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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PADRE VERSUS MÍDIA - DANOS MORAIS


apelação cível. responsabilidade civil. ação de indenização. danos morais. veiculação em telejornais de matéria vinculando a figura do autor à prática de crime sexual.
Examinando o suporte probatório, tenho que merece prosperar a pretensão do autor, com a condenação das demandadas ao pagamento de indenização por danos morais, pois presentes os pressupostos básicos para a caracterização do dever de indenizar, tais: conduta antijurídica, dolosa ou culposa, nexo entre o ato ilícito e o dano, e, por fim, o dano.
As demandadas, no caso, desbordaram dos limites do razoável ao veicular a notícia da maneira como fizeram, passando ao público informações que não condiziam com a verdade e que expuseram por demais a imagem e figura do autor, que como pároco, como sacerdote da igreja, de conduta ilibada, tenciona manter sua imagem preservada. Daí não se pode falar em liberdade de imprensa do modo como destacado por parte das demandadas em suas razões.
Manutenção da verba indenizatória fixada no decisum a quo, pois quantia que se mostra adequada aos parâmetros adotados por este Órgão Colegiado e às circunstâncias do caso concreto.
Mantidos os ônus de sucumbência.
AMBOS OS APELOS DESPROVIDOS. UNÂNIME.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível
Nº 70016495038

Comarca de Porto Alegre
PEDRO PAULO ALVES DE SOUZA

APELANTE/APELADO
RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA

APELANTE/APELADO
RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA

APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento a ambos os apelos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Odone Sanguiné e Des. Tasso Caubi Soares Delabary.
Porto Alegre, 08 de novembro de 2006.


DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,
Presidente e Relatora.

RELATÓRIO
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E RELATORA)
Cuida-se de apelações interpostas por PEDRO PAULO ALVES DE SOUZA e RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA. contra sentença que, nos autos da demanda movida pelo primeiro em face da segunda, julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a RÁDIO E TV BANDEIRANTES LTDA. e RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA. ao pagamento de indenização a título de danos morais ao autor, na importância equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos com base na variação do IGP-M, a contar de 20/05/2004, e acrescidos de juros legais, a contar da data da sentença, e, por fim, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% do valor da condenação, nos termos do § 3º, do art. 20, do Código de Processo Civil.
PEDRO PAULO ALVES DE SOUZA, em seu arrazoado (fls. 168 a 173), insurgiu-se em relação ao quantum fixado a título de indenização por danos morais, requerendo sua majoração. Postulou, ao final, o provimento do recurso.
RÁDIO E TV PORTOVISÃO LTDA, em suas razões (fls. 175 a 188), requereu a reforma da sentença. Asseverou não assistir razão ao autor, uma vez que a notícia veiculada não teve o condão de causar os danos morais alegados. Disse que a transmissão veiculada apenas notícia que circulava no momento, e que a emissora, em nenhum momento, teve a intenção de denegrir a imagem do autor. Sustentou que a reportagem teve cunho de jornalismo crítico e informativo. Colacionou jurisprudência. Afirmou não estarem presentes no caso os requisitos caracterizadores do dever de indenizar. Requereu, em caso de manutenção da sentença, a redução do quantum arbitrado a título de danos morais. Postulou, ao final, o provimento do recurso.
Contra-razões (fls. 192 a 195; e 196 a 200).
Vieram-me os autos conclusos para julgamento em 17/08/2006 (fl. 210).
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E RELATORA)
Eminentes Desembargadores. O presente caso diz com pedido de indenização por danos extrapatrimoniais decorrentes da veiculação de notícia em dois telejornais das rés, que vinculava a imagem do autor à investigação criminal que objetivava a apuração de prática de conduta delituosa (abuso sexual) contra adolescente integrante da comunidade em que o autor exercia suas funções de pároco.
A reportagem teria sido veiculada em duas oportunidades na grade de programação das emissoras. A primeira delas, no dia 20 de maio de 2004, às 19hs10min, no programa BAND CIDADE. A segunda, no dia 21 de maio de 2004, às 13hs, no programa LADO A LADO. A veiculação de referida notícia, dada sua repercussão na comunidade, teria causado sérios abalos emocionais ao autor.
Examinando o suporte probatório, entendo que merece prosperar a pretensão do requerente, com a condenação das demandadas ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que presentes os pressupostos básicos para a caracterização do dever de indenizar, tais: conduta antijurídica, dolosa ou culposa, nexo entre o ato ilícito e o dano, e, por fim, o dano.
Nas palavras do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO[1]:
“Sendo o ato ilícito, conforme já assinalado, o conjunto de pressupostos da responsabilidade, quais seriam esses pressupostos na responsabilidade subjetiva? Há primeiramente em elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esse três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise de seu texto, a saber:
a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia’;
b) nexo causal, que vem expressa no verbo causar; e
c) dano, revelado nas expressões ‘violar direito ou causar dano a outrem’.
Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem”. (grifo nosso).
As demandadas, no caso, desbordaram dos limites do razoável ao veicular a notícia da maneira como fizeram, passando ao público informações que não condiziam com a verdade e que expuseram por demais a imagem e figura do autor, que como pároco, como sacerdote da igreja, de conduta ilibada, tenciona manter sua imagem preservada. Daí não se pode falar em liberdade de imprensa do modo como destacado por parte das demandadas em suas razões.
Sabe-se ser direito das demandadas ou dos órgãos de imprensa em geral o repasse à comunidade de informações relevantes. Assim como, a crítica responsável sobre os acontecimentos.
Esse direito, entretanto, não se livremente. Deve respeitar certos parâmetros, certos limites. E o mínimo é a verificação da correção, da veracidade das informações que serão repassadas. Não podem as emissoras requeridas, ao argumento de estarem acobertadas pelo direito à livre manifestação e com base na liberdade de imprensa, veicular fatos inverídicos. Ou então, desavisadamente, distorcer a realidade, imputando responsabilidades à pessoa diversa da que, de fato, responsável.
No caso dos autos em específico, evidente a exposição da imagem do requerente, evidente a conduta ilícita das emissoras requeridas e evidentes os danos perpetrados ao requerente.
Valho-me, aqui, dos fundamentos esposados na sentença de lavra do Doutor Oyama Assis Brasil de Moraes, uma vez que analisaram com precisão os elementos de prova dos autos e conferiram correto desfecho à lide (fls. 157 a 166):
“(...).
Trata-se de ação de indenização na qual pretende o autor a condenação das requeridas ao pagamento de indenização pelos danos sofridos em razão de matérias jornalísticas veiculadas em programas das demandadas, e que o acusam da prática de crime sexual.
As rés, em contestação, alegam que as fitas com tais reportagens já foram destruídas, visto que transcorrido o prazo legal para que fiquem guardadas, inexistindo, assim, prova do que fora realmente veiculado. Todavia, em momento algum negam que tenham exibido as reportagens, sendo, portanto, incontroverso o fato de terem sido veiculadas ditas matérias.
Resta, assim, determinar a ocorrência ou não do alegado dano moral a legitimar a condenação das demandadas ao pagamento de indenização pretendida e, ainda, o direito ao pagamento de indenização pelo uso de sua imagem.
Por primeiro, necessário esclarecer que para que haja o direito a indenização de rigor a presença do ato culposo ou doloso do agente, o dano e o nexo causal a ligar tais circunstâncias.
(...).
Apesar de não terem sido juntadas as fitas das reportagens veiculadas, visto que decorrido o prazo legal para sua guarda, tenho que o autor de fato sofreu abalo moral com as matérias, uma vez que, segundo as testemunhas ouvidas as reportagens mostraram a imagem do demandante, associando-o ao nome de outro padre que estaria sendo investigado por crime sexual.
As testemunhas ouvidas, moradoras da comunidade a que pertence a paróquia em que o autor exerce suas atividades, são unânimes ao afirmar a ocorrência de abalo moral, tendo se tornado assunto das conversas o fato ocorrido e tendo as pessoas comentado muito a respeito.
(...).
Como visto, as declarações das testemunhas dão conta de que o autor sofreu abalo moral com as reportagens veiculadas. E, mesmo tendo associado sua imagem ao nome de outro padre, este sim acusado, não providenciou em desfazer a confusão, o que gerou vários contratempos ao demandante.
Ainda, o ofício remetido à Vigésima Delegacia de Polícia Distrital (fl. 147) demonstra que o autor não está envolvido em qualquer procedimento policial, o que conforta mais ainda as alegações postas na inicial.
Desta forma, tenho que inquestionavelmente foi o demandante submetido à situação constrangedora, pois a conduta das rés equivaleu à taxá-lo de criminoso, associando sua imagem à de outra pessoa que estava sendo investigada, o que, convenhamos, consiste em agravo à honra de qualquer pessoa.
(...)
E, ainda, inegável a ilicitude da conduta praticada pelas demandadas, ofendendo o direito de imagem do demandante, que encontra previsão na Constituição Federal de 1988, classificado como espécie de direito de personalidade:
(...).
Como se vê, está escrito no art. 5º, X, da Constituição Federal, que a imagem da pessoa é inviolável, assegurado o direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente, consistindo-se o direito de imagem em direito exclusivo e personalíssimo, possibilitando ao ofendido impedir a utilização de sua imagem, ou, em caso de uso indevido, postular indenização a título de dano moral ou material.
(...)”.
Caracterizados os danos extrapatrimoniais, considerado tudo o que exposto, cumpre fixar, com base nos parâmetros adotados por este Colegiado e nas peculiaridades que revestem o caso concreto, o quantum indenizatório a ser imputado às demandadas.
Para se fixar o valor indenizatório ajustável à hipótese fática deve-se ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante. Este princípio encontra amparo legal no artigo 947 do Código Civil e no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, haja vista que a finalidade da indenização consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada.
Em relação à quantificação da indenização, é necessário analisar alguns aspectos para se chegar a um valor justo para o caso concreto, atentando-se à extensão do dano, ao comportamento dos envolvidos, às condições econômicas e sociais das partes e à repercussão do fato, além da proporcionalidade e da razoabilidade.
Vejamos o entendimento desta Câmara a respeito dos elementos que devem ser considerados na quantificação da indenização:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. (...) 3. A fixação do quantum indenizatório deve atender uma série de critérios adotados pela jurisprudência de modo a compensar a vítima pelos danos causados, sem significar enriquecimento ilícito desta, às custas de seu ofensor. 4. Configura-se adequada a indenização quando as circunstâncias específicas do caso concreto indicam que a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor foram observadas no arbitramento. Manutenção do valor fixado pela sentença recorrida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70007842883, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Nereu José Giacomolli, julgado em 28/04/2004).
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. (...) Quantum Indenizatório. Na fixação do valor indenizatório deve-se levar em consideração as condições econômicas e sociais do ofendido e do ofensor, as circunstâncias do fato e a culpa dos envolvidos, a extensão do dano e seus efeitos, sem esquecer o caráter punitivo e que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano, não podendo importar enriquecimento injustificado. (...) APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70007874761, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Fabianne Breton Baisch, julgado em 05/05/2004).
No caso, consideradas suas peculiaridades, em especial a condição sócio-econômica da vítima (autor) e das ofensoras (demandadas), o agir ilícito, e sua gravidade e repercussão, tenho que merece ser mantida a quantia arbitrada no decisum a quo, uma vez que se mostra adequada aos parâmetros adotados por este Órgão Colegiado e às circunstâncias do caso concreto.
Ante o exposto, voto por negar provimento a ambos os apelos. Mantidos os ônus de sucumbência.


Des. Odone Sanguiné (REVISOR) - De acordo.
Des. Tasso Caubi Soares Delabary - De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70016495038, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES


[1] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev., aum. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 41.

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