27 de março de 2019, 7h30
No dia 27 de fevereiro houve uma audiência pública na OAB-SP, participei e critiquei a questão prescricional lançada no projeto "anticrime" apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
A OAB divulgou os comentários feitos na audiência ponderando: “O advogado criminalista Nacif apontou uma falha técnico jurídica no projeto de lei anti crime no tratamento que pretende dar à prescrição penal. O texto apresentado propõe uma nova interrupção do prazo prescricional, motivada pela confirmação da sentença condenatória em segunda instância”.
A guia mestra de pensamento do ministro Moro sempre por ele defendida e apresentada em seu projeto é a força punitivista como política de governo.
Entre outras coisas, Moro apoia, briga e sustenta a prisão antecipada com condenação decretada ou mantida em segundo grau, dando nenhuma importância à Constituição Federal. Lei! Ora, a lei..., já vociferava o ditador Vargas.
Como nada importa para o ministro a não prender e encarcerar, o projeto comete outro erro teratológico, como outros pontos daquilo que se pretende se transformar em lei.
O condenado em primeira instância recorre da decisão e o Ministério Público ou não recorre, ou recorre para agravar a pena. Em segundo grau, o recurso da defesa é improvido e mantida a condenação, com a imediata expedição de mandado de prisão.
Mas, e a prescrição? Que se dane a prescrição, segundo a pretensão do projeto.
A proposta do projeto é interromper a prescrição com a decisão de segunda instância, mesmo sendo o acórdão declaratório confirmatório.
Aí está o erro teratológico.
A confirmação do tribunal não é uma nova condenação, não enseja nova interrupção na contagem do prazo prescricional, Nelson Hungria colocava claramente: “O acórdão é confirmação, só existe uma condenação”.
Uma única condenação, não duas, como quer fazer crer o projeto.
O projeto Moro está redondamente errado ao pretender modificar o artigo 117, inciso IV, do Código Penal. Tal pretensão é inconstitucional e teratológica, porque o réu foi condenado em primeiro grau, recorreu, o tribunal manteve a condenação e, não proferiu nova condenação.
Insisto, não existe em nosso direito positivo, a figura da recondenação.
O criminalista Mário de Oliveira Filho, foi um dos primeiros a entender um outro aspecto, que é a impossibilidade ministerial de apelar em decisões do júri, quando o réu for absolvido com fundamento no quesito “se o jurado absolve o réu”, por se tratar de convicção/desejo íntimo do jurado, sem possibilidade de se saber a razão. A tese é polêmica, mas está ligada umbilicalmente a esta questão da prescrição aqui tratada.
Quando o réu é absolvido, depois de todas as provas perscrutadas ele já tem o direito de se manter nessa condição.
A Constituição Americana pela sua 5ª Emenda trata da matéria: também agasalhada pelo nosso direito, é a double jeopardy clause: proibição de um novo risco de condenação pelo mesmo crime: “Ninguém será sujeitado, pelo mesmo crime, a ter sua vida ou saúde colocada em risco uma segunda vez”.
No Brasil a essência da 5ª Emenda é contemplada no non bis in idem.
Ou seja, o acórdão declaratório confirmatório, não é uma nova condenação. Óbvio, não?!
O projeto Moro quer apressar tudo para evitar prescrição, mas não é suprimindo e transformando direitos que isso será alcançado, simplesmente, os processos devem ser mais agilizados, de várias e várias outras maneiras.
Achou pouco?
Existem outras erronias além desta.
O Projeto pretende transformar o artigo 117, inciso V, do Código Penal, no sentido de que, condenado o réu em segundo grau, imediatamente passe a cumprir a pena, e recorrendo para as instâncias superiores — STJ e STF —, surge nova interrupção. Outro teratológico absurdo, pois se o processo ainda está em tramite não há como se interromper sua marcha nesse momento.
O Projeto também pretende alterar o artigo 116, inciso III, do Código Penal, tratando dos embargos de embargos de declaração. Com a mudança da lei, se for aprovada, a oposição dos embargos de declaração em embargos de declaração, a interrupção do fluxo prescricional se dá na primeira oposição, porque no entender do ministro, representam continuidade do próprio julgamento.
Finalmente, o projeto, na parte final do artigo 117, inciso IV, a ser modificado, pondera que os recursos denegados em segundo grau para as instâncias superiores, pode haver outros recursos, por exemplo, agravo criminal, embargos de declaração, agravo regimental ou interno, nenhum deles promoverá a continuação do fluxo prescricional, porque já interrompido na época da publicação do acórdão de segundo grau.
Enfim são medidas erradas tecnicamente, fora da casinha das tradições do direito e da técnica processual, dão outra conotação aos recursos inerentes à ampla defesa, desfigurando indevidamente o devido processo legal.
A finalidade objetiva desse projeto, em praticamente em todos os seus tópicos, mas pontualmente, com relação à prescrição, é evitar a ocorrência de um direito constitucional do acusado, a prescrição.
Ora, a celeridade processual buscada em pelo projeto, em segundo plano, porque em primeiro é a implantação do punitivismo extremado, a disseminação do medo como modo de proteger a sociedade na falta de políticas mais concretas no plano estratégico e material, sem se castrar o instituto da prescrição.
Fica a sugestão de se aumentar a quantidade de julgadores, por exemplo os ministros do STJ, tribunal esse a receber o desaguar de todos os processos criminais do país para uma dezena de ministros, em somatório com uma grande desburocratização no fluxo processual recursal.
O que não se pode e, aí está o busílis, como diria o mestre Lenio Streck, é se combater o instituto da prescrição com ideias inconstitucionais, completamente em descompasso com a história jurídica brasileira.
Mauro
Otávio Nacif é advogado criminalista, professor de Direito Penal e
Direito Processual Penal e diretor-consultor da Abracarim - seccional de
São Paulo. Coordenou por décadas o Curso de Júri da ESA-SP.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2019, 7h30
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