DOAÇÃO de automóvel PARA IGREJA na expectativa de
recebimento de recompensas na vida terrena. doador culturalmente vulnerável.
ausência de vontade consciente de doar. induzimento psicológico à prática do
ato que retira a espontaneidade e consciência da doação. danos morais pedidos
e reconhecidos em primeiro grau. valor mantido, como sucedâneo dos danos
materiais. recurso desprovido.
A
doação representa ato de liberalidade que exige elevado grau de consciência,
que é comprometida quando se vislumbra atos de captação da vontade,
especialmente quando o doador é pessoa vulnerável. Nulidade das doações
universais, cujo conceito pode ser ampliado para abranger hipóteses como a dos
autos, em que o donatário fez doação do único bem de certo valor que possuía.
Recurso Inominado
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Terceira Turma
Recursal Cível
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Nº 71000809327
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Comarca de
Porto Alegre
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IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
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RECORRENTE
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CRISTIANO SANTOS BERNY DE OLIVEIRA
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RECORRIDO
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira
Turma Recursal Cível dos Juizados
Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além do signatário, as
eminentes Senhoras Dra. Maria José Schmitt Sant anna (Presidente)
e Dra. Kétlin Carla Pasa Casagrande.
Porto Alegre, 04 de abril de 2006.
DR. EUGÊNIO FACCHINI
NETO,
Relator.
RELATÓRIO
Cuida-se de indenização por danos morais. Alega o autor
que foi ludibriado pela ré, que o induziu a doar bens à Igreja, em troca de
bênçãos divinas que se manifestariam na forma de progresso econômico na vida
terrena. Requer o reconhecimento dos
danos morais e o ressarcimento de valor equivalente ao do automóvel.
Em contestação a demandada invocou o direito Constitucional
à liberdade de crença, a inocorrência de ato ilícito, tampouco de coação. A
doação foi feita por livre e espontânea vontade, não podendo ser revogada.
Pugna pela inexistência de danos morais.
A sentença acolheu o pedido do autor, razão pela qual
recorre a demandada.
VOTOS
Dr. Eugênio Facchini Neto (RELATOR)
Tenho que a sentença deve ser mantida, embora por
fundamentos um pouco diversos.
É inquestionável que o Brasil é um Estado laico, e,
como tal, há plena liberdade religiosa, podendo o cidadão optar pela crença que
melhor lhe aprouver. Cada religião tem seus dogmas, fundamentos e práticas, às
quais os fiéis livremente aderem. Do ponto de vista jurídico, não há
superioridade de uma ou outra religião. Não é isso, porém, que está em
discussão nesse processo.
O que está em debate, neste processo, é a validez da
doação efetuada pelo demandante. Restou evidenciado que o autor é camelô e que
doou seu praticamente único patrimônio disponível – um automóvel - para a
Igreja. Também ficou claro que tal gesto de liberalidade estava vinculado a uma
expectativa de receber em troca bênçãos divinas, na forma de progresso
econômico na vida terrena.
Não é criticável alguém que doe seus bens por convicta
e consciente liberalidade, demonstrando seu desapego às coisas materiais e sua
busca por uma maior espiritualidade.
Visivelmente não é caso dos autos, em que o demandante,
com tal gesto, buscava apenas receber uma recompensa divina na forma de maior
progresso econômico nessa vida.
O autor certamente sentiu-se ludibriado ao perceber que
nada em sua vida mudara após a doação, exceto que ficou consideravelmente mais
pobre.
Ora, parece evidente que o autor estava fadado à
frustração, pois pertence ao domínio público a notícia de que a Igreja ré
costuma arrecadar muitas contribuições de seus fiéis, praticamente todos
oriundos de uma camada social e econômica de baixa renda e de baixa
escolaridade – que mesmo após as doações continuam ocupando o mesmo lugar na
escala social e econômica – apenas mais pobres (do ponto de vista puramente
patrimonial, ainda que possam sentir-se mais rica espiritualmente).
Tenho que, em tais circunstâncias, faltou ao autor o
elemento essencial de uma verdadeira doação, qual seja, o espírito de
liberalidade. Tanto essa não houve que pouquíssimos meses após a doação o autor
bateu às portas da Justiça, buscando recuperar o prejuízo sofrido.
Por outro lado, restou claro o induzimento psicológico
levado a efeito pelos prepostos da ré, a caracterizar verdadeira captação da
vontade, a ponto de retirar a espontaneidade e consciência do ato.
Além disso, o art. 548 do CC estabelece que “é nula a
doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a
subsistência do doador”. Ora, afirmou o autor ser camelô e que o automóvel
doado consistia praticamente em todo o seu patrimônio. Em tais condições, o
gesto do autor configura verdadeira doação universal, tradicionalmente vedada
em nosso ordenamento jurídico.
A solução jurídica do litígio, portanto, consistiria na
desconstituição da doação efetuada. Todavia, esse não foi o pedido, pois o
autor pleiteou apenas danos morais, que foram concedidos.
Na verdade, uma desconstituição da doação seria
ineficaz a essa altura, uma vez que o automóvel já foi novamente transferido
pela requerida, consoante documentos juntados aos autos. Assim, não podendo a
desconstituição atingir terceiros de boa-fé, a solução alternativa consistiria
em conceder o valor equivalente ao veículo.
Destarte, tenho que o valor atribuído na sentença
corresponde aproximadamente ao prejuízo efetivamente sofrido pelo autor,
devendo a sentença ser mantida, muito embora com fundamentos parcialmente
diversos daqueles esposados na decisão de primeiro grau.
VOTO, pois, EM NEGAR
PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a sentença recorrida.
Suportará a recorrente os ônus sucumbenciais,
fixando-se os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.
Dra. Kétlin Carla Pasa Casagrande - De
acordo.
Dra. Maria José Schmitt Sant anna (PRESIDENTE) - De
acordo.
Juízo de Origem: DISTRIBUIDOR DO FORO PORTO ALEGRE - Comarca
de Porto Alegre
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