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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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segunda-feira, 31 de março de 2014

Município pode doar ou emprestar imóvel para construção de templo?

O TJ/SC entende que sim, favorecendo a Igreja Católica ( Mitra Metropolitana), ao convalidar doação feita pelo Município de Camboriu.
De outro vértice, o TJ/MG, entendeu contrariamente, desrespeitando o primeiro sodalício o princípio da laicidade estatal, que o segundo fez respeitar. Ouso duvidar de que, se a Igreja demandada fosse a ICAR, a decisão dos desembargadores mineiros seria em sentido contrário. 

EMENTA: CONSTITUCIONAL - AÇÃO POPULAR - PERMISSÃO DE USO DE PATRIMÔNIO PÚBLICO - COMODATO - ANULAÇÃO - DESVIO DE FINALIDADE - LEI MUNICIPAL - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - PRELIMINAR - NULIDADE - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - REJEIÇÃO. 1 - É nula a Lei nº. 671, de 28 de Novembro de 2001, e, por conseguinte, o correspondente Termo de Permissão de Uso, na modalidade de comodato, outorgado à Igreja Assembléia de Deus de Juiz de Fora com a finalidade de subvencionar-lhe a construção de sede, por ferir o art. 11 da Lei Orgânica Municipal, que repete, no âmbito do Município de Matias Barbosa, o princípio constitucional do Estado Laico. 2 - Preliminar rejeitada, sentença confirmada, em reexame necessário, e recurso voluntário prejudicado.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0408.04.004818-8/001 - COMARCA DE MATIAS BARBOSA - APELANTE(S): IGREJA EVANGELICA ASSEMBLEIA DEUS JUIZ FORA - APELADO(A)(S): CÂMARA MUN MATIAS BARBOSA, MUNICÍPIO MATIAS BARBOSA, CLÁUDIO MESSIAS DE CARVALHO BELLEI - RELATOR: EXMO. SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador BITENCOURT MARCONDES , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E, NO REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMAR A SENTENÇA, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

Belo Horizonte, 26 de maio de 2011.

DES. EDGARD PENNA AMORIM - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM:

VOTO

Trata-se de ação popular com pedido de liminar ajuizada por Cláudio Messias de Carvalho Bellei em face do Município de Matias Barbosa e da Câmara Municipal de Matias Barbosa, objetivando: a) a anulação da Lei n.º 671, de 28 de Novembro de 2001, que concedeu a permissão de uso de lote de 772,60 m² (setecentos e setenta e dois metros quadrados e sessenta centímetros), que integra uma área de 2.259,20 metros (dois mil duzentos e cinquenta e nove metros quadrados e vinte centímetros), desapropriada com a finalidade de se construir uma praça para a comunidade, b) a restituição e reintegração, ao patrimônio público, da área cedida à Igreja Assembléia de Deus de Juiz de fora, e c) liminar para a imediata paralisação e demolição da obra realizada pela referida entidade religiosa.

Adoto o relatório da sentença (f. 151/155), por fiel aos fatos, e acrescento que o i. Juiz da Vara Única da Comarca de Matias Barbosa, após confirmar a liminar deferida, julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:

"Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO POPULAR, decretando-se a nulidade da preposição de Lei 041/01, com restituição e reintegração imediata ao patrimônio público do Município da área de 776 metros quadrados indicada no pedido inicial, ratificando a liminar concedida, e IMPROCEDENTE O PEDIDO DE DEMOLIÇÃO DAS OBRAS REALIZADAS pela Igreja Assembléia de Deus de Juiz de Fora, por tratar-se de ato discricionário da Administração Pública local." (f. 155)

Inconformada, apela a requerida (f. 162/164), sustentando, em síntese, que foi destinada à Igreja apenas uma fração do terreno de 776m² (setecentos e setenta e seis metros quadrados), restando para a comunidade uma área total de 1.483,20m² (um mil quatrocentos e oitenta e três metros quadrados e vinte centímetros), cuja finalidade era a construção da praça esportiva. Alega, ainda, que a Igreja visa promover o bem estar social das comunidades onde se instala, atuando sem finalidade lucrativa.

Às f. 176/180-TJ, a Câmara Municipal de Matias Barbosa recorreu, também, erigindo preliminar de nulidade da Sentença por ausência de citação dos vereadores da Câmara Municipal, que a compunham à época da cessão da área.

Parecer da i. Procuradoria-Geral de Justiça à f. 199/201, da lavra do i. Procurador Antônio Joaquim Fernandes Neto, opinando pela manutenção da r. sentença recorrida.

Procedo ao reexame necessário, nos termos do art. 19 da Lei n.º 4.717/65.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA

Às f. 177/180, a Câmara Municipal de Matias Barbosa sustenta que não poderia recair sobre ela qualquer condenação, já que os vereadores integrantes daquela Casa Legislativa no momento da edição da Lei n.º 671, de 28 de Novembro de 2001 seriam litisconsortes passivos necessários, a teor do art. 6º da Lei n.º 4.717/65.

De fato, o art. 6º da Lei da Ação Popular prevê:

"Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

§ 1º Se não houver benefício direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste artigo."

Entretanto, o referido dispositivo legal autoriza a propositura da ação em face das autoridades e servidores que aprovaram, retificaram ou praticaram o ato impugnado, a fim de que se viabilize o restabelecimento do "status quo ante" após a referida anulação, o que não obriga, no caso concreto, à inserção dos vereadores no pólo passivo da presente ação.

Com efeito, a propositura da presente ação popular em face da beneficiária do ato, do Município de Matias Barbosa e da Câmara Municipal são suficientes, na espécie, para a pretendida anulação do ato lesivo e a reintegração do bem público, sendo prescindível a citação dos vereadores que aprovaram o projeto de Lei nº 671, de 28 de Novembro de 2001, sobretudo se se considerar a ausência de condenação indenizatória no caso concreto.

Portanto, rejeito a preliminar.

MÉRITO

Como se sabe, a ação popular é o meio processual posto à disposição do cidadão que vise "anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada a má-fé, isento das custas judiciais e dos ônus da sucumbência" (CR, art. 5º, inc. LXXIII).

Assim, os requisitos daquela ação de natureza constitucional são, na lição de Hely Lopes Meirelles ("In" Mandado de segurança. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 124 e seguintes), a condição de eleitor gozada pelo demandante, a ilegalidade do ato decorrente de vício formal ou substancial, incluído o desvio de finalidade, e, por fim, a lesividade daquele ato ao patrimônio público, à moralidade administrativa e a outros valores consagrados na Constituição da República. Notadamente em relação a este último requisito, leciona o renomado autor:

"O terceiro requisito da ação popular é a lesividade do ato ao patrimônio público. Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade. E essa lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. Nos demais casos impõe-se a dupla demonstração da ilegalidade e da lesão efetiva ao patrimônio protegível pela ação popular.

Sem estes três requisitos - condição de eleitor, ilegalidade e lesividade -, que constituem os pressupostos da demanda, não se viabiliza a ação popular." ("Op. cit.", p.124/125.)

Na espécie, em que pese o inconformismo da requerida, a lesividade objurgada está presente no próprio ato de subvenção da Administração Pública Municipal a determinado culto religioso, em detrimento do art. 19, inc. I, da Constituição da República, do art. 165, § 3º, da Constituição do Estado e do art. 11 da Lei Orgânica do Município.

Nesse sentido, o art. 19, inc. I, da CR dispõe:

"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."

Por sua vez, prevê a Constituição Estadual Mineira:

"Art. 165.

(...)

§ 3º. O Município se sujeita às vedações do art. 19 da Constituição da República.

Por consequência, a Lei Orgânica do Município de Matias Barbosa previu:

"Art. 11. Ao Município é vedado:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."

Os atos questionados são a edição de Lei Municipal autorizativa da celebração de "contrato de permissão de uso" de terreno público para a construção do templo religioso da Igreja Evangélica Assembléia de Deus (f. 39/40) e o contrato de comodato (f. 79).

Na espécie, estão claras a ilegalidade e a lesividade da autorização para uso de imóvel de uso dominial como forma de subvenção à expansão da organização religiosa, por meio da construção de sua sede.

De fato, nem a Lei Local nem o contrato de comodato fazem qualquer menção à efetiva colaboração de interesse público, seja no desempenho de atividade de assistência social, seja de recuperação de dependentes químicos, ou outras equivalentes, que interessem à coletividade independentemente da orientação religiosa adotada pela requerida.

Trata-se, portanto, de fornecimento direto, pelo Município, de recursos para a implantação, como dito, de nova unidade da Igreja requerida, o que contraria flagrantemente a obrigatoriedade de a Administração Pública Municipal manter-se neutra no que toca à Religião.

Não há falar, portanto, em declaração de inconstitucionalidade difuso, pois a Lei nº 671, de 28 de Novembro de 2001, e o contrato de comodato ferem o art. 11 da Lei Orgânica do Município de Matias Barbosa.

Em caso análogo, a Corte Superior deste eg. Tribunal já teve a oportunidade de asseverar, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.0000.08.477276-3/000:

"EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Municipal - Concessão de uso de imóvel do Município a terceiro - 'Igreja Pentecostal Deus é Amor' - Finalidade religiosa - Descabimento - Poder Público - Imparcialidade e neutralidade - A teor do art. 165, § 3º, da Constituição do Estado, o Município possui o dever de neutralidade relativamente aos cultos religiosos ou igrejas, o qual não pode beneficiá-los na concessão de uso de bem público para fins religiosos. Ação direta julgada procedente.

(...)

O art. 2º da Lei Municipal nº 645, de 31.10.2007, que dispõe sobre a concessão de uso de bem público à Igreja Pentecostal Deus é Amor, possui a seguinte redação:

'Art. 2º - A área concedida será para fins de realização de encontros bíblicos religioso, trabalho de recuperação de menores, aulas de música, aulas de instrumento musicais e outras atividades inerentes à Igreja Pentecostal Deus é Amor.'

Assimilo o entendimento de que as expressões impugnadas se apresentam inconstitucionais, por ofensa ao art. 165, § 3º, da Constituição deste Estado, que, a exemplo da norma inserida no art. 19, I, da Constituição da República, consagra a neutralidade dos Municípios quanto aos cultos religiosos ou igrejas.

Como visto, os textos da lei excedem o limite constitucional da colaboração de interesse público entre o Município de Ewbank da Câmara e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, à medida que permite o uso do imóvel público para fins declaradamente religiosos.

Em caso similar, cito a orientação deste eg. Tribunal de Justiça:

'EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal. Município de Nova Era. Concessão de direito de uso de imóvel da municipalidade. Igreja do Evangelho Quadrangular. Funcionamento da igreja. Salas destinadas a estudo bíblico e reuniões. Moradia do pastor e sua família. Inconstitucionalidade manifesta. Igrejas e cultos religiosos. Estado laico. Dever de imparcialidade e neutralidade do Poder Público. Representação acolhida. Vício declarado. - Por imposição constitucional, o Poder Público, em todas as esferas federativas, possui o dever de imparcialidade ou neutralidade no que toca aos credos religiosos existentes no País, não podendo, de forma alguma, beneficiá-los ou prejudicá-los, total ou parcialmente.' (ADI nº 1.0000.07.457.387-4/000, Relator o Desembargador Herculano Rodrigues, DJ 09.07.2008).

Julgo procedente a ação direta de inconstitucionalidade, para suspender definitivamente a eficácia das expressões 'encontros bíblicos religiosos' e 'outras atividade inerentes à Igreja Pentecostal Deus é Amor', que se encontram previstas no art. 2º da Lei nº 645, de 31.10.2007, do Município de Ewbank da Câmara." (TJMG - Corte Superior - Rel. Des. Almeida Melo - DJ. 10/03/2010.)

Por fim, no tocante à parte da sentença que deixou de determinar a demolição do que fora construído do imóvel, entendo acertada a cautela do i. magistrado "a quo" no sentido de resguardar à Administração Municipal a escolha sobre o aproveitamento do que eventualmente tenha sido ali construído, já que a obra foi obstada no início por força da liminar deferida nestes autos.

Diante do exposto, em reexame necessário, confirmo a sentença, prejudicado o recurso voluntário.

Custas recursais, na forma da lei.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO e VIEIRA DE BRITO.

SÚMULA : REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

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