Travis Dove/The New York TimesAqui começou a guerra contra a pobreza: Emalee Short na casa dos avós, em Hensley, Virgínia OcidentalVIRGÍNIA OCIDENTAL
05/05/2014 | 00:01 | TRIP GABRIEL
Quando as pessoas visitam amigos e vizinhos no sul da Virgínia Ocidental, onde estradas pavimentadas dão lugar às de terra antes de serpentearem por subidas íngremes e arborizadas, a conversa costuma girar em torno de vidas que nunca decolaram.
“Como está o menino John?”, pergunta Sabrina Shrader, 30, uma ex-vizinha, a Marie Bolden, num dia frio de inverno naquela que Bolden descreve como sendo o seu “barraquinho perto dos trilhos”.
Travis Dove/The New York Times
Welch, uma cidade que já foi próspera
“Ele teve outra convulsão uma noite dessas”, disse Bolden, 50, sobre o seu filho John McCall, ex-colega de classe de Shrader.
John caiu na sombria contracorrente das drogas, a qual define a vida de muitos aqui no condado de McDowell. Ele quase morreu de overdose em 2007 e agora vive de benefícios para incapacitados. Seu irmão Donald, solto recentemente da prisão, está desempregado e é basicamente um sem-teto. “É como se ele estivesse num buraco sem saída”, disse Bolden sobre Donald, enquanto respingava mel em um biscoito caseiro, feito na sua bem arrumada cozinha. “Um dia desses ele chegou aqui e disse: ‘Não é uma vergonha? Tenho 30 anos e carrego minha vida por aí em uma mochila’. Isso cortou o meu coração.”
O condado de McDowell, o mais pobre da Virgínia Ocidental, é há mais de meio século um símbolo da pobreza americana enraizada. John Kennedy fez campanha aqui em 1960 e ficou tão chocado que prometeu enviar ajuda se fosse eleito presidente. Seu primeiro ato no Poder Executivo foi a criação do moderno programa de vale-alimentação, cujos primeiros beneficiados foram moradores do condado de McDowell. Quando o presidente Lyndon Johnson declarou “guerra incondicional à pobreza”, em 1964, era a miséria da região da Apaláchia que ele tinha em mente. Os programas federais que se seguiram levaram dezenas de milhares de pessoas para acima da condição de subsistência.
Mas, meio século depois, com a taxa de pobreza novamente em alta, as dificuldades parecem apenas ter assumido uma nova faceta nesta área remota. A economia está retraindo junto com a atividade carbonífera, as cidades estão se esvaziando, e comunidades são marcadas pela dissolução familiar, abusos de medicamentos e uma elevada taxa encarceramento.
Dos 353 condados onde a pobreza mais persiste nos EUA –aqueles com uma taxa de pobreza acima de 20% em cada uma das três últimas décadas –, 85% são rurais. Eles estão encravados em reservas indígenas no Oeste; em comunidades hispânicas no vale do rio Grande, no Texas; em todo o Sul profundo e ao longo do delta do Mississippi, com população majoritariamente negra; e aqui na Apaláchia, com uma população amplamente branca, as imagens de pobreza rural lembram as fotos de Walker Evans na época da Grande Depressão.
O condado de McDowell é de certo modo um lugar verdadeiramente deixado para trás. Mas, em uma nação com mais de 46 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza –15% da população–, é também uma sombria recordação de quanta coisa está quebrada. Neste condado, 46% das crianças não vivem com pelo menos um dos pais biológicos –eles estão na prisão, morreram ou deixaram os filhos para serem criados por parentes. Dos 55 condados da Virgínia Ocidental, McDowell tem a mais baixa renda domiciliar mediana, US$ 22 mil (R$ 49 mil) por ano; a pior taxa de obesidade infantil; e a mais elevada taxa de mães adolescentes. A taxa de mortalidade por overdose é mais de oito vezes a média nacional.
Dos 115 bebês nascidos em 2011 no Welch Community Hospital, mais de 40 tinham sido expostos a drogas.
“Famílias inteiras foram destruídas neste condado: mãe pai, filhos”, disse o xerife Martin West. A mulher do xerife, Georgia West, tem uma ligação histórica com a guerra à pobreza. Seus pais, Alderson e Chloe Muncy, foram os primeiros beneficiados pelo programa inaugural moderno de vale-alimentação, viajando a Welch para recolher US$ 95 em vales. Georgia West, que tinha 14 irmãos, disse que, ao contrário das famílias atuais, a dela permaneceu intacta.
Ela arranjou trabalho na segunda-feira seguinte à conclusão do ensino médio e mandou os filhos para a faculdade.
Alma e Randy McNeely, ambos de 50 anos, tentaram a vida no Tennessee. Mas voltaram para ficar perto da família.
Os dois se casaram aos 16 anos. Em um álbum de fotos, Alma aparece em seu vestido de noiva como se estivesse indo para um baile do colégio.
Seu marido trabalhou em serrarias até sofrer uma lesão nas costas em 1990. Seu auxílio-doença, de cerca de US$ 1.700 (R$ 3.776) por mês, é a única fonte de renda da família.
A filha deles, Angel, deu à luz aos 14 anos e foi expulsa de uma escola cristã, disse a mãe. Agora, Alma está criando a filha de Angel, Emalee Short, que está com 15 anos e sonha em ser veterinária ou bióloga marinha. Ela está inscrita no Upward Bound, um programa que oferece aulas para alunos brilhantes que desejam fazer faculdade. “Eu quero ser um dos poucos que saíram daqui”, disse ela.
Embora Randy McNeely estimule a neta a ter a faculdade como objetivo, o que obrigaria a moça a deixar o condado, ela disse que “sua outra mamãe e papai” – ou seja, os pais biológicos de Emalee – “e todas as tias e tios não querem que ela vá”.
Muitos em McDowell admitem que depender de benefícios do governo se tornou um modo de vida. Quase 47% da renda pessoal no condado provém de programas federais.
Mas moradores também atribuem a atual desintegração social local ao desaparecimento dos únicos bons empregos que chegaram a ter, nas minas de carvão, em consequência do declínio da indústria siderúrgica americana. McDowell tem apenas 21,3 mil habitantes, quando nos anos 1950 eram 100 mil. A taxa de pobreza, 50% em 1960, caiu para 36% em 1970 e 23,5% em 1980. Mas deu um salto para aproximadamente 38% em 1990. Para famílias com filhos, agora se aproxima de 41%.
Hoje, menos de um terço dos moradores do condado integra a força de trabalho.
A região tem uma pequena classe de profissionais lutando contra as dificuldades para melhorar um lugar que amam. Florisha McGuire, 34, que cresceu em War, na Virgínia Ocidental, voltou para se tornar diretora da Southside K-8 School, com estudantes do jardim da infância à oitava série.
Para McGuire, o ponto de inflexão na recente história da cidade foi o ano em que ela partiu para a faculdade, 1997, quando muitos dos jovens de 17 anos que ficaram para trás passaram da cerveja e da maconha para o abuso de medicamentos.
Ela e outros atraíram alguns aliados de fora. O programa Reconectando McDowell, liderado pela entidade sindical Federação Americana de Professores, está empenhado em transformar as escolas em centros comunitários, oferecendo atendimento médico e aulas de alfabetização de adultos.
Sabrina Shrader, a ex-vizinha que visitou Marie Bolden em Twin Branch, falou em nome do grupo na Assembleia Legislativa do Estado e compareceu a uma comissão do Senado americano no ano passado.
Shrader, que passou parte da juventude com a mãe morando em um abrigo para mulheres agredidas, se formou em serviço social.
“É importante que nos preocupemos com lugares como este”, disse ela. “Há crianças e famílias que querem ser bem-sucedidas. Eles querem que a vida seja melhor, mas não sabem como.”
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