Quem são as centenas de jovens sequestradas na Nigéria?
Estas alunas da escola de Chibok conseguiram fugir de seus agressores
Na noite do dia 14 de abril, homens armados - integrantes do grupo radical islâmico Boko Haram - invadiram um internato em Chibok, pequena cidade interiorana no Estado de Borno, no noroeste da Nigéria.
"Não se preocupem, não vai acontecer nada com vocês", os invasores disseram às jovens estudantes que encontraram. Depois de se apoderar de alimentos e outros produtos encontrados no local, os homens colocaram fogo no prédio e partiram, levando-as.
Duas semanas após o sequestro, quase nada se sabe sobre o destino das mais de 200 jovens, a maioria entre 16 e 18 anos, que se preparavam para fazer seus exames finais.
Uma das hipóteses é a de que elas teriam sido levadas para Sambisa, um frondoso bosque cortado por riachos e habitado por antílopes e elefantes onde, antes da insurgência, moradores da região caçavam e pescavam.
Também há relatos de que algumas teriam sido vistas em caminhões na direção do Chade ou da República dos Camarões, onde seriam vendidas por US$ 15. Também na semana passada, surgiu a informação de que elas teriam sido forçadas a casar com sequestradores, que teriam pago US$ 12 por uma noiva.
Em um vídeo, o líder do Boko Haram, Abubakar Shekau, confirmou que as jovens seriam vendidas. “Deus me orientou a vendê-las, elas são propriedades Dele e eu vou fazer o que ele me pediu”, disse.
Em 1º de maio, muitos foram às ruas pedir que governo faça mais pelas jovens
Há mais de uma década, os militantes do Boko Haram estão empenhados em uma campanha violenta com o objetivo de derrubar o governo e estabelecer um Estado islâmico na região. O grupo se opõe ao que qualifica de "educação ocidental" de mulheres e quer a adoção da Lei Sharia (Lei Islâmica) no país.
Não há informações sobre as medidas tomadas pelo governo para resgatá-las - o que, segundo as autoridades, se deve à necessidade de não revelar detalhes por razões de segurança - e tão pouco sobre o número exato de estudantes sequestradas.
Inicialmente, falava-se em 230. Depois, houve relatos de que 40 teriam conseguido escapar. Posteriormente, o número se elevou para 276. E a cifra mais recente, fornecida à BBC pelo chefe de polícia nigeriano Tanko Lawan, é de que 223 meninas teriam sido sequestradas.
Em desespero, nigerianos saíram às ruas no dia 1º de maio para protestar e exigir que o governo faça mais para resgatar as jovens.
Quem seriam, no entanto, essas jovens que venceram o medo e apostaram na educação, um caminho arriscado em um Estado cuja capital é o berço do grupo Boko Haram?
'Queria fazer medicina'
"Ela gostava muito de ir à escola", disse à BBC Ayuba Alamson, que tem duas sobrinhas, uma com 17 anos, outra com 18, e duas primas, entre as sequestradas.
"Era alegre, amorosa e ótima companhia", disse Alamson em relação a uma das sobrinhas, cujo nome ele prefere não revelar.
"Ela queria terminar seus estudos secundários, estudar medicina e se especializar em ginecologia, para ajudar as mulheres em áreas rurais que não têm acesso aos hospitais da cidade".
O que é o Boko Haram
O grupo islâmico luta desde 2009 para derrubar o governo da Nigéria e estabelecer um estado baseado na Sharia, ou lei islâmica.
Ele promove uma visão do Islã que acredita ser proibido para os muçulmanos participar de qualquer atividade social e política ligada à sociedade ocidental.
Isso inclui votar em eleições, vestir camisetas e receber uma educação secular.
Traduzido do hausa, uma das línguas locais da Nigéria, Boko Haram significa “a educação ocidental é proibida”
"Minha outra sobrinha", contou, "queria trabalhar na mídia, escrever em publicações, apresentar programas de rádio e ser escritora".
"A escola (que frequentavam) era a única escola de Estado em Chibok, por isso, o sonho de muitas das meninas era se formar, ir para a universidade e voltar para a comunidade para construir uma boa escola para seus filhos", acrescentou.
Alamson tem ainda uma irmã que teve a sorte de escapar dos sequestradores junto com outras estudantes. Mas o incidente foi tão traumático que ela ainda não consegue falar sobre o que aconteceu.
"No momento, ela está há 20 km de Chibok. Quando falo com ela, chora o tempo todo e não quer se lembrar do que aconteceu, continua pensando em suas companheiras que ainda estão no bosque. Só se lembra do momento em que foi sequestrada e de ter saltado do caminhão para escapar".
Angústia
Deborah Sanya também conseguiu escapar. Tem 18 anos e está prestes a se formar.
No momento do ataque, alunos faziam prova em escola
Ela disse à revista The New Yorker que era meio-dia quando chegaram ao acampamento dos militantes, em um local remoto, no meio do bosque.
Os homens obrigaram suas colegas a cozinhar. Ela disse que não comeu, não tinha apetite.
Duas horas mais tarde, convenceu duas de suas amigas a tentar escapar. Elas se esconderam atrás de uns arbustos e, quando foram vistas pelos guardas, começaram a correr.
À noite, chegaram a um povoado, dormiram na casa de um estranho que as acolheu e, no dia seguinte, telefonaram para suas famílias.
"Pensei que minha vida tinha chegado ao fim", ela disse.
Assim como a irmã de Alamson, a preocupação e angústia que Sanya sente em relação às companheiras a impede de contar mais detelhes.
No momento do ataque, só estavam na escola as estudantes que estavam fazendo os exames finais.
"As jovens em Chibok são como outras moças de 17 ou 18 anos. A maioria é filha de camponeses. As que conseguem bons resultados em seus exames sonham em prosseguir com sua educação", disse à BBC um dos líderes anciãos da comunidade, Pogo Bitrus.
A organizadora dos protestos em resposta ao seqüestro ocorridos na capital do país, Abuja, é Naomi Mutah, oriunda de Chibok.
"Os pais dessas meninas são camponeses e estão firmemente convencidos de que suas filhas devem receber educação", ela disse. "E esta região valoriza muito a educação ocidental".
"Também não se faz muita distinção entre meninos e meninas nessa região, que é de maioria cristã", acrescentou.
"Nesse sentido, essa área é diferente de outras no país, onde as meninas não têm as mesmas oportunidades que os meninos, por conta de diferenças culturais e religiosas".
"Esses pais trabalham durante a estação das chuvas para garantir uma boa colheita que, ao ser vendida, lhes permite pagar a escola das crianças".
"Mas agora, todos esses sonhos foram subitamente interrompidos e sequer sabemos o que aconteceu com elas. Estão vivas? E se estão, onde estão? Queremos nossas crianças de volta.para que possam voltar para a escola", esbravejou.
"Não podemos nos esquecer de que esta é uma geração inteira de estudantes mulheres de Chibok. Entre elas, com certeza haverá primeiras damas, médicas, advogadas e engenheiras. Mas se nada for feito para resgatá-las, todo o nosso trabalho terá sido em vão".
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