A organização internacional de Direitos Humanos coleta 45 casos de graves violações de direitos humanos
JOAN FAUS Washington 5 MAI 2014 - 11:10 BRT
Um estudante opositor protesta contra Nicolás Maduro. /FERNANDO LLANO (AP)
Quase três meses após a eclosão dos protestos da oposição na Venezuela, uma investigação da ONG Human Rights Watch (HRW) revela um padrão de abusos das forças de segurança contra os manifestantes e de trato discriminatório na esfera judicial. Em um relatório publicado nesta segunda-feira, a organização internacional relata dezenas de casos de repressão absolutamente horripilantes a pessoas, opositoras ou não, como disparos a queima-roupa sem motivo, abusos físicos e psicológicos, e, inclusive, episódios de tortura. Tristemente não é a primeira vez que afloram denúncias de abusos contra os opositores, primeiro foi de uma ONG local e depois da Anistia Internacional, mas a particularidade deste novo relatório é que ele inclui um amplo leque de exemplos detalhados e que desvela uma orquestrada "prática sistemática" de excessos tolerada pelas autoridades.
Depois de uma investigação de seis semanas em Caracas e três estados, o relatório recolhe, a partir de entrevistas e provas, 45 casos de “evidências convincentes” de graves violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança. HRW estima que mais de 150 pessoas foram vítimas destes abusos e que 10 dos 45 casos constituíram claramente torturas. O documento chega a poucas semanas da primeira reunião, pouco frutífera, entre o Governo de Nicolás Maduro e a oposição para tentar encontrar uma saída para a crise gerada pelos protestos, que começaram em 12 de fevereiro e já deixaram mais de quarenta vítimas fatais. E a poucos dias do anúncio por parte das autoridades da criação de um conselho de direitos humanos depois das queixas da Igreja pela repressão.
Na maioria dos episódios documentados, as vítimas foram presas arbitrariamente e detidas por 48 horas ou por períodos maiores, muitas vezes em estabelecimentos militares. “Ali sofreram novos abusos, como violentos golpes e, em vários casos, descargas elétricas ou queimaduras”, denuncia. “A numerosos presos com lesões graves foi negado o acesso à assistência médica, ou ela foi bem demorada, o que aumentou o sofrimento, apesar de seus reiterados pedidos solicitando tratamento médico. Em vários casos, guardas nacionais e policiais também submeteram detentos a severos abusos psicológicos, que incluíram ameaças de morte e violação sexual”.
O relatório inclui, por exemplo, o caso de um homem de 36 anos cujo rosto um agente da guarda nacional disparou com arma de chumbinho a queima-roupa, apesar de ele já estar preso e não oferecer resistência. Gengis Pinto participava neste 19 de fevereiro de uma manifestação contra o Governo em San Antonio de los Altos, onde centenas de manifestantes bloqueavam parte de uma rodovia. Ele levantou o braço para se proteger do disparo, e recebeu o impacto na mão, o que lhe causou graves lesões em vários de seus dedos e alguns chumbinhos se incrustaram em seu antebraço. No entanto, os militares que o detiveram só o levaram para ver um médico depois de seis horas. O médico recomendou que ele fosse levado a outro especialista urgentemente, mas os policiais foram omissos, o algemaram sentado sob o sol e demoraram mais dez horas para levá-lo a uma clínica privada.
Foi interceptado por guardas nacionais com pontapés e dispararam com chumbinho de uma distância curta sua coxa direita”
A mesma frieza e desumanidade foi repetida em outro caso, de um homem de 22 anos, que foi detido por guardas nacionais enquanto se dirigia a pé a um banco nas periferias de Caracas em 5 de março. “Nesse mesmo dia, participava em um protesto na região e, sem nenhum tipo de advertência, foi interceptado por guardas nacionais que o abordaram com pontapés e dispararam com chumbinho a curta distância a sua coxa direita”, relata o relatório.
A seguir, ele foi levado a uma sede militar, onde uma dezena de guardas nacionais o obrigaram a tirara a roupa e cometeram todo tipo de abusos. Um deles introduziu um dedo em uma ferida aberta em sua perna. Depois, segundo HRW, três guardas nacionais o algemaram a uma barra de metal, aplicaram descargas elétricas duas vezes e exigiram que ele dissesse quem eram seus cúmplices. “A seguir, ele foi levado a um pátio, onde foi obrigado a lutar com um deles, enquanto os demais olhavam e riam”, detalha. Pouco depois foi levado a um hospital e, mais tarde, de volta para a sede militar, voltou a ser espancado.
Em sua tentativa de se safar da responsabilidade pela repressão, o Governo de Maduro denunciou a violência de alguns manifestantes, que lançaram pedras e coquetéis Molotov contra os agentes. Segundo as autoridades, mais de 200 membros das forças de segurança e servidores públicos governamentais ficaram feridos e nove morreram por estes ataques. No entanto, nenhum dos 45 casos do documento do HRW -que também pede a investigação da agressividade dos opositores- corresponde a pessoas que estivessem participando em atos violentos quando foram atacadas pelas forças da ordem. Além disso, segundo o relatório, algumas das pessoas que foram objeto de abusos nem sequer participavam em manifestações ou já se encontravam presas.
Esta excessiva brutalidade leva a organização a denunciar um padrão de repressão absolutamente dirigido: “A natureza e o momento em que se produziram muitos destes abusos —bem como a expressão frequente de epítetos políticos por quem os cometeram— sugerem que o propósito não foi que se cumpra com as normas vigentes ou dispersar os protestos, senão castigar as pessoas por suas opiniões políticas reais ou supostas”. Por isso, não surpreenderá que em boa parte dos casos de abusos o objetivo fosse impedir que uma pessoa documentasse, por exemplo com uma gravação de vídeo, a contundência dos agentes em dispersar os protestos.
Na mesma linha, HRW assegura que membros das forças de segurança permitiram que violentas quadrilhas armadas partidárias do Governo agredissem a civis que não estavam armados, e em alguns casos colaboraram abertamente com elas nos ataques.
Uma conivência que também se reproduz na esfera judicial: “Quase a totalidade dos 45 casos implicaram violações das garantias de defesa. Entre estes atos estão manter aos detentos incomunicáveis, negar o acesso a um advogado até minutos antes de serem levados para o julgamento e, em vários casos, plantar provas falsas para poder imputar a eles delitos”. E acrescenta: “Com frequência, alguns juízes confirmaram que detentos fossem processados com base em evidências duvidosas apresentadas pela promotoria, sem submeter as provas a um exame rigoroso nem questionar de que modo os supostos denunciados que foram apresentados diante deles haviam sofrido lesões que eram visíveis”.
Como resultado, a organização internacional critica que, por sua politização, o poder judiciário “deixou de exercer seu papel perante os abusos de poder do Estado”, e insta o Governo de Maduro -que apesar de ter prometido investigar possíveis abusos os chamou de casos isolados-, a aceitar os pedidos de visita de representantes da ONU. Também pede que os organismos regionais pressionem Caracas para garantir seu respeito aos direitos humanos, mas por hora a reação da maioria dos países latino-americanos se caracterizou pelo contrário, ao abordarem com tibieza a repressão dos protestos.
Fonte: ELPAIS
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