questão. Fiz então uma outra questão sobre um caso julgado. Ela me disse que não falaria sobre um caso já julgado pela Suprema Corte, pois aos acadêmicos, políticos e cidadãos cabem julgar as decisões da corte, não aos próprios juízes”, conta.

De fato, o Código de Ética e Disciplina da Organização Brasileira dos Advogados (OAB) tem normas rígidas quanto as formas de comunicação permitidas. Orienta advogados a não dar entrevistas para se promover profissionalmente, por exemplo. Evitar insinuações e debates de caráter sensacionalista também constam no código, que, certamente, foi escrito antes do advento das redes sociais, espaço disputado por juristas para arrebanhar apoio para suas causas. É pelo Twitter que Dallagnol fala frequentemente com seus apoiadores. E foi por ali que diversas vezes, defendeu o trabalho do MPF na Lava Jato como “técnico, imparcial e apartidário”. O procurador tem quase 900 mil seguidores, mas perde de Moro com seus 1,2 milhões de fãs. “Toda a nossa regulamentação sobre comunicação não acompanhou os avanços sobre internet”, explica Vitorelli. A lentidão nos processos normativos também é um problema. “Se tivéssemos regulado as redes sociais, é possível que ainda estivéssemos falando do Orkut.”
Quando um juiz deve se declarar impedido?

Uma das críticas mais rotineiras a Sergio Moro é que ele teria sido parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que liderava as pesquisas, e depois aceitar um cargo no Governo. O tema foi motivo de debate entre procuradores nas conversas obtidas pelo The Intercept. E não foram poucos que disseram que Moro deveria ter se declarado impedido de julgar o ex-presidente, apenar ao ter uma inclinação política diferente.

31 de outubro de 2018


Conversa entre procuradoras

Isabel Groba – É o fim ir se encontrar com Bolsonaro e semana que vem ir interrogar o Lula.

Jerusa Viecili – Concordo com tudo, Isabel!

Laura Tessler – Tb! Pelo amor de Deus!!!! Alguém fala pro Moro não ir encontrar Bolsonaro!!! (sic)

O impedimento de um juiz não é matéria comumente discutida no Brasil, mas é tema presente no imaginário popular. O personagem do juiz que se declara impedido ou suspeito de fazer um julgamento porque determinada preferência pode afetar sua imparcialidade é comum em vários seriados que abordam a Justiça norte-americana, mas não tem amparo legal por aqui. “No Brasil, diferentemente de outros países, imparcialidade não é questão psicológica, um sentimento”, explica Vitorelli. “Os EUA têm uma visão de distanciamento judicial diferente da nossa. Ser favorável a um partido aqui não impacta. A não ser que seja forte o bastante para impedir uma decisão justa. Mas não conheço nenhum caso que isso tenha acontecido”, diz.

Os artigos 144 e 145 do Código de Processo Civil trazem uma lista bastante específica de casos em que há a suspeição do juiz, mas que esbarram em zonas cinzentas. Por exemplo, um juiz não pode ser amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou seus advogados – algo bastante subjetivo no país que ficou conhecido pelo seu "homem cordial", para lembrar o conceito forjado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda. Segundo levantamento feito pela revista Piauí, nos últimos cinco anos, o Supremo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os cinco Tribunais Regionais Federais deram 1 432 decisões contrárias ao afastamento de juízes por suspeição e apenas dezenove favoráveis.

O que não significa que estejam liberados para fazer política. “Juízes devem prestar contas de sua atividade e a melhor forma de fazê-lo é fundamentando e justificando suas decisões”, explica Vieira. “Não devem usar a toga para fazer política. Juízes aplicam a lei. Políticos fazem política. Quando não gostamos do que fazem, não os elegemos mais. Quando juízes fazem política, não temos como nos defender”, diz.

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