HAROLDO CASTRO, DE ULAANBAATAR (TEXTO E FOTOS)
19/03/2014 16h18 - Atualizado em 19/03/2014 16h40
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Na Mongólia, as crianças aprendem a montar aos quatro anos de idade. Dos três milhões de habitantes que vivem no país, quase um milhão são nômades. Para estes, o cavalo é vital, pois permite vencer as grandes distâncias das estepes. É o principal meio de transporte para um povo altivo que ainda troca de morada a cada dois ou três meses.
“Foram os cavalos que moldaram nossa pátria. O imperador Gênghis Khan só conquistou meio mundo por que desenvolveu uma cavalaria vigorosa”, diz orgulhosamente Badrakh Choidogiin, acariciando a cabeça de um alazão negro. “Por isso, o cavalo é muito respeitado em nossa cultura”.
Desde minha primeira visita ao país, observei a importância do cavalo entre os mongóis. A figura central da bandeira de preces budistas é a do Cavalo de Vento. O instrumento musical nacional – o violino Morin Khuur – utiliza fios do rabo do animal para o arco e suas duas cordas, além de trazer uma talha da cabeça de um cavalo no cabo. Cada um dos nove estandartes nacionais, venerado durante a festa nacional do Naadam, é confeccionado com nove rabos de cavalos brancos. Quase todos os cavalos são ornados com peças de prata.
Badrakh caminha entre os cavalos, alisando o pescoço de um e penteando a crina de outro. Um senhor vestido com uma bata elegante se aproxima. É Choidog, pai de Badrakh e de mais outros dez filhos. Vive a 25 km de Bayan Onjuul (onde estamos), em sua tenda tradicional, cercado de 300 cavalos, 50 cabeças de gado e 250 carneiros e cabritos. A paixão de Choidog é treinar cavalos e ele já ganhou dois primeiros lugares em competições nacionais. Para as provas em Bayan Onjuul, na província de Tuv, a 140 km da capital, Choidog trouxe cerca de 40 animais e montou um acampamento com parentes e amigos.
O ritual de cada corrida demora mais de duas horas e as provas são por idade dos cavalos. Badrakh avisa que o momento do início da corrida é sempre muito delicado. Os cavalos ficam nervosos, tornam-se impacientes e relincham antes da largada. E quando um sai, todos vão atrás.
É o que acontece na terceira corrida de Bayan Onjuul. Alguns dos pequenos jóqueis não conseguem travar seus animais e um grupo de cavalos indóceis não resiste à vontade de sair em disparada. Agora são 20 km sem escalas, os cavalos voando nas estepes.
O alvoroço na chegada também é intenso. À medida que um cavalo cruza a linha final, seu treinador e um ajudante correm para o receber. A primeira providência é passar uma espátula de bambu rente ao corpo molhado do animal para retirar o suor. “É preciso secar o cavalo para que ele não adoeça”, afirma Choidog. Os bravos alazões são o foco de todo o mimo.
Mas e as crianças? Com suas carinhas sujas de pó e as narinas entupidas de areia, os meninos e meninas que não tiveram a glória de chegar entre os cinco primeiros, são relegados a segundo plano. Sem cavalos, eles carregam sua sela e caminham desnorteados. Apesar de estarem visivelmente exaustos, pouca atenção lhes é dada. O máximo que um ou outro recebe é uma garrafa de refrigerante para matar a sede.
Na hora da entrega do prêmio aos cinco vencedores, um lenço azul é amarrado no pescoço do animal e um cálice com vodca é entregue ao jóquei mirim para molhar seus lábios. O resto da bebida é oferecida como agradecimento e jogada ao ar. Uma bebida branca entra em cena, é o “airaq”, leite fermentado de égua; não existe ritual na Mongólia sem “airaq”. Cada treinador entrega a vasilha na mão de seu jóquei, que bebe um gole. Em seguida, o treinador rega a crina, a traseira e a testa do cavalo com o leite de égua. Os organizadores da corrida colocam uma medalha no cavalo e entregam outra aos meninos.
Dentre as cinco crianças vencedoras há uma menina. Ela segura o bastão com o número 1; tem apenas seis anos e seu nome é Chivaandulam. Notei o número de seu jaleco: 108. Teria sido uma mera coincidência o fato que 108 é o número mais abençoado no budismo mongol? Seu treinador sorri quando indico, de forma inquisitiva, o número do jaleco. Ele acaricia a face do cavalo, como se agradecesse o esforço do animal.
Fonte: http://epoca.globo.com/
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