O perfil @aminhaempregada expõe o preconceito na rede
A leitura dos comentários sobre as domésticas satiriza a situação de desigualdade
É mais um ingrediente que ajuda a diagnosticar a doença do preconceito para depois curá-la
CARLA JIMÉNEZ / MARINA ROSSI São Paulo 21 MAI 2014 - 14:34 BRT
Um perfil no Twitter satiriza a herança escravocrata brasileira sob o codinome @aminhaempregada. A brincadeira toca em um assunto sério, a começar pela inclusão do pronome possessivo “minha” na alcunha virtual, que demonstra um papel de posse de alguém que lhe serve. O autor, que prefere ficar no anonimato, segundo a BBCBrasil, retuíta os posts preconceituosos de parte dos brasileiros, que em algum lugar do seu imaginário se julgam seres superiores em relação a seus empregados. “Só porque eu sou negra tá achando que eu vou trabalhar de empregada”, diz uma.
“Minha empregada não chega, disse que tá sem ônibus, minha casa tá imunda. Vadia, vem andando!”, diz alguém, indiferente à greve de ônibus que paralisou a cidade de São Paulo e deixou mais de 260 quilômetros de congestionamento nesta terça-feira. “Minha empregada é anta, ela tava arrumando meu quarto, tocou quatro vezes o celular e ela nem para me levar e nem avisa!”, dizia outra tuiteira.
O portal choca, mas como diriam alguns, até a página 15. Esse tipo de comentário faz parte do cotidiano do Brasil, pelo menos desde a assinatura da lei Áurea, no dia 13 de maio de 1888. Antes dessas datas, os mesmos comentários, ou até piores, seguidos de chibatadas reais, eram dirigidos às servis escravas que este país, um dos últimos a eliminar a escravidão no mundo, manteve para assear os banheiros sujos das classes dominantes.
No caso do perfil @aminhaempregada, alguém apenas decidiu reuni-los, para que pudessem ser apreciados a olho nu em sua crueza mais genuína. Porém, há um lado muito positivo dessa história toda. Recorrendo à expressão em latim, verba volant, scripta manent, ou as palavras voam, e a escrita permanece, o perfil materializa um preconceito que em sua essência é intangível. Quando visto com todas as cores, ganha a função de espelho, onde o brasileiro pode se reconhecer como uma “anta” por adotar atitudes similares aos que estão sendo expostos na rede por seus comentários.
Na mesma rede, um sujeito teve a coragem de desabafar. “Tomei um ótimo tapa na cara com este perfil @aminhaempregada. Sim, já falei coisas assim. Mas essa é a beleza do negócio: aprender e melhorar.” O comentário desse internauta mostra o caminho que se pode tomar, ao enxergar o copo meio cheio em vez de meio vazio. Quanto mais detalhado o diagnóstico de uma doença, maior a chance de curá-la. O perfil @aminhaempregada apenas joga mais uma luz nessa distorção de uma parte da sociedade brasileira, em um país de maioria negra e pobre.
O professor Emerson Ricardo Girardi, sociólogo e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), de São Paulo, lembra que a questão das empregadas domésticas no Brasil é antiga, abordada, por exemplo, na obra do escritor Gilberto Freyre, de Casa-Grande & Senzala, (livro publicado em 1933). Girardi acredita que a conta do Twitter tem dois lados, um positivo e um negativo. “O negativo é que ele acaba, de certa forma, disseminando o preconceito que já é estruturado na sociedade brasileira. Mas, por outro lado, isso gera uma certa polêmica e essas questões proporcionam o debate”, afirma.
Mesmo que a carapuça do perfil @aminhaempregada sirva para muita gente, é fato que ela não deve ser generalizada. Muitas famílias no Brasil procuram promover sua distribuição de renda particular, garantindo o que lhes é devido, ou benefícios extras para aquelas que se tornam seus braços direitos e que ainda cuidam de seus filhos. Diversos patrões ajudam suas funcionárias do lar a comprar suas próprias residências, a voltar a estudar, ou a pagar a escola dos filhos, apenas para praticar dentro de casa o que deveria ser o principio básico da igualdade.
Para os que não partilham dessa reflexão, vale lembrar que a vingança das empregadas domésticas já está em curso. Oitenta anos depois a obra de Freyre ter sido publicada, muita coisa mudou –para melhor– para elas. Seus préstimos se tornam cada dia mais caros –seu salário sobe mais que a inflação, em função de a procura ser maior que a oferta– e encontrar uma boa candidata demanda quase um esforço de headhunter. “De marido e de empregada, a gente não fala bem nem para a melhor amiga”, sentencia uma empresária.
A categoria ainda não ganhou o direito a ter a indenização legal em caso de demissão, a exemplo dos demais assalariados no país, uma batalha que está parada no Congresso. Mas conta com sindicatos organizados que fornecem orientaçoes nesses casos. Lograram ainda se transformar em fonte de debate, algo positivo para um país que tenta romper com suas práticas mais tacanhas. “O primeiro passo para poder se resolver algum problema, seja ele de cunho social ou político, é reconhecer que esse problema existe”, diz Girardi.
Fonte: http://brasil.elpais.com/
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