Democracia
Sentenças que ferem a Constituição
Decisões judiciais que impõem censura à imprensa são ilegais, arranham a imagem da Justiça e devem ser revertidas por tribunais superiores
Nathalia Goulart e Paula Reverbel
Na última sexta-feira, o desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal
Regional Eleitoral do Tocantins, proibiu 84 veículos de imprensa de
publicar reportagens acerca de uma investigação do Ministério Público
paulista e da Polícia Federal que evidencia que o governador daquele
estado, Carlos Gaguim,
está envolvido em um esquema de corrupção. Três dias depois, o TRE-TO
entendeu que a sentença configurava censura e acertadamente derrubou o absurdo jurídico.
O mais assustador, contudo, é que não se trata de uma decisão isolada.
Juízes e desembargadores vem desferindo golpes contra a liberdade de
imprensa, um direito constitucional, ao censurar publicações – confira alguns casos.
Juristas e especialistas em direito constitucional definem bem a
situação: trata-se de um "retrocesso" na evolução da democracia
brasileira.
Segundo a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entre 2008 e esta
segunda-feira foram registrados ao menos 12 episódios em que a censura
prévia por ordem judicial se configurou claramente no país. Em outras
palavras: jornais, revistas, sites ou telejornais foram proibidos de
exibir reportagens que, em geral, traziam denúncias contra políticos
antes mesmo de o conteúdo vir a público. Há ainda outros 12 casos em
que a Justiça determinou que veículos retirassem reportagens de
circulação. As decisões evidenciam uma característica da Justiça
brasileira, mas também um desvio. A característica emerge no momento em
que, na tentativa de defender o direito à privacidade – também
resguardado pela Constituição –, magistrados acabam por violar o direito de expressão e de imprensa.
O desvio surge, vez por outra, em rincões do país, quando juízes
protegem as autoridades políticas de plantão. Não à toa, os maiores
beneficiados pelas sentenças registradas pelo estudo da ANJ são os
políticos.
"Censura prévia é inconstitucional", sentencia o jurista Ives
Gandra Martins. O ex-ministro da Justiça Paulo Brossard acrescenta: "A
censura é a marca de estados de sítio e de emergência. Felizmente, não
nos encontramos em nenhum desses casos". E Mozart Valadares, presidente
da Associação dos Magistrados Brasileiros, complementa: "O Judiciário
deve garantir o livre exercício do jornalismo: esses acontecimentos são
infelizes e só arranham a imagem da magistratura".
Qualquer tipo de censura é proibido pela Constituição. Diz o artigo
220: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão
qualquer restrição". O parágrafo 2º dispõe de forma cristalina: "É
vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística".
Os juízes que permitem tais transgressões se esquecem de que a
mesma Constituição garante o direito de defesa a pessoas que
eventualmente sejam, ou ao menos se sintam, prejudicadas pelas
reportagens. "Não podemos confundir censura com sanção. A censura é
sempre prévia e tem caráter genérico. A sanção a veículos de
comunicação que eventualmente comentam abusos, se for o caso, é
posterior à publicação e pontual", explica César Mattar Júnior,
presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
(Conamp).
O cidadão que se sentir lesado por qualquer material jornalístico,
portanto, pode recorrer à Justiça, pleiteando direito de resposta e até
indenização. No entanto, é inconcebível, do ponto de vista jurídico,
proibir um jornal, revista ou telejornal de tocar neste ou naquele
assunto. "Como é possível saber de antemão como um veículo tratará de
determinado tema? Isso é absurdo", diz Fernando Menezes, professor da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Tomadas em instâncias inferiores, as decisões que impõem censura
tendem a ser revertidas em tribunais superiores. Contudo, ao contrário
do que ocorreu no Tocantins, em que o reparo à lei se fez em três dias,
a decisão pode demorar. Nesse caso, os prejudicados não são apenas os
veículos proibidos de realizar sua missão, informar, mas a Constituição
e, é claro, o cidadão, que terá menos chances de fiscalizar os
poderosos.
(Com reportagem de Aretha Yarak)
Fonte: VEJA
Fonte: VEJA
Nenhum comentário:
Postar um comentário