Estabelecimentos que vendem móveis e eletrodomésticos não podem praticar operações de crédito e encargos de uso restrito aos integrantes do sistema financeiro. Por isso, seus contratos sofrem as limitações contidas na Lei da Usura, no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, devendo limitar os juros ao patamar de 12% ao ano quando vendem à clientela.
Com esse argumento, respaldado em jurisprudência superior, os integrantes da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheram Apelação de um consumidor que pediu a redução dos juros remuneratórios cobrados pelas Casas Bahia numa compra feita a crédito. Asentença não considerou abusiva a taxa cobrada mensalmente — de 2,48% —, julgando a revisional improcedente no aspecto.
Para o relator do recurso, desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, se o contrato foi firmado por empresa não pertencente ao Sistema Financeiro Nacional, inviável a pactuação de juros em patamar superior a 12% ao ano.
Sudbrack citou o Recurso Especial 673.468/MG, julgado em 28 de setembro de 2010, da relatoria do ministro Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Diz o acórdão: ‘‘Por não integrar a credora o Sistema Financeiro Nacional, deve incidir, na espécie, a Lei de Usura [Decreto-Lei 22.626/1933], em especial seu artigo 1º, que estabelece juros no patamar de 12% ao ano, ou seja, o dobro da taxa legal prevista no Código Civil de 1916, no limite de 6% ao ano’’.
Tal entendimento, conforme o relator, está em perfeita consonância com o disposto no artigo 51, inciso IV, do CDC (Lei 8.078, de setembro de 1990). Em sínteses, o dispositivo diz são nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. O acórdão foi lavrado na sessão de 27 de fevereiro.
O caso
O autor ingressou com ação revisional na 12ª Vara Cível do Foro Central da comarca de Porto Alegre com o objetivo revisar o contrato entabulado com as Casas Bahia, em função de compra financiada pelo setor de crediário. A inicial pediu a redução dos juros remuneratórios aplicados às parcelas, a não-incidência da cobrança de comissão de permanência e capitalização, a nulidade da multa contratual e o afastamento da mora contratual. Também a compensação e repetição de indébito.
A empresa-ré apresentou contestação. Alegou inexistência de qualquer ilegalidade no contrato de compra e venda do bem celebrado entre as partes. Afirmou que o cliente-autor requereu a revisão porque ficou inadimplente com os pagamentos das parcelas.
Sentença
A juíza Viviane Souto Sant´Anna julgou a demanda parcialmente procedente. Autorizou a manutenção dos juros remuneratórios no percentual contratado — 2,48% ao mês — e determinou a incidência de capitalização com periodicidade anual, e não mensal, como consta no contrato.
Também decidiu afastar a cumulação dos juros moratórios com a comissão de permanência. Manteve a cobrança tão-somente no período de mora, conforme cláusula contratual, com a compensação e/ou repetição simples do indébito, acrescida de correção monetária desde cada cobrança indevida, além de juros moratórios desde a citação.
A julgadora entendeu que não houve abuso na cobrança dos juros remuneratórios no percentual contratado. É que a taxa média de mercado para operações de aquisição de outros bens, no mês da celebração do contrato (maio de 2008), era de 58,07% ao ano. O contrato atacado previa taxa anual de 34,30% ao ano.
O fato de a rede lojista não ser considerada instituição financeira não impede a revisão do contrato nos mesmos moldes. Afinal, destacou, a relação é de consumo, o que atrai a aplicação das mesmas regras que devem ser observadas pelas financeiras.
Conforme a juíza, após a promulgação da Constituição, em 1988, discutia-se se os bancos tinham poder de fixar ou não os juros acima do patamar de 12% ao ano, estabelecido constitucionalmente. No entanto, esta discussão restou superada pela aprovação da Emenda Constitucional 40/2003, que revogou a norma constitucional.
‘‘Além disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria de liberação dos juros remuneratórios em contratos bancários, conforme decisão proferida no Resp n. 271.214-RS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 12.03.2003, cujo acórdão está publicado no DJU de 04.08.2003’’, escreveu na sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2014
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