O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, proibiu
a condução coercitiva de investigados. Em liminar desta terça-feira
(19/12), o ministro considerou a prática de levar investigados à força
para depor inconstitucional por violar a liberdade de locomoção e a
presunção de não culpabilidade.
A decisão impede a coercitiva de investigados, sob pena de responsabilização disciplinar, cível e criminal das autoridades que descumprirem a ordem, “sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. O ministro encaminhou a decisão à Presidência do Supremo para que seja incluída na pauta do Plenário.
Na decisão, Gilmar afirma que não existe obrigação legal de comparecer a interrogatório, e por isso “não há possibilidade de forçar o comparecimento”. E como a investigação é um momento anterior à instauração do processo, a condução coercitiva viola os incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal.
O primeiro dispositivo diz que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. O segundo, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação.
Em outras palavras, Gilmar declarou o artigo 260 do Código de Processo Penal não recepcionado pela Constituição. É esse dispositivo que permite à autoridade mandar conduzir acusados à sua presença, caso ele não atenda a intimações. O texto é de 1941, mas a prática só se tornou frequente com a operação “lava jato” — foram mais de 200 desde 2014.
“A condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal”, diz a liminar.
Segundo o ministro, as coercitivas implicam restrição à liberdade, ainda que temporária. E como essa restrição é feita por policiais e em vias públicas, “não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes”. “O investigado conduzido é claramente tratado como culpado.”
Ele atendeu a pedidos feitos em duas arguições de descumprimento de preceito fundamental. A ADPF atendida, de autoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pedia a declaração da não recepção do artigo 260 no caso de investigados. Já a outra, ajuizada pelo PT, pedia também em relação a réus e suspeitos. A extensão foi negada pelo ministro.
Técnicas de comunicação
Para o ministro, o uso indiscriminado das conduções coercitivas é subproduto das megaoperações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal por meio de estratégias de marketing: “Para ficar no exemplo mais rumoroso, foram executadas 222 conduções coercitivas na operação ‘lava jato’ – até 14.11.2017, de acordo com o site lavajato.mpf.mp.br. Apenas para ilustrar, é mais do que a soma de todas as prisões no curso da investigação – 218, sendo 101 preventivas, 111 temporárias, 6 em flagrante”.
Segundo Gilmar Mendes, o artigo 260 está no CPP desde sua redação original, de 1941, e se referia à condução coercitiva durante a ação penal. Mas ele foi “substituído” pelo artigo 367 do CPP, com a redação de 1996, que fala no “prosseguimento da marcha processual” à revelia do réu.
Com isso, continua Gilmar, o artigo 260 “foi reciclado” para dar ao juiz, além do poder de cautela, aplicar a condução coercitiva. “Parte-se do princípio de que, se o juiz pode o mais – decretar a prisão preventiva –, pode o menos – ordenar a condução coercitiva”, afirma o ministro.
“Essa engenhosa construção passou a fazer parte do procedimento padrão das chamadas ‘operações’”, continua Gilmar. Ele explica que as operações se destinam a apurar crimes complexos e se utilizam de “técnicas especiais de investigação”. Mas elas começam por uma “fase oculta”, sempre sigilosas, com medidas como grampos telefônicos e ações controladas e só depois passam à fase ostensiva, a que se chama de deflagração. “Em inquéritos policiais não batizados como operações, a condução coercitiva é rara ou inexistente.”
Clique aqui para ler a liminar na ADPF da OAB.
Clique aqui para ler a liminar na ADPF do PT.
* Texto atualizado às 14h35 do dia 19/12/2017 para acréscimo de informações e às 16h10 para correção.
A decisão impede a coercitiva de investigados, sob pena de responsabilização disciplinar, cível e criminal das autoridades que descumprirem a ordem, “sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. O ministro encaminhou a decisão à Presidência do Supremo para que seja incluída na pauta do Plenário.
Na decisão, Gilmar afirma que não existe obrigação legal de comparecer a interrogatório, e por isso “não há possibilidade de forçar o comparecimento”. E como a investigação é um momento anterior à instauração do processo, a condução coercitiva viola os incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal.
O primeiro dispositivo diz que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. O segundo, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação.
Em outras palavras, Gilmar declarou o artigo 260 do Código de Processo Penal não recepcionado pela Constituição. É esse dispositivo que permite à autoridade mandar conduzir acusados à sua presença, caso ele não atenda a intimações. O texto é de 1941, mas a prática só se tornou frequente com a operação “lava jato” — foram mais de 200 desde 2014.
“A condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal”, diz a liminar.
Segundo o ministro, as coercitivas implicam restrição à liberdade, ainda que temporária. E como essa restrição é feita por policiais e em vias públicas, “não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes”. “O investigado conduzido é claramente tratado como culpado.”
Ele atendeu a pedidos feitos em duas arguições de descumprimento de preceito fundamental. A ADPF atendida, de autoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pedia a declaração da não recepção do artigo 260 no caso de investigados. Já a outra, ajuizada pelo PT, pedia também em relação a réus e suspeitos. A extensão foi negada pelo ministro.
Técnicas de comunicação
Para o ministro, o uso indiscriminado das conduções coercitivas é subproduto das megaoperações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal por meio de estratégias de marketing: “Para ficar no exemplo mais rumoroso, foram executadas 222 conduções coercitivas na operação ‘lava jato’ – até 14.11.2017, de acordo com o site lavajato.mpf.mp.br. Apenas para ilustrar, é mais do que a soma de todas as prisões no curso da investigação – 218, sendo 101 preventivas, 111 temporárias, 6 em flagrante”.
Segundo Gilmar Mendes, o artigo 260 está no CPP desde sua redação original, de 1941, e se referia à condução coercitiva durante a ação penal. Mas ele foi “substituído” pelo artigo 367 do CPP, com a redação de 1996, que fala no “prosseguimento da marcha processual” à revelia do réu.
Com isso, continua Gilmar, o artigo 260 “foi reciclado” para dar ao juiz, além do poder de cautela, aplicar a condução coercitiva. “Parte-se do princípio de que, se o juiz pode o mais – decretar a prisão preventiva –, pode o menos – ordenar a condução coercitiva”, afirma o ministro.
“Essa engenhosa construção passou a fazer parte do procedimento padrão das chamadas ‘operações’”, continua Gilmar. Ele explica que as operações se destinam a apurar crimes complexos e se utilizam de “técnicas especiais de investigação”. Mas elas começam por uma “fase oculta”, sempre sigilosas, com medidas como grampos telefônicos e ações controladas e só depois passam à fase ostensiva, a que se chama de deflagração. “Em inquéritos policiais não batizados como operações, a condução coercitiva é rara ou inexistente.”
Clique aqui para ler a liminar na ADPF da OAB.
Clique aqui para ler a liminar na ADPF do PT.
* Texto atualizado às 14h35 do dia 19/12/2017 para acréscimo de informações e às 16h10 para correção.
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de dezembro de 2017, 14h24
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