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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Festerê tem limites, obviamente

Apelação Cível n. 2008.014844-5, de Blumenau
Relator: Des. Eládio Torret Rocha
RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO POR DANO
MORAL. OCORRÊNCIA DE EXAGERADOS RUÍDOS,
AGRESSÕES FISÍCAS E SUBMISSÃO DA VÍTIMA A
HUMILHAÇÃO DURANTE FESTA DE ANIVERSÁRIO.
DESRESPEITO AO SOSSEGO E PAZ ALHEIOS. CONJUNTO
PROBATÓRIO APTO A COMPROVAR A RESPONSABILIDADE
DOS REQUERIDOS. EXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE
INDENIZAR (ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. DISCUSSÃO
ACERCA DO MONTANTE DA INDENIZAÇÃO. RECURSO
DESPROVIDO.
A agressão verbal e física perpetrada contra a ofendida
perante terceiros após ruidosa e exagerada festividade promovida
pelos ofensores, configura, inevitavelmente, ato ilícito, e gera,
contra estes, direito a reparação por dano moral, decorrente da
humilhação e da vergonha a que a vítima foi injustamente
submetida por eles.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2008.014844-5, da comarca de Blumenau (4ª Vara Cível), em que é apelante Orlando
Jose Pamplona e outros e apelada Silvana Aparecida dos Santos:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime,
conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Sentença lançada pelo magistrado Maria da Conceição dos Santos
Mendes — cujo relatório adoto (fls. 193/194) — julgou procedente o pedido formulado
na ação de indenização n. 008040213045, da comarca de Blumenau, ajuizada por
Silvana Aparecida dos Santos contra Orlando Jose Pamplona, Ruan Pamplona,
Edson Pamplona e Rafael Pamplona, condenando-os ao pagamento de R$ 10.000,00
(dez mil reais) a título de indenização por dano moral, acrescidos de correção
monetária e juros legais, mais custas processuais e honorários advocatícios, estes
fixados em 20% sobre o valor da condenação.
Inconformados com o teor do decisório, apelaram os vencidos (fls.
213/226), alegando, em suma, como forma de obter o provimento do apelo, que: a)
não causaram qualquer dano moral ou material a requerente, conforme prova
testemunhal; e, b) o valor da indenização é absurdo e não condiz com suas parcas
condições econômicas.
Respondendo ao reclamo (fls. 235/238), a apelada argumentou, em
síntese, que a sentença deve ser mantida na íntegra.
É o sucinto relatório.
VOTO
O apelo foi interposto a tempo e modo e dele conheço.
Os elementos fáticos dão conta de que os apelantes, em 16.09.2004,
realizaram, em sua residência, vizinha à moradia da apelada, uma ruidosa festa que
começou no início do dia e se estendeu até a noite, com música em alto volume,
algazarra e gritaria, tudo regado a muita bebida. Sustenta, ainda, a recorrida, que, não
bastasse tudo isso, quando a noite chegou, ainda não satisfeitos, iniciaram uma
feérica queima de fogos de artifícios.
Essas festividades, naquele dia, ainda segundo a autora da demanda,
perturbaram o sossego e a paz de toda a vizinhança, especialmente os moradores de
sua residência, a qual vizinha com a dos demandados, tanto assim que um filho da
apelada de 3 (três) anos de idade, doente, acabou tendo convulsões.
Aduziu, ainda, a recorrida, que, em razão de toda aquela desordem,
dirigiu-se até o local da festa tendo solicitado que os recorrentes diminuíssem a
intensidade do barulho, quando, de modo injustificado, foi imobilizada pelos
demandados e, após, agredida fisicamente por eles com socos e pontapés, além de
ter levado "um banho de cerveja", sem contar que, naquele ensejo, um dos
participantes do festim tentou atingi-la com um foguete.
Há referência, outrossim, que, mesmo chamados a tempo, os
integrantes da Polícia Militar de Santa Catarina, da guarnição que jurisdiciona o local,
demoraram muito a chegar, daí o fato de ter se submetido a todas essas
humilhações, as quais ocorreram em público, isso é, na frente das outras pessoas
que participavam da festa, além de seus próprios familiares.
Asseverou, demais, a apelada, ter sofrido lesões corporais,
comprovadas através de laudo pericial realizado junto ao IML. Sublinhou, por
derradeiro, que o apelante Orlando José Pamplona, pai dos demais ora insurgentes, é
subtenente da reserva da Polícia Militar e costumeiramente causa tumultos na
cercania, valendo-se de sua posição para intimidar seus vizinhos.
Os demandados, por sua vez, apresentaram resposta requerendo o
sobrestamento do feito até o julgamento da ação penal envolvendo o fato aqui
narrado (autos n. 008.04.021305-3, da comarca de Blumenau) e aduzindo, em
síntese, que, muito embora tenham promovido a festa, todas as demais alegações da
demandante são inverídicas.
O processo foi extinto, ao depois, em relação ao requerido Juliano Valdir
Weise (art. 267, VIII, CPC).
Gabinete Des. Eládio Torret Rocha
A Magistrada, embasada em prova documental e testemunhal,
reconheceu a prática do ato ilícito, condenando os apelados ao pagamento de
indenização pelo abalo moral causado à autora no importe de R$ 10.000,00 (dez mil
reais), ensejando, dessarte, o recurso em exame, manejado pelos vencidos.
Os apelantes, inegavelmente, não têm razão.
É que, examinando-se detidamente a prova capeada aos autos, ficou
evidenciado que os recorrentes, quiçá empolgados pelas festividades que
promoveram, além de ultrapassar todos os limites que o adequado direito de uso de
sua propriedade lhes é garantido pela Constituição da República, perturbaram o justo
direito de sossego da apelada e de sua família, e, ainda, se tudo isso não fosse
suficiente, ainda a agrediram verbal e fisicamente perante terceiros, expondo-a a dor
e sofrimento tanto físico como psicológico.
O arcabouço probatório está constituído, irrecusavelmente, de provas
documentais relevantes, consistentes no laudo de exame de corpo de delito (fl. 14),
nos registro e boletim de ocorrência, e, bem assim, nas provas orais,
consubstanciadas nos depoimentos das partes, das testemunhas e dos informantes,
coonestadores da motivação que deu ensejo ao ajuizamento da demanda reparatória
aqui reexaminada.
De fato, o registro de ocorrência efetuado pela Polícia Militar relata que
foi "Constatado no local que havia uma festa de aniversário, onde estavam soltando
foguetes sobre telhados das residências próximas. (...) Foi constatado pela guarnição
que (a autora) estava molhada de cerveja e com alguns hematomas pelos braços,
também na presença das guarnições, os familiares da festa fizeram ameaças de
morte a Silvana, dizendo que não iria ficar assim." (fl. 12).
O laudo de exame de corpo de delito comprova, de sua vez, ter a
apelada sofrido ofensa à sua integridade corporal, o que foi "vítima de agressão,
presença de hematomas leves em face medial de braço esquerdo, face lateral de
coxa e joelho direitos e face anterior de perna esquerda" (fl. 14).
Milita, nesse mesmo sentido, o depoimento de Lúcia Prim, vizinha dos
litigantes e sogra da autora, a qual declarou, na condição de informante, que
"começaram a soltar foguetes, o que causava um barulho muito alto (...); a vítima,
Sra. Silvana, tem um filho que estava passando mal, por problemas de saúde que se
agravou em consequência da situação (...) a vítima foi até a residência do indiciado,
pedir que parassem de soltar foguetes (...) que um filho do Sr. Orlando (...) após
acendido o foguete o mirou contra Silvana, que desviou e após o rapaz correu para
garagem da residência do indiciado; (...) que nesse momento todos que estavam na
residência, que estão relacionados na queixa crime, foram até a rua, onde cercaram a
vítima e passaram a agredi-la fisicamente, com chutes, pontapés, jogando cerveja na
mesma, e a Polícia Militar que estava próxima do local, interferiu para que parasse a
agressão, porém o Sr. Orlando e seus filhos ficaram no local, e continuaram a agredir
a vítima e soltar foguetes" (fl. 41).
A informante Marciana Rosângela Enders, cunhada da autora, por sua
vez, disse que "encontrava-se na varanda da casa da sua mãe, onde viu passar a
pessoa de Silvana indo em direção a casa de Orlando, já que ali ocorria uma festa e
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em alto volume; (...) que uma das pessoas que estava na festa jogou um foguete na
direção de Silvana (...) que foi molhada, pois aquelas pessoas lhe deram um banho
de cerveja" (fl. 43).
Saliento que tais depoimentos, muito embora hajam sido prestados por
pessoas na condição de informantes, não devem ser desprezados, pois estão em
consonância com as demais provas amealhadas ao processo, em especial com o
registro de ocorrência — o qual reflete as constatações dos policias militares que
estiveram no local da desavença — e com o aludido laudo de exame de corpo de
delito.
É de se enfatizar, ainda, por relevante, que as pessoas indicadas, pelos
apelantes, para prestar depoimento, ou nada viram — porque ausentes do local ou
viajando — ou também estavam participando do estrepitosa festa (como é o caso de
Humberto Sackl, André Tamazini e Sebastião Melchioretto, de forma que
comprometidas, de um modo ou de outro, com suspeição, até porque as suas
declarações negam, por exemplo, aquilo que o laudo pericial e da Polícia Militar
constataram sobejamente.
Ora, como já decidido por este Tribunal, "O Juiz é o destinatário da
prova, cabendo-lhe sua apreciação e valorização de forma livre, indicando na decisão
os motivos formadores de seu convencimento. Não há, portanto, que se falar em
nulidade da sentença, se considerado depoimento de testemunha contraditada,
porquanto vem complementada com outros elementos idôneos, constando a
necessária motivação" (AC n. 97.001351-5, de São José, 1ª Câmara Civil, rel. Des.
Carlos Prudêncio, j. em 10.06.1997).
Sendo assim, entendo, como fez a sentença, que o comportamento
inadequado e belicoso dos apelantes, desrespeitoso ao direito da apelada, deve
mesmo merecer apenamento, porque não se admite tanta grosseria, má educação e
insensibilidade para com o ser humano que vive em comunidade.
Penso, de outra parte, que os recorrentes, com sua prova testemunhal
pouco ou quase nada confiável, não se desimcumbiram do ônus de comprovar o fato
extintivo, modificativo ou impeditivo do direito da apelada, inobservando, pois, o inc. II
do art. 333 do Código de Processo Civil, razão porque deve ser mantida a sentença
ora vergastada no tocante ao reconhecimento da configuração de ato ilícito passível
de indenização.
Creio, também não assistir razão aos insurgentes no tocante ao valor da
indenização, eis que a quantia arbitrada na sentença atacada — R$ 10.000,00 — já
que partilhada entre os 4 (quatro) demandados, condiz, à toda evidência, com a
extensão do dano moral sofrido, tal como preconiza o art. 944, caput, do Código Civil.
É que, o dano moral, como se sabe, é estipulado de acordo com o
arbítrio do magistrado, o qual, analisando o caso concreto, deve fixar um valor que
atenda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que não seja elevado
de forma a aumentar despropositavelmente o patrimônio da vítima, mas, outrossim,
não irrelevante àquele que causou o dano, a fim de se lhe inibir a reincidência no ato
ilícito. Deve atentar, ainda, às circunstâncias do caso concreto, à gravidade do dano e
à situação econômica das partes envolvidas. É mister observar, outrossim, quando
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cabível, o grau de culpa daquele que praticou o ato danoso.
E, no caso, todas essas circunstâncias são preponderantemente
desfavoráveis aos recorrentes, pois agiram com extrema falta de humanidade para
com a apelada, e, inclusive, fizeram pouco caso da doença que acomete o filho menor
desta.
Na hipótese em apreço, pelo que se dessume dos autos, os apelantes
apresentam situação econômico-financeira de razoável para boa, não tendo
demonstrado, por prova segura, a impossibilidade material de custear a reparação por
dano moral arbitrada em favor da apelada. O apelante Orlando José Pamplona, por
exemplo, é militar da reserva da Polícia Militar Catarinense.
Isso posto, pelo meu voto eu nego provimento ao recurso, mantendo
intacta a sentença.
DECISÃO
Do exposto, nos termos do voto do Relator, a Quarta Câmara de Direito
Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Participaram do julgamento, realizado no dia 09 de setembro de 2010,
os Exmos. Srs. Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva e Desembargador
Carlos Adilson Silva.
Florianópolis, 09 de setembro de 2010.
Eládio Torret Rocha
PRESIDENTE E RELATOR
Gabinete Des. Eládio Torret Rocha

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