22 de julho de 2021, 9h52
O Tribunal Superior de Novo México, nos EUA, decidiu que postos de gasolina podem ser responsabilizados por vender combustível a motorista embriagado, em caso de acidente. A decisão diz que um posto de gasolina tem o dever de proteger (duty of care) os usuários das vias públicas e, por isso, não pode vender combustível se souber — ou se houver razão para saber — que o motorista está "intoxicado" (por bebida alcoólica ou droga).
A corte fundamentou sua decisão na doutrina jurídica da "confiança negligente" — isto é, proprietários de bens têm a responsabilidade de fornecê-los apenas a alguém competente para usá-los com segurança. Conforme o voto da maioria, as cortes de Novo México tinham reconhecido em decisões anteriores que o dono de um veículo que o confia a uma pessoa intoxicada para dirigir pode ser responsabilizado por lesões (ou danos) causadas pelo motorista embriagado.
O Novo México não tem uma lei que proíba a venda de gasolina a pessoas intoxicadas. Mas o voto da maioria destacou o fato de que o Legislativo do Novo México aprovou uma lei, neste ano, que proíbe a venda de bebidas alcoólicas fortes nas lojas de conveniência dos postos de gasolina. E que a legislação estadual responsabiliza as empresas por vender ou servir bebidas alcoólicas a pessoas já intoxicadas.
Para o Tribunal Superior do estado, o dever de não vender gasolina a alguém que esteja embriagado é consistente com a responsabilidade de dar a essa pessoa bebida alcoólica ou um carro. "Fornecer gasolina a uma pessoa embriagada é a mesma coisa que entregar a ela a chave de um carro", diz o voto da maioria.
"O dever de não vender gasolina a uma pessoa intoxicada é consistente com a responsabilização de quem fornece a essa pessoa bebida alcoólica ou um veículo. A gasolina, a bebida alcoólica e o veículo são meios envolvidos em casos de motoristas que causam acidentes por dirigirem embriagadas", diz o voto.
Decisão controvertida
A decisão da maioria "abriu uma lata de minhocas" (a can of worms — um clichê que significa criar uma situação complicada, em que fazer alguma coisa para corrigir um problema leva a muito mais problemas), sugere o voto dissidente da ministra Barbara Vigil. "Essas empresas podem incluir lojas de peças automotivas, lojas de pneus, mecânicos, estações de carga de veículos elétricos ou quem quer que forneça algo a um motorista embriagado", ela diz.
"De um ponto de vista prático, o voto da maioria não esclarece como um comportamento estranho de um motorista na bomba de gasolina, observado pela janela da loja, pode gerar o dever de investigar. E a maioria não dá qualquer orientação sobre como investigar. Apenas rejeita essa questão com o argumento de que a investigação é desnecessária porque a embriaguez é óbvia", escreveu a ministra.
"Mas a maioria não leva em consideração a realidade prática das vendas ao público em geral, que envolve interações breves com todos os clientes. Os clientes podem exibir comportamento estranho por inúmeras razões. E a maioria não diz o que fazer quando o empregado da loja não sabe estabelecer a razão do comportamento estranho de um freguês."
"O empregado não saberá o que fazer se uma pessoa com comportamento estranho quiser comprar um galão de gasolina, em vez de colocar o combustível no carro. Ele não sabe que uso a pessoa irá dar àquela gasolina e a maioria não diz, em seu voto, se o empregado deverá investigar isso e como a investigação deve ser conduzida."
Enfim, qualquer loja e quaisquer de seus empregados que vendam qualquer coisa para um motorista que vier a causar um acidente não vão saber o que fazer para evitar responsabilização criminal e civil.
Segundo o voto vencido, isso é pedir demais para um empregado de posto de gasolina ou de uma loja de conveniência, que ganha salário-mínimo. No caso de bartenders, que também têm o dever de não vender bebidas alcoólicas a pessoas já intoxicadas, pelo menos eles sabem, por experiência, como lidar com pessoas bêbadas.
Por fim, a maioria das pessoas não entra na loja para abastecer o carro. Fazem tudo na própria bomba de gasolina, porque podem pagar com cartão de débito ou de crédito. Isso exigiria que se colocasse um bafômetro na bomba, para a pessoa soprar antes de comprar combustível. Ou um espião eletrônico, para observar comportamentos estranhos.
O caso
A decisão do tribunal superior foi tomada em uma ação movida pela família de Marcellino Morris, que morreu em um acidente bem comum, o que é causado por motorista embriagado. Em dezembro de 2011, Andy Denny passou quase toda a noite bebendo com um amigo e, no caminho de casa, ficou sem gasolina. Passou no posto, abasteceu e, de volta à estrada, saiu de sua faixa, entrou na contramão, e bateu de frente com o carro de Morris. A família processou o posto de gasolina, por facilitar a direção embriagada.
Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2021, 9h52
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