Opinião:
Se a anunciada "revolução eletromóvel" está longe de se tornar realidade no país, é muito por culpa das montadoras. Para começar, precisam parar de fazer exigências despropositadas a Berlim, opina Henrik Böhme.
Eletrocarro ID.3 da Volkswagen
As palavras de Angela Merkel no início de junho, no assim chamado Dia da Indústria Alemã, foram inusualmente diretas. Reagindo à severa crítica do supremo lobista do setor, Dieter Kempf, presidente da Confederação da Indústria Alemã (BDI) – "A política do governo prejudica as empresas!" –, a chefe de governo rebateu, tranquila, que também poderia falar sobre "quanto tempo passei me ocupando com a perda de confiança da indústria automobilística alemã e com as violações de normas".
Esse não foi o primeiro contra-ataque da chanceler federal ao setor automobilístico, mas demonstra mais uma vez a mudança de atitude dela. Pois quando, antes, se tratava de a União Europeia estabelecer novos valores-limite para as emissões de gases, Merkel foi a primeira a cuidar para que as montadoras não fossem tão prejudicadas.
De lá para cá, os chefões do setor automotivo têm sido chamados a prestar contas na Chancelaria Federal em Berlim. Costuma-se chamar isso de "cúpula automobilística", como nesta segunda-feira (24/06). Na realidade, porém, o governo quer saber quando vai finalmente começar a "revolução eletromóvel".
A política estabelecera como meta que, a partir de 2020, 1 milhão de veículos elétricos estivessem circulando pelas ruas da Alemanha, abastecidos por 100 mil postos de recarga públicos. Não poderia estar mais óbvio que essa meta não será alcançada: há meros 83 mil carros elétricos (de um total de 47 milhões de automóveis), e 17.400 pontos de abastecimento.
Contudo, enquanto os veículos movidos a eletricidade forem tão mais caros do que os convencionais, e a falta de suficientes postos de recarga mantiver a insegurança de se conseguir chegar aos destinos mais distantes, esse mercado não existirá. Aí o Estado pode interferir com incentivos (o que já faz, com os subsídios à compra).
Porém um mistério que permanecerá entre os senhores de Wolfsburg (Volkswagen) e Stuttgart (Daimler, Porsche) é de onde a indústria automotiva tira a cara de pau de impor novas exigências à política, no estilo: "Nós aumentamos a oferta de carros elétricos e você, caro Estado, financia os pontos de recarga." Como era mesmo antes? O Estado também construiu os postos de gasolina ou foram os conglomerados petrolíferos?
Agora, claro, há novos protagonistas em cena: povoar o país com postos de recarga alimentados pelas turbinas eólicas e unidades fotovoltaicas em torno (só assim os eletrocarros têm sentido) promete ser um modelo comercial gigantesco. Só que não para a Aral, Shell e companhia, e sim para as operadoras de energia alemãs, Eon, RWE e outras.
Estas buscam frenéticas novas fontes de lucro, à medida que perdem as velhas usinas nucleares. Talvez seja possível até mesmo criar novas alianças entre os ex-conglomerados de petróleo e de energia nuclear.
Então, façam o favor, caras Daimlers, Volkswagens e outras montadoras: considerem novamente essa reivindicação descarada. Afinal, vocês mostraram boa vontade, propondo uma rede europeia de abastecimento elétrico, a chamada Ionity. Mas 400 estações em 18 países – isso só pode ser um começo.
Claro que tudo isso custa montanhas de dinheiro. Também o desenvolvimento dos muitos novos carros elétricos, que vão finalmente ser lançados, engoliu bilhões. E as multas bilionárias do "Dieselgate" também precisam ser pagas. Mas, por favor, não pode ser o consumidor a pagar o pato. Pois ele não cometeu as fraudes, e sim foi enganado por Volkswagen e companhia.
Não se pode deixar de enfatizar: os fabricantes alemães dormiram no ponto no desenvolvimento da eletromobilidade justamente pelo fato de os valores-limite terem sido manipulados.
A política proporciona agora às montadoras a oportunidade única de reparar esses erros. Os fabricantes alemães ainda têm a chance de, no fim das contas – graças a seu know-how, competência, espírito de engenharia –, se posicionar na vanguarda da eletromobilidade (algo de que a Tesla jamais será capaz).
A julgar pelas promessas, os fabricantes automobilísticos entenderam a mensagem, pelo menos um pouquinho. Pois em 2019, pela primeira vez, serão registrados na Alemanha mais de 1 milhão de veículos numa categoria especial – o defeito é que são SUVs.
Se a anunciada "revolução eletromóvel" está longe de se tornar realidade no país, é muito por culpa das montadoras. Para começar, precisam parar de fazer exigências despropositadas a Berlim, opina Henrik Böhme.
Eletrocarro ID.3 da Volkswagen
As palavras de Angela Merkel no início de junho, no assim chamado Dia da Indústria Alemã, foram inusualmente diretas. Reagindo à severa crítica do supremo lobista do setor, Dieter Kempf, presidente da Confederação da Indústria Alemã (BDI) – "A política do governo prejudica as empresas!" –, a chefe de governo rebateu, tranquila, que também poderia falar sobre "quanto tempo passei me ocupando com a perda de confiança da indústria automobilística alemã e com as violações de normas".
Esse não foi o primeiro contra-ataque da chanceler federal ao setor automobilístico, mas demonstra mais uma vez a mudança de atitude dela. Pois quando, antes, se tratava de a União Europeia estabelecer novos valores-limite para as emissões de gases, Merkel foi a primeira a cuidar para que as montadoras não fossem tão prejudicadas.
De lá para cá, os chefões do setor automotivo têm sido chamados a prestar contas na Chancelaria Federal em Berlim. Costuma-se chamar isso de "cúpula automobilística", como nesta segunda-feira (24/06). Na realidade, porém, o governo quer saber quando vai finalmente começar a "revolução eletromóvel".
A política estabelecera como meta que, a partir de 2020, 1 milhão de veículos elétricos estivessem circulando pelas ruas da Alemanha, abastecidos por 100 mil postos de recarga públicos. Não poderia estar mais óbvio que essa meta não será alcançada: há meros 83 mil carros elétricos (de um total de 47 milhões de automóveis), e 17.400 pontos de abastecimento.
Contudo, enquanto os veículos movidos a eletricidade forem tão mais caros do que os convencionais, e a falta de suficientes postos de recarga mantiver a insegurança de se conseguir chegar aos destinos mais distantes, esse mercado não existirá. Aí o Estado pode interferir com incentivos (o que já faz, com os subsídios à compra).
Porém um mistério que permanecerá entre os senhores de Wolfsburg (Volkswagen) e Stuttgart (Daimler, Porsche) é de onde a indústria automotiva tira a cara de pau de impor novas exigências à política, no estilo: "Nós aumentamos a oferta de carros elétricos e você, caro Estado, financia os pontos de recarga." Como era mesmo antes? O Estado também construiu os postos de gasolina ou foram os conglomerados petrolíferos?
Agora, claro, há novos protagonistas em cena: povoar o país com postos de recarga alimentados pelas turbinas eólicas e unidades fotovoltaicas em torno (só assim os eletrocarros têm sentido) promete ser um modelo comercial gigantesco. Só que não para a Aral, Shell e companhia, e sim para as operadoras de energia alemãs, Eon, RWE e outras.
Estas buscam frenéticas novas fontes de lucro, à medida que perdem as velhas usinas nucleares. Talvez seja possível até mesmo criar novas alianças entre os ex-conglomerados de petróleo e de energia nuclear.
Então, façam o favor, caras Daimlers, Volkswagens e outras montadoras: considerem novamente essa reivindicação descarada. Afinal, vocês mostraram boa vontade, propondo uma rede europeia de abastecimento elétrico, a chamada Ionity. Mas 400 estações em 18 países – isso só pode ser um começo.
Claro que tudo isso custa montanhas de dinheiro. Também o desenvolvimento dos muitos novos carros elétricos, que vão finalmente ser lançados, engoliu bilhões. E as multas bilionárias do "Dieselgate" também precisam ser pagas. Mas, por favor, não pode ser o consumidor a pagar o pato. Pois ele não cometeu as fraudes, e sim foi enganado por Volkswagen e companhia.
Não se pode deixar de enfatizar: os fabricantes alemães dormiram no ponto no desenvolvimento da eletromobilidade justamente pelo fato de os valores-limite terem sido manipulados.
A política proporciona agora às montadoras a oportunidade única de reparar esses erros. Os fabricantes alemães ainda têm a chance de, no fim das contas – graças a seu know-how, competência, espírito de engenharia –, se posicionar na vanguarda da eletromobilidade (algo de que a Tesla jamais será capaz).
A julgar pelas promessas, os fabricantes automobilísticos entenderam a mensagem, pelo menos um pouquinho. Pois em 2019, pela primeira vez, serão registrados na Alemanha mais de 1 milhão de veículos numa categoria especial – o defeito é que são SUVs.
Fonte: https://www.dw.com/pt-br/opini%C3%A3o-%C3%BAltima-chance-para-os-fabricantes-automotivos-da-alemanha/a-49368111
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