Onde há democracia participativa, população rejeita megaeventos, afirma Wolfgang Kreissl-Dörfler. Para Juca Kfouri, Mundial elevou conscientização dos brasileiros. Fórum em São Paulo debateu legado das últimas Copas.
Kfouri, Marilene de Paula, Carlos Vainer e Wolfgang Kreissl-Dörfler durante debate em São Paulo
Para o eurodeputado alemão Wolfgang Kreissl-Dörfler, no futuro somente países não democráticos vão sediar megaeventos como as Olimpíadas e a Copa do Mundo.
"Os próximos jogos só poderão ser realizados em países não democráticos porque o povo não gosta mais [dos jogos]", afirmou o deputado do Partido Social-Democrata da Alemanha (SDP) durante um evento nesta terça-feira (06/05) em São Paulo.
Segundo ele, em países onde há democracia participativa e direta, a população rejeita os megaeventos através de plebiscitos.
O deputado falou no ciclo de debates Jornadas Brasil-Alemanha, acompanhado do jornalista Juca Kfouri e do urbanista Carlos Vainer, sobre as políticas sociais relacionadas aos megaeventos.
O deputado afirmou que projetos grandes, que alteram a infraestrutura e afetam o cotidiano das populações, deveriam ser objeto de consulta popular.
"Em Munique, nós tínhamos a chance de ganhar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. Mas os três lugares que seriam sede, através de uma comunicação com o povo, rejeitaram a opção. Sempre se argumenta que vai melhorar a infraestrutura. Mas o povo pensou: por que não fazem isso sem os jogos, que gastam muito mais?", disse.
Para o social-democrata, a população está reagindo à comercialização e à corrupção cada vez maior dos jogos. "O que eu estou vendo agora no Brasil me decepciona muito. A Fifa nos anos 70 era diferente. Hoje é máfia pura."
Imagem no exterior
Em Munique, população rejeitou Jogos de Inverno, lembrou Kreissl-Dörfler
Apesar de todos os problemas, Kreissl-Dörfler disse acreditar que a Copa deixará um legado positivo para o Brasil em termos simbólicos. Ele defende que o megaevento serviu para tornar mais multifacetada a visão sobre o país no exterior.
"As pessoas estão construindo um olhar mais diferenciado sobre o Brasil. Não é só samba, carnaval e futebol. Conhecem os problemas reais, mas também as soluções possíveis e a grande riqueza do país."
Para Kfouri, o Brasil não vai transmitir uma imagem positiva para o exterior, como ocorreu, na sua opinião, na África do Sul e na Alemanha.
"Eu acho que a África do Sul ainda conseguiu vender a ideia de um país que está fazendo um grande esforço para resolver sua questão de integração racial. Já a Alemanha cumpriu o que se propôs: mostrar o primeiro grande evento do país unificado. Também desfez aquela imagem do alemão taciturno e apresentou um país festivo."
Violações de direitos humanos
Em relação a violações de direitos humanos, os palestrantes disseram ver uma enorme diferença entre a Alemanha e os países que se seguiram. Tanto na África do Sul quanto no Brasil, as remoções forçadas e o desrespeito aos direitos dos trabalhadores chamaram a atenção no cenário internacional. Os palestrantes também destacaram a ausência de um legado social da Copa nos dois países.
Para Kfouri, o Brasil não vai transmitir uma imagem positiva para o exterior
Segundo Kfouri, estádio de futebol não leva desenvolvimento para regiões pobres. "O Itaquerão não vai levar progresso para Itaquera. O Engenhão foi polo de progresso lá em Engenho de Dentro? O Soccer City levou progresso para o Soweto?", questiona.
Para o jornalista, o único legado da Copa de 2014 é uma maior conscientização dos brasileiros. O jornalista disse que os protestos em massa, inéditos na história das Copas, demonstram essa evolução. "O povo entendeu que os megaeventos são um grande negócio para quem produz, mas não para as cidades e países que os recebem."
Cidades de exceção
De acordo com o urbanista Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, os megaeventos geram uma mudança profunda nas cidades, que são cada vez mais pensadas como empresas.
Nesse ponto de vista, elas competiriam umas com as outras para receber investimentos, ou seja, deixariam de ser apenas o espaço dos fluxos de capital para ser o próprio objeto de lucro. Segundo o professor, elas se tornam, assim, cidades de exceção, onde leis e normas são criadas arbitrariamente para fins lucrativos.
"Os países perdem a sua soberania para o Comitê Olímpico Internacional e para a Fifa. Eles criam legislações inconstitucionais e exceções, justificadas pelos megaeventos, que servem para consolidar o modelo de exclusão social." Para Vainer, um desses objetivos é afastar as populações pobres dos centros urbanos, através das remoções forçadas.
Copa para quem e para quê?
No evento também foi lançado o livro Copa para quem e para quê? Um olhar sobre os legados dos Mundiais no Brasil, África do Sul e Alemanha. Organizado por Dawid Bartelt e Marilene de Paula, ambos da Fundação Heinrich Böll (ligada ao Partido Verde da Alemanha), o livro apresenta algumas das diferenças entre promover um megaevento em países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A obra, assinada pelos pesquisadores e jornalistas Laura Burocco, Christian Russau, Glaucia Marinho, Mario Campagnani e Renato Cosentino, questiona também a forma como empresas, organizadores e governos mercantilizariam o espaço público, com a justificativa de benefícios sociais para as populações.
Divido em três artigos, o livro aborda as violações de direitos humanos, os legados sociais, bem como a proposta de se vender uma imagem positiva dos países no exterior.
Para Marilene de Paula, que é coordenadora da área de direitos humanos da Fundação Heinrich Böll, os custos sociais dos megaeventos tendem a ser menores em países desenvolvidos. "A conta em termos sociais sempre será menor para aqueles países que possuem reais mecanismos de controle social e uma sociedade civil atuante, cobrando ações efetivas do Estado."
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