apelação cível. responsabilidade civil. ação de indenização. danos morais. veiculação em telejornais de matéria vinculando
a figura do autor à prática de crime sexual.
Examinando o suporte probatório, tenho que merece prosperar a pretensão do autor, com a condenação das
demandadas ao pagamento de indenização por
danos morais, pois presentes os pressupostos básicos para a caracterização do dever
de indenizar, tais: conduta antijurídica, dolosa ou culposa, nexo entre o ato
ilícito e o dano, e, por fim, o dano.
As
demandadas, no caso, desbordaram dos limites do razoável ao veicular a notícia da maneira como fizeram, passando ao público informações que não condiziam com a verdade e que expuseram por demais a imagem e figura
do autor, que como pároco, como sacerdote da igreja, de conduta ilibada,
tenciona manter sua imagem preservada. Daí não se pode
falar em liberdade de imprensa do modo como destacado por parte das demandadas
em suas razões.
Manutenção da verba indenizatória fixada
no decisum a quo, pois quantia que se mostra adequada
aos parâmetros adotados por este Órgão Colegiado e às circunstâncias do caso concreto.
Mantidos os ônus de sucumbência.
AMBOS OS APELOS DESPROVIDOS.
UNÂNIME.
Apelação Cível
|
Nona Câmara
Cível
|
Nº 70016495038
|
Comarca de
Porto Alegre
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PEDRO PAULO ALVES DE SOUZA
|
APELANTE/APELADO
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RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA
|
APELANTE/APELADO
|
RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA
|
APELADO
|
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento a ambos os apelos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária
(Presidente), os eminentes Senhores Des. Odone Sanguiné e Des. Tasso Caubi Soares
Delabary.
Porto Alegre, 08 de novembro de 2006.
DES.ª IRIS HELENA
MEDEIROS NOGUEIRA,
Presidente e Relatora.
RELATÓRIO
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E
RELATORA)
Cuida-se de apelações interpostas por PEDRO PAULO ALVES DE SOUZA e RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA. contra sentença que, nos autos da
demanda movida pelo primeiro em face da segunda, julgou procedente
o pedido deduzido na inicial, condenando a RÁDIO E TV BANDEIRANTES LTDA.
e RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA. ao pagamento de indenização a título
de danos morais ao autor, na importância equivalente a
R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos com base na variação do IGP-M, a contar de 20/05/2004, e acrescidos de juros legais, a contar da data da sentença, e, por fim,
ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes
arbitrados em 15% do valor da condenação, nos termos do § 3º, do art. 20, do
Código de Processo Civil.
PEDRO PAULO ALVES DE SOUZA, em seu
arrazoado (fls. 168 a 173), insurgiu-se em relação
ao quantum fixado
a título de indenização por danos
morais, requerendo sua majoração. Postulou, ao final, o provimento do recurso.
RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA, em suas razões (fls. 175 a 188), requereu a reforma da sentença. Asseverou não
assistir razão ao autor, uma vez que a notícia veiculada não teve o condão de
causar os danos morais alegados. Disse que a transmissão veiculada apenas
notícia que circulava no momento, e que a emissora, em nenhum
momento, teve a intenção de denegrir a imagem do autor. Sustentou que a
reportagem teve cunho de jornalismo crítico e informativo. Colacionou jurisprudência. Afirmou não estarem presentes no caso os requisitos
caracterizadores do dever de indenizar. Requereu, em caso de manutenção da
sentença, a redução do quantum arbitrado a título de danos morais.
Postulou, ao final, o provimento do recurso.
Contra-razões (fls. 192 a 195; e 196
a 200).
Vieram-me os autos conclusos para
julgamento em 17/08/2006 (fl. 210).
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E
RELATORA)
Eminentes Desembargadores. O
presente caso diz com pedido de indenização por danos extrapatrimoniais decorrentes da veiculação de notícia em dois telejornais das rés, que vinculava a imagem do autor à investigação criminal que objetivava a apuração de prática de conduta delituosa (abuso sexual) contra adolescente
integrante da comunidade em que o autor exercia suas funções de pároco.
A reportagem teria sido veiculada em duas
oportunidades na grade de programação das emissoras. A primeira delas, no dia 20 de maio de 2004, às 19hs10min, no programa BAND CIDADE. A segunda, no dia 21
de maio de 2004, às 13hs, no programa LADO A LADO. A veiculação de referida notícia, dada
sua repercussão na
comunidade, teria causado sérios abalos emocionais ao autor.
Examinando o
suporte probatório, entendo que merece prosperar a pretensão do requerente, com a condenação das demandadas ao pagamento de
indenização por danos
morais, uma vez que presentes os pressupostos básicos para a caracterização do dever
de indenizar, tais: conduta antijurídica, dolosa ou culposa, nexo entre o ato
ilícito e o dano, e, por fim, o dano.
Nas palavras do Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO[1]:
“Sendo o ato ilícito, conforme já
assinalado, o conjunto de pressupostos da responsabilidade, quais seriam esses
pressupostos na responsabilidade subjetiva? Há primeiramente em elemento
formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um
elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento
causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esse três
elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da
responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art.
186 do Código Civil, mediante simples análise de seu texto, a saber:
a) conduta culposa do agente, o que
fica patente pela expressão ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imperícia’;
b) nexo causal, que vem expressa no
verbo causar; e
c) dano, revelado nas expressões
‘violar direito ou causar dano a outrem’.
Portanto, a partir do momento em que
alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano,
está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de
indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. Por violação de direito
deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se
fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e
principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o
direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à
imagem”. (grifo nosso).
As demandadas, no caso, desbordaram dos limites do
razoável ao veicular a notícia da maneira como fizeram, passando ao público
informações que
não condiziam com a
verdade e que expuseram por demais a imagem
e figura do autor,
que como pároco, como sacerdote da igreja, de conduta ilibada, tenciona manter sua imagem preservada. Daí não se pode falar em liberdade de imprensa do modo como destacado por
parte das demandadas em suas razões.
Sabe-se ser direito das demandadas ou dos órgãos de imprensa em
geral o repasse à
comunidade de informações relevantes. Assim como, a crítica responsável sobre
os acontecimentos.
Esse direito, entretanto, não se dá livremente. Deve respeitar certos parâmetros, certos limites. E o mínimo é
a verificação da correção, da veracidade das informações que serão repassadas. Não podem as emissoras requeridas, ao argumento de estarem
acobertadas pelo direito à livre manifestação e com base na liberdade de imprensa, veicular fatos inverídicos. Ou então, desavisadamente, distorcer a realidade, imputando
responsabilidades à pessoa diversa da que, de fato, responsável.
No caso dos autos em específico, evidente a exposição da imagem do requerente, evidente a conduta
ilícita das emissoras requeridas e evidentes os danos perpetrados ao requerente.
Valho-me, aqui, dos fundamentos esposados na sentença de lavra do Doutor Oyama Assis Brasil de Moraes,
uma vez que analisaram com precisão os elementos de prova
dos autos e conferiram correto desfecho à lide (fls. 157 a 166):
“(...).
Trata-se de ação de indenização na
qual pretende o autor a condenação das requeridas ao pagamento de indenização
pelos danos sofridos em razão de matérias jornalísticas veiculadas em programas
das demandadas, e que o acusam da prática de crime sexual.
As rés, em contestação, alegam que as
fitas com tais reportagens já foram destruídas, visto que transcorrido o prazo
legal para que fiquem guardadas, inexistindo, assim, prova do que fora
realmente veiculado. Todavia, em momento algum negam que tenham exibido as
reportagens, sendo, portanto, incontroverso o fato de terem sido veiculadas
ditas matérias.
Resta, assim, determinar a ocorrência
ou não do alegado dano moral a legitimar a condenação das demandadas ao
pagamento de indenização pretendida e, ainda, o direito ao pagamento de
indenização pelo uso de sua imagem.
Por primeiro, necessário esclarecer
que para que haja o direito a indenização de rigor a presença do ato culposo ou
doloso do agente, o dano e o nexo causal a ligar tais circunstâncias.
(...).
Apesar de não terem sido juntadas as
fitas das reportagens veiculadas, visto que decorrido o prazo legal para sua
guarda, tenho que o autor de fato sofreu abalo moral com as matérias, uma vez
que, segundo as testemunhas ouvidas as reportagens mostraram a imagem do
demandante, associando-o ao nome de outro padre que estaria sendo investigado
por crime sexual.
As testemunhas ouvidas, moradoras da
comunidade a que pertence a paróquia em que o autor exerce suas atividades, são
unânimes ao afirmar a ocorrência de abalo moral, tendo se tornado assunto das
conversas o fato ocorrido e tendo as pessoas comentado muito a respeito.
(...).
Como visto, as declarações das testemunhas
dão conta de que o autor sofreu abalo moral com as reportagens veiculadas. E,
mesmo tendo associado sua imagem ao nome de outro padre, este sim acusado, não
providenciou em desfazer a confusão, o que gerou vários contratempos ao
demandante.
Ainda, o ofício remetido à Vigésima
Delegacia de Polícia Distrital (fl. 147) demonstra que o autor não está
envolvido em qualquer procedimento policial, o que conforta mais ainda as
alegações postas na inicial.
Desta forma, tenho que
inquestionavelmente foi o demandante submetido à situação constrangedora, pois
a conduta das rés equivaleu à taxá-lo de criminoso, associando sua imagem à de
outra pessoa que estava sendo investigada, o que, convenhamos, consiste em
agravo à honra de qualquer pessoa.
(...)
E, ainda, inegável a ilicitude da
conduta praticada pelas demandadas, ofendendo o direito de imagem do
demandante, que encontra previsão na Constituição Federal de 1988, classificado
como espécie de direito de personalidade:
(...).
Como se vê, está escrito no art. 5º,
X, da Constituição Federal, que a imagem da pessoa é inviolável, assegurado o
direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente, consistindo-se o
direito de imagem em direito exclusivo e personalíssimo, possibilitando ao
ofendido impedir a utilização de sua imagem, ou, em caso de uso indevido,
postular indenização a título de dano moral ou material.
(...)”.
Caracterizados os danos extrapatrimoniais, considerado tudo o que exposto, cumpre fixar, com base nos parâmetros adotados por
este Colegiado e nas peculiaridades que revestem o caso concreto, o quantum indenizatório a ser imputado às demandadas.
Para se fixar o valor indenizatório
ajustável à hipótese fática deve-se ponderar o ideal da reparação integral e da
devolução das partes ao status quo ante. Este princípio encontra amparo
legal no artigo 947 do Código Civil e no artigo 6º, inciso VI, do Código de
Defesa do Consumidor.
No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da
impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar
em uma obrigação de compensar, haja vista que a finalidade da indenização
consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada.
Em relação à quantificação da
indenização, é necessário analisar alguns aspectos para se chegar a um valor
justo para o caso concreto, atentando-se à extensão do dano, ao comportamento
dos envolvidos, às condições econômicas e sociais das partes e à repercussão do
fato, além da proporcionalidade e da razoabilidade.
Vejamos o entendimento desta Câmara
a respeito dos elementos que devem ser considerados na quantificação da
indenização:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. (...) 3. A fixação do quantum
indenizatório deve atender uma série de critérios adotados pela jurisprudência
de modo a compensar a vítima pelos danos causados, sem significar
enriquecimento ilícito desta, às custas de seu ofensor. 4. Configura-se
adequada a indenização quando as circunstâncias específicas do caso concreto
indicam que a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor foram
observadas no arbitramento. Manutenção do valor fixado pela sentença recorrida.
APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70007842883, Nona Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator Nereu José Giacomolli, julgado em
28/04/2004).
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. (...)
Quantum Indenizatório. Na fixação do valor indenizatório deve-se levar em
consideração as condições econômicas e sociais do ofendido e do ofensor, as
circunstâncias do fato e a culpa dos envolvidos, a extensão do dano e seus
efeitos, sem esquecer o caráter punitivo e que a indenização deve ser
suficiente para reparar o dano, não podendo importar enriquecimento
injustificado. (...) APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. (Apelação Cível Nº
70007874761, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Fabianne
Breton Baisch, julgado em 05/05/2004).
No caso, consideradas suas peculiaridades, em especial a condição sócio-econômica da vítima (autor) e
das ofensoras
(demandadas), o agir ilícito, e sua gravidade e repercussão, tenho que merece
ser mantida a quantia arbitrada no decisum
a quo, uma vez que se mostra adequada aos parâmetros adotados por este
Órgão Colegiado e às circunstâncias do caso concreto.
Ante o exposto, voto por negar provimento a ambos os apelos. Mantidos os ônus de
sucumbência.
Des. Odone Sanguiné (REVISOR) - De acordo.
Des. Tasso Caubi Soares Delabary - De
acordo.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA -
Presidente - Apelação Cível nº 70016495038, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO A
AMBOS OS APELOS. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES
[1]
FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev., aum.
e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 41.
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