Mudanças no estilo de vida e na estrutura familiar estão afetando a saúde mental dos chineses.
Por Agência EFE
24/03/2019 08h08 Atualizado há 3 horas
Trabalhadores chineses em fábrica na província de Zhejiang — Foto: AFP
Décadas de desenvolvimento econômico e social catapultaram a China ao nível dos países ocidentais em muitos aspectos, inclusive no que se refere aos transtornos mentais, que nos últimos 30 anos se multiplicaram entre sua população.
"A situação da saúde mental na China hoje é similar à que havia nos Estados Unidos nos anos 60", afirmou à Agência Efe Yueqin Huang, diretora do departamento de psiquiatria do Instituto de Saúde Mental da Universidade de Pequim.
A cientista é coautora do primeiro estudo em nível nacional sobre a incidência de doenças mentais na China, cujos resultados foram publicados na prestigiada revista britânica "The Lancet" no final de fevereiro.
Depois de um trabalho de campo de dois anos, a pesquisa revela que 16,6% dos chineses em idade adulta, cerca de 230 milhões de pessoas, passaram por algum tipo de transtorno ao longo de suas vidas, um número consideravelmente superior aos de pesquisas anteriores.
Embora a porcentagem de doenças mentais graves tenha se mantido praticamente invariável neste período, afetando entre 0,5% e 1% da população, são os transtornos como a ansiedade e a depressão os que mais contribuíram para este aumento.
"A mudança do estilo de vida dos chineses teve impactos emocionais. Agora as pessoas têm mais pressão do que antes. Muitos têm que trabalhar durante a noite, e isso influencia no seu estado de ânimo", declarou Yueqin.
"Também afeta enormemente a mudança na estrutura familiar. Antes até quatro gerações conviviam em um mesmo lar e havia uma união maior entre parentes e amigos, mas agora as famílias são mais reduzidas e muitas pessoas vivem sozinhas", acrescentou a especialista.
O estudo, elaborado através de 32.552 entrevistas, mostra que os processos depressivos são os mais comuns entre os chineses, afetando 6,9% da população em algum ponto da vida, enquanto outros 6,1% sofreram de crises de ansiedade.
O êxodo da população rural para as cidades, que hoje já abrigam 58,52% da população, assim como o aumento da expectativa de vida e, em consequência, de transtornos como a demência senil - que afeta 5,2% dos chineses -, também contribuíram para este crescimento, ressaltou Yueqin.
Neste sentido, a cientista esclarece que esta tendência "não é só chinesa", mas é "resultado dos processos de modernização e industrialização das sociedades humanas".
"Atualmente, a China está em um meio termo entre os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento no que diz respeito à saúde mental", explicou a especialista.
No entanto, Yueqin admite que ainda existe um déficit na saúde no país, que conta com 1,7 psiquiatra para cada 100 mil habitantes, um número que está longe dos cinco de Hong Kong, dos sete de Taiwan e dos 12 dos EUA.
Além disso, segundo outra pesquisa publicada pela Academia de Ciências da China, 74% dos cidadãos do país diz não ter acesso a nenhum tipo de atendimento psicológico ou psiquiátrico.
Por essa razão, os autores do estudo pedem ao governo chinês mais atenção à saúde mental, especialmente aos transtornos de ansiedade, que requerem um "grande esforço público e governamental" para serem combatidos, em um país que reúne um quinto da população mundial.
No entanto, nem tudo depende do poder público, já que a sociedade chinesa como um todo "precisa eliminar a discriminação" que ainda existe em torno das doenças mentais.
"Quando visitei pela primeira vez os EUA, nos anos 90, fiquei muito surpresa com a naturalidade com a qual as pessoas falavam dos seus transtornos, algo que não é tão comum nos países asiáticos", afirmou Yueqin, que percebe que a situação vai melhorando paulatinamente.
"Há pouco tempo, um conhecido me ligou para que o ajudasse a tratar o seu transtorno. Os chineses agora estão mais conscientizados e sabem que podem curar sua doença, só é preciso combater a discriminação e se desprender da vergonha", destacou a especialista.
Fonte: via G1
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