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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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sexta-feira, 27 de março de 2015

EMBATES POLÍTICOS EM SC, QUE FORAM ÀS BARRAS DOS TRIBUNAIS (III)

Apelação Cível n. 2011.078995-9, da Capital
Relator: Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INVESTIMENTO NO BANCO SANTOS S/A. PERDAS EM RAZÃO DA LIQUIDAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FALTA DE ELEMENTOS PARA CARACTERIZAR CULPA OU DOLO DOS AGENTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.078995-9, da comarca da Capital (1ª Vara da Fazenda Pública), em que são aptes/rdoads Ministério Público do Estado de Santa Catarina e outro e apda/rteads Ângela Regina Heinzen Amin Helou e outro:
A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por maioria, desprover os recursos. Vencido o Exmo. Sr. Des. Jorge Luiz de Borba, que dava provimento às apelações. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Gaspar Rubick (Presidente) e Jorge Luiz de Borba.
Florianópolis, 18 de março de 2014.
Paulo Henrique Moritz Martins da Silva
Relator DESIGNADO

RELATÓRIO
Adoto o relatório elaborado pelo Des. Jorge Luiz de Borba, relator originário deste recurso:
O Município de Florianópolis deflagrou "ação ordinária de ressarcimento de dano por atos de improbidade administrativa c/c pedido acautelatório de indisponibilidade de bens" em face de Ângela Regina Heinzen Amin Helou e Olívio Rocha.
Relatou que, em 29-9-2004, ano em que a ré exercia o mandato de Prefeita Municipal de Florianópolis e o réu o cargo de Secretário de Finanças do mesmo Município, ambos transferiram da conta n. 5.075-X, agência 3582-3, do Banco do Brasil S/A, de titularidade do Município de Florianópolis, o valor de R$ 6.700.000,00 (seis milhões e setecentos mil reais) para a conta n. 12.512-2, agência n. 001-702 do Banco Santos S/A para que fosse aplicado no "Santos Yield Fundo de Investimento Financeiro". Idêntica operação, para o mesmo destino, teria sido realizada a partir da conta n. 58-0, também de titularidade do Município de Florianópolis, da agência n. 1978 da Caixa Econômica Federal, mas no valor de R$ 10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil reais). Salientou que, previamente a essas transferências, os demandados já haviam transferido para a mesma conta R$ 2.338.326,72 (dois milhões, trezentos e trinta e oito mil, trezentos e vinte e seis reais e setenta e dois centavos).
Referiu que o argumento apresentado pelos réus para transferir tais valores a banco privado seria uma suposta vantagem financeira, ou seja, maiores rendimentos para o dinheiro público. Disse que, porém, em menos de 30 (trinta) dias, suas expectativas de obtenção de lucros teriam se esvaído, pois, em 12-11-2004, o Banco Central do Brasil decretou a intervenção na instituição financeira depositária, e o interventor só conseguiu devolver aos cofres públicos, das quantias depositadas, em valores históricos, o total de R$ 3.653.538,62 (três milhões, seiscentos e cinquenta e três mil, quinhentos e trinta e oito reais e sessenta e dois centavos), restando à municipalidade um prejuízo de R$ 14.957.980,82 (quatorze milhões, novecentos e cinquenta e sete mil, novecentos e oitenta reais e oitenta e dois centavos). Enfatizou que tais recursos não pertenciam ao Fundo Previdenciário municipal - que aliás jamais teria existido, nos termos de deliberação do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina -, mas ao caixa da Prefeitura.
Assim, teriam os recursos públicos sido usurpados, pois estavam regularmente depositados em instituições financeiras oficiais, como exigem os arts. 164, § 3º, da Constituição Federal e 34 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e não poderiam ter sido subtraídos a banco privado por ato ilegal da alcaide e de seu secretário.
Pugnou a condenação dos réus a lhe ressarcir R$ 18.611.519,44 (dezoito milhões, seiscentos e onze mil, quinhentos e dezenove reais e quarenta e quatro centavos), com a dedução das quantias que o interventor do Banco Santos S/A eventualmente conseguir obter no curso da demanda, bem assim a arcar com as cominações previstas no art. 12, II, da Lei n. 8.429/1992.
Além disso, ad cautelam, postulou seja decretada a indisponibilidade de bens pertencentes aos réus suficientes para garantir futura execução de sentença.
Os réus apresentaram defesa prévia (fls. 245-288) e, após manifestação do Parquet (fls. 302-312), a inicial foi recebida no mesmo interlocutório em que se indeferiu a tutela de urgência almejada (fls. 318).
Em contestação (fls. 330-387), os réus afirmaram: que os investimentos foram feitos em uma época em que o Banco Santos S/A ainda "tinha alta credibilidade e demonstrava propensão para crescimento" (fl. 332); que todas as contas durante todo o mandato da ré foram aprovadas pelo Tribunal de Contas Catarinense, foro em que as questões sub judice teriam sido exaustivamente discutidas e, ao final, decididas em favor dos demandados; e que os arts. 164, § 3º, da Constituição Federal e 34 da Lei de Responsabilidade Fiscal exigem que o dinheiro público permaneça em instituições financeiras oficiais, e não em instituições financeiras públicas.
Preliminarmente, referiram a carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam, pois incumbiria aos administradores do Município no ano de 2005, quando a ré não era mais Prefeita, promoverem a habilitação na falência, e a responsabilidade pela desidiosa omissão em promovê-la é exclusiva deles, que deveriam figurar no polo passivo da demanda. Salientaram que a situação financeira crítica do Banco Santos S/A só se tornou pública em meados de 2005, ou seja, 6 (seis) meses após a conclusão do mandato da ré. Ainda como prefacial, levantaram a falta de interesse de agir, pois o TCE/SC, instituição competente para apreciar as contas em debate, aprovou-as integralmente em procedimento de Tomada de Contas Especial, não havendo utilidade em questioná-las em juízo. Além disso, a falta de interesse de agir emanaria do cunho eminentemente político da demanda, pois o Prefeito à época em que foi ajuizada era opositor político da ré. Como derradeira preliminar, asseverou que a exordial seria inepta pela sua inconsistência e uma vez que de seu conteúdo não se conseguiria alcançar nenhuma conclusão lógica.
Postularam, outrossim, a denunciação da lide ao Prefeito de Florianópolis, Dário Elias Berger, a seus Secretários de Administração e de Finanças, cuja responsabilidade decorreria da omissão em promover a habilitação dos créditos do Município de Florianópolis no processo de falência do BancoSantos S/A, bem como à própria Massa Falida do Banco Santos S/A, que seria a verdadeira devedora do que se está a postular em juízo.
No mérito, sustentou que: o Banco Santos gozava de prestígio como instituição financeira, tanto é que era referido em diversos periódicos da área de finanças, não havendo motivos, em 2004, para se duvidar de sua solidez; que a intervenção foi divulgada na mídia de forma espalhafatosa, o que gerou desconfiança nos investidores e contribuiu para que a casa bancária viesse à bancarrota; que o próprio Fundo de Pensão dos Funcionários do Banco Central - Centrus teve prejuízo com aplicações no Banco Santos; que outros municípios, como o de São Bernardo do Campo, do Estado de São Paulo, também tinham verbas investidas naquele banco;que "os recursos investidos tinham como destinação a formação de reservas para o fundo complementar de previdência dos servidores municipais e à época as aplicações foram efetuadas em consonância com as regras da legislação federal que regulavam a matéria" (fl. 369); que a conduta descrita na exordial não se subsume a nenhuma das hipóteses dos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa); que não houve dolo ou má-fé por parte dos réus, que também não obtiveram lucro algum com as transferências questionadas.
Impugnaram, outrossim, o pedido de indisponibilidade de bens, haja vista a ausência dos pressupostos legais específicos, e culminaram requerendo a extinção do feito sem resolução do mérito com base nas prefaciais invocadas ou, sucessivamente, a improcedência do pleito inaugural, condenando-se o autor a arcar com as sanções legais por litigância de má-fé.
Apresentada réplica (fls. 484-489), em despacho de saneamento, foram rechaçadas as preliminares, indeferido o pedido de denunciação à lide e determinada a realização de audiência, abrindo-se prazo para as partes arrolarem testemunhas (fls. 491-494).
Os réus postularam a dilação do aludido prazo (fls. 496), pleito que foi indeferido (fls. 500-501). Pugnaram então a intimação de diversas autoridades (fls. 518-525), pedido também indeferido (fls. 527-528).
Em audiência de instrução e julgamento (fls. 540-544), indeferiu-se o pedido formulado pelo réu no sentido de que se oficiasse à Polícia Federal para que se obtivesse cópia de inquérito que lá tramitaria, decisão que foi combatida por agravo retido. No ato foram ainda ouvidas duas testemunhas.
As partes apresentaram alegações finais (fls. 550-610).
O Ministério Público Estadual opinou pela procedência do pleito inaugural (fls. 693-705).
Sobreveio sentença (fls. 751-758) pela qual se julgou improcedente o pedido inaugural e condenou o autor a arcar com honorários advocatícios no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Os réus opuseram embargos de declaração (fls. 761-767), os quais não foram conhecidos (fls. 799-800).
Inconformado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs apelo (fls. 768-776) aduzindo que a premissa fática em que se baseou o magistrado na sentença não procede, pois jamais houve fundo previdenciário ou, menos ainda, lei que autorizasse a sua criação, pelo que as disponibilidades financeiras eram de fato ordinárias, de caixa, e assim devem ser tratadas. Não haveria, por isso, a exceção legal do art. 43, § 1º, mencionado na sentença, a justificar os depósitos em banco privado. Salientou, por outro lado, que a má-fé pode se presumir do fato de que os apelados tinham ciência da ilicitude do que estavam a fazer, tanto é que exoneraram servidor que havia se recusado a fazer uma segunda transferência ao Banco Santos e que os havia alertado da ilegalidade. Ademais, o dolo se poderia presumir da grave imprudência inerente às suas ações.
Também irresignado, apelou o Município de Florianópolis (fls. 803-818) reiterando os argumentos expendidos na exordial, enfatizando que o prejuízo, no momento da interposição do recurso, já deduzidos os valores até aquele momento ressarcidos, alçava R$ 26.099.135,44 (vinte e seis milhões, noventa e nove mil, cento e trinta e cinco reais e quarenta e quatro centavos). Disse, outrossim, que o próprio TCE/SC teria atestado se tratar de disponibilidade de caixa, de verba pública, e não de recursos provenientes de fundo previdenciário.
A ré manejou apelo adesivo postulando a majoração do estipêndio advocatício de sucumbência (fls. 823-845).
Os apelos foram contra-arrazoados (fls. 846-889 e 890-892).
Os autos ascenderam a esta Corte e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Exma. Sra. Dra. Hercília Regina Lemke, opinou pelo conhecimento e provimento dos apelos principais (fls. 905-916).
Sua Excelência ficou vencido, tendo a Câmara, por maioria, desprovido o recurso, motivo pelo qual fui designado relator para o acórdão.
VOTO
A sentença prolatada pelo MM. Juiz Luiz Antonio Zanini Fornerolli merece ser confirmada por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razão de decidir:
1. Dos fatos
Vislumbra-se da inicial que a então Prefeita Ângela e seu Secretário de Finanças, Olívio Rocha, determinaram a transferência de ativo financeiro municipal ao Banco Santos, no total de R$ 18.611.519,44, nas datas 29/09/2004 e 30/09/2004.
Em 12/11/2004, ou seja, pouco mais de 30 dias depois da última transferência, o Banco Central decretou intervenção no Banco Santos,em razão da falta de patrimônio para suportar todas as aplicações feitas pelos investidores.
2. Do direito
2.1 Da ilegalidade da conduta
Há previsão constitucional no sentido de que as disponibilidades de caixa dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas serão depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei ( § 3º, do art. 164).
A esse respeito, vislumbra-se das provas documentais (fl. 105, 179, 213) e testemunhais que o dinheiro utilizado no infausto investimento tinha por destinação custear o sistema de previdência próprio do Município, que à época, é bem verdade, não possuía fundo próprio para gerir tais recursos, razão pela qual os respectivos ativos financeiros eram depositados em conta corrente diversa do "caixa geral" da Prefeitura.
Assim, como o dinheiro estava afeto ao cumprimento de obrigações previdenciárias, cabia ao Administrador optar por depositar referidas quantias em banco oficial, ou não.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00), regulamentando a ressalva constitucional supramencionada (§ 3º, do art. 164), traz previsão específica no sentido de que as disponibilidades de caixa dos regimes de previdência socialainda que vinculadas a fundos específicosficarão depositadas em conta separada das demais disponibilidades de cada ente e aplicadas nas condições de mercadocom observância dos limites e condições de proteção e prudência financeira (art. 43, § 1º).
Daí a conclusão de que aplicar verba do sistema de previdência, constante de fundo específico ou não, em instituição financeira privada não ofende a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e nem reflexamente a Constituição Federal, porquanto as mesmas não veiculam tal proibição.
Ao contrário, a LRF traz incentivo para que as aplicações financeiras sejam feitas de acordo com as "condições de mercado", o que pode ser interpretado como condições de mercado mais vantajosas, ainda que sejam oferecidas por banco privado.
Foi justamente o caso do Banco Santos, que além das melhores taxas de rendimento, não ostentava características negativas quanto à liquidez patrimonial, circunstâncias essas que atraíram diversos investidores, dentre eles outros municípios do Estado.
Consignou o Conselheiro Salomão Ribas Júnior que pelo menos 22 outros municípios fizeram o mesmo tipo de investimento junto ao banco.
Outrossim, não há que se falar em ilegalidade por afronta à extinta Resolução nº 2652/99 do Conselho Monetário Nacional, em especial quanto aos limites de investimento, uma vez que as disposições dela constantes se aplicavam somente aos "fundos com finalidades previdenciárias", que ainda hoje não existe, ao que se sabe através dos autos.
Assim, a aventada ilegalidade da conduta dos réus não tem pertinência, pois ancorada em permissivo legal. Consigne-se que o plenário do TCE, capitaneado pelo voto do Conselheiro Salomão Ribas Júnior, arquivou a tomada de contas em relação aos investimentos aqui investigados, por ausência de irregularidade (fl. 227).
2.2 Da necessidade da comprovação da má-fé
Atos de improbidade, segundo Alexandre de Moraes, constituem-se atos de natureza civil devidamente tipificados em lei federal, que ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da Administração Pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público (Direito Constitucional Administrativo. 3ª ed. 2006. São Paulo: Editora Atlas. p. 317)
A doutrina pavimentada por José Afonso da Silva, (Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p. 669) enfatiza que a probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição Federal.
Seu tecido jurídico consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer" (lição de José Afonso da Silva).
O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.
A LIA não é reservada para punir mera ilegalidade, mas sim a conduta ilegal ou imoral do agente público, e de todos que o auxilie no ato ímprobo (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional Administrativo, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 317).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 688-689) ensina que, "no caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidade tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.
É bom frisar que a LIA não traça uma responsabilização objetiva do agente público. Na verdade, para verificar-se a possibilidade de sancionamento há que se indagar pelo elemento volitivo da atuação do servidor. Sindica-se a responsabilidade subjetiva constituída pela má-fé.
De ordinário, o STJ tem se posicionado que, em não havendo prejuízo aos cofres públicos e nem enriquecimento ilícito, mas apenas inabilidade do administrador público, não se mostra pertinente o sancionamento através da Lei n. 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado (REsp n. 213.994 / MG, rel. ministro Garcia Vieira e ROMS n. 8.858 / RJ, rel. ministro Milton Luiz Pereira).
O ministro Luiz Fux no REsp n. 861.566 / GO, enfatiza que a má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.
Em outra passagem, o mesmo ministro, no REsp n. 480.387 / SP, expressa que a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, ?
A mesma consideração é entendida pelo ministro José Delgado (REsp n. 604151 / RS), que registra que "tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ associam a improbidade administrativa à noção de desonestidade, de má-fé do agente público".
Por sinal disso não discrepa Mauro Roberto Gomes de Mattos ("O Limite da Improbidade Administrativa", Ed. América Jurídica, 2. ed., p. 7 e 8), onde expõe que, "o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público".
Assim, só para argumentar, ainda que se considerasse ilegal o procedimento adotado pelos réus, seria indispensável para o sucesso da ação de improbidade a comprovação do dolo consistente no propósito de fraudar os princípios que regem a boa administração, mormente quando se trata das espécies de improbidade tipificadas nos arts. 9º e 11, da LIA.
Não há por outro lado, notícia de conluio entre os administradores réus e outras pessoas, visando obter proveito às custas de negociação prejudicial aos cofres municipais. Isso nem é objeto de questionamento pelas partes.
2.2 Da necessidade de comprovação de culpa para os atos de improbidade que causem prejuízo ao erário.
Conquanto tudo o que foi dito, objetivando uma cognição exauriente quanto a possível incursão dos réus em outras espécies de improbidade, é de ressaltar que a conduta dos réus também não enseja responsabilidade por dano ao erário (art. 10 da LIA), haja vista que nessa espécie de ilícito é imprescindível ao menos a presença culpa dos agentes, o que não ficou comprovado nos autos.
Perante este juízo, a testemunha Paulo Roberto Bona confirmou que "mensalmente era feito um levantamento a respeito do índice de rentabilidade entre os vários bancos no qual o Município fazia os seus investimentos, entre eles o BESC, Banco do Brasil e Caixa Econômica, Unibanco e Itaú" e "que dos bancos analisados, o Banco Santossempre apresentava maior rentabilidade" (fls. 543/544), sendo que esta instituição procurou não só o Município de Fpolis, como vários outros circunvizinhos, fazendo, inclusive, uma exposição junto ao Hotel Intercity sobre os produtos que possuíam a respeito da captação de recursos dos regimes de previdência (fl. 544).
Vê-se, desta feita, que a escolha pelo Banco Santos não se deu a esmo e sem qualquer critério pelos administradores locais, pois precedida de estudo comparativo dos índices de rentabilidade ofertados por diversas instituições de investimento.
A prova oral também indica que rumores sobre a insolvabilidade dobanco se deram depois da aplicação realizada pelo Município de Florianópolis, tanto que o réu Olívio buscou esclarecimentos junto aoBanco Santos, que negou aqueles boatos através de apresentação de relatório de auditoria (fl. 544).
Se a instituição financeira veio a ruir depois de ter acordado com o Município, esse fato está fora da esfera de previsibilidade dos réus, eximindo-os, assim, de responsabilidade por prejuízo ao erário.
Em casos onde não seja possível a formulação de um juízo de certeza quanto aos resultados pretendidos, por maior que seja o zelo e a dedicação do agente, não existirá improbidade se fatores exógenos concorreram para a causação do dano ao erário, ou mesmo se a ocorrência deste transcendeu aquilo que o agente esperava da conjuntura dos fatos concretos, apesar de ter valorado adequadamente todas as circunstâncias presentes por ocasião da prática do ato, não pode evitar o resultado danoso.
Consigne-se que o Conselho Superior do Ministério Público de Santa Catarina vem decidindo pela homologação do arquivamento de inquéritos civis relacionados aos mesmos fatos em apreço, tendo em conta a ausência de justa causa para o ajuizamento de ação civil pública, eis que comprovada a inexistência de qualquer ilegalidade das aplicações investigadas, de vez que, além de devidamente autorizada pelos Administradores, foram realizadas, à época da aplicação, em instituição bancária que gozava de conceito elevado no mercado financeiro.
Sobre isso, vide Súmula 850, que homologou a promoção de arquivamento do Procedimento Preparatório 007/2008 de Santo Amaro da Imperatriz, publicado no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, de 28/04/2010 e Súmula 847 - referente à promoção de arquivamento do inquérito civil nº 06.2005.000126-9, da 2ª Promotoria de Mafra, publicada no DOE do MPSC, de 10/03/2010.
Neste norte, constatando-se a inexistência dos requisitos mínimos da responsabilidade civil por improbidade administrativa, não há outra alternativa que não seja desacolher a pretensão exordial. (grifos no original)
Acrescento o parecer do Conselheiro do TCE Salomão Ribas Junior:
O que temos a examinar neste caso é a ocorrência de descumprimento da legislação própria, na aplicação no mercado financeiro de recursos da Prefeitura, especialmente o montante de R$ 18.611.519,44, noBanco Santos, cuja liquidação e vultosos prejuízos a n pessoas e entes públicos, é fato público e notório.
Entende a instrução que em princípio houve desrespeito a regra das Resoluções 2652/1999 e 3244/2004 porque o montante não poderia ser aplicado integralmente no Banco Santos.
Para tanto recupera restrição em contas apontando como tal "1.1 - Investimento no Banco Santos S/A, no valor de R$ 18.611.519,44 representando 98% do total dos recursos da Previdência Municipal em 31/12/2004, contrariando as Resoluções CMN 2652/1999 e 3244/2004". Quadro demonstrativo no relatório que antecede esta discussão.
A parte interessada alega, em síntese, que: 1) a legislação invocada não se aplica ao fato em exame porquanto não havia à época fundo previdenciário para gerir recursos previdenciários; 2) "o Banco SantosS/A era uma instituição financeira de investimento de atacado (...) nos termos da legislação pertinente"; 3) "como tal, as taxas do BancoCentral e sua atuação à época gozavam de liquidez e vantajosidade no mercado financeiro, o que atraía uma diversidade de investidores. Tratava-se de uma instituição séria e com boa reputação no mercado do ramo, como um dos grandes bancos nacionais".
Já o Ministério Público Especial em parecer de n. 6364/2007 (fls. 037 a 044) manifesta-se "no sentido de considerar inexistente a restrição apresentada pela Diretoria de Controle dos Municípios que aponta que as aplicações financeiras feitas pela Prefeitura de Florianópolis em 2004, junto ao Banco Santos S/A, contrariam disposições contidas nas Resoluções CMN 2652/1999 e CMN 3244/2004, por representar o equivalente a 98% do total dos recursos da Previdência Municipal".
Aduz ainda o MPE que "alicerça tal posicionamento no fato de que os recursos aplicados no Banco Santos S/A não eram originários (vinculados ou pertencentes) do Fundo da Previdência Municipal, pela simples constatação de que tal Fundo não foi legalmente instituído, conforme justificado nas alegações de defesa e de amplo conhecimento na esfera da administração municipal."
Lembra ainda o órgão especial que "são diversos os municípios do Estado de Santa Catarina que optaram por aplicar no Banco SantosS/A justamente pelas melhores condições de rentabilidade oferecidas e sem sinalizar risco acima da média de mercado que tiveram que suportar perdas significativas e, mesmo assim, suas contas foram aprovadas, sem qualquer restrição remanescente no Tribunal de Contas do Estado." Conclui, finalmente, pela regularidade do procedimento.
Vejamos o que diz a Resolução n. 2652/99 do CMN.
Artigo 1º Estabelecer que os recursos dos fundos com finalidade previdenciária instituídos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios nos termos da Lei nº 9717, de 1998, devem ser aplicados conforme as diretrizes desta Resolução, tendo presentes as condições de segurança, rentabilidade, solvência e liquidez.
Já a Resolução n. 3244/2004, citada pela instrução, traz modificações importantes, a saber:
Art. 1º - Estabelecer que os recursos dos regimes próprios de previdência social instituídos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou por Municípios nos termos da Lei 9.717, de 27 de novembro de 1998, devem ser aplicados conforme as disposições desta resolução, tendo presentes as condições de segurança, rentabilidade, solvência e liquidez.
Parágrafo único. Na hipótese de constituição de fundos com finalidade previdenciária, nos termos previstos no art. 6º da Lei 9.717, de 1998, os recursos dos referidos fundos também devem ser aplicados com observância das disposições desta resolução.
Ora, a leitura das duas resoluções mostra que no primeiro caso (Resolução 2652, de 23 de setembro de 1999) as regras aplicavam-se aos "fundos com finalidades previdenciárias", tendo sido revogadas em 28 de outubro de 2004, às vésperas da intervenção no BancoSantos S/A, em 12/11/2004, portanto, 14 dias antes da efetivação daquele procedimento. Já a Resolução que a revogou (Resolução nº 3244) estabeleceu que os recursos dos regimes próprios de previdência social deveriam ser aplicados de acordo com as regras. E fixou prazo (art. 11, § 2º) até 30 de junho de 2005 para adaptações.
É de se reconhecer, de outra parte, que o Banco Santos S/A até as vésperas da decretação de intervenção e liquidação por parte doBanco Central brasileiro era tido como estabelecimento sólido, gerido com aparente seriedade e responsabilidade. Assim, mesmo considerando a eventual hipótese de gestão temerária de recursos vinculados, como quer a instrução, ou, ainda, de conluio entre a administração municipal e a administração fraudulenta dos fundos doBanco Santos S/A, não há como estabelecer responsabilidade no caso concreto. Foge à competência do Tribunal de Contas a investigação e decisão sobre esse aspecto de fraude do mercado financeiro que, de resto, não se evidencia nos autos sob exame.
Ademais, onde se poderia considerar de sanção por essas razões, no caso, quando do julgamento das contas na Câmara de Vereadores, estas foram aprovadas por unanimidade conforme Decreto Legislativo nº 1876, de 11 de dezembro de 2006, sem estabelecer restrições:
Decreto Legislativo nº 1876 de 2006 - APROVA AS CONTAS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS - Faço saber que a Câmara Municipal de Florianópolis aprovou, nos termos da legislação em vigor, e eu, Marcílio Guilherme Ávila, Presidente, promulgo o seguinte Decreto Legislativo: Art. 1º Ficam aprovadas as contas da Prefeitura Municipal de Florianópolis, relativas ao exercício de 2004. Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
Em pelo menos 22 outros municípios constatou-se aplicação de recursos municipais no Banco Santos, certamente pelas mesmas razões de rentabilidade e aparente solidez da instituição financeira. Em nenhum deles cogitou-se de sanção pelo Tribunal de Contas.
Resta evidenciado que o alegado pela defesa e corroborado pelo Ministério Público Especial é procedente.
Vejamos o que diz o art. 10, VI, da LIA:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
[...]
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
É preciso destacar que não se retira da postura dos agentes públicos requeridos qualquer tonalidade de ação culposa, e muito menos dolosa, na realização das operações financeiras com o Banco Santos.
Naqueles tempos, era uma instituição financeira que atuava com regularidade no mercado e, mais, com presença marcante no segmento específico, oferecendo as melhores taxas de remuneração daqueles ativos, sem demonstrar aos experts alguma vulnerabilidade ou desconfiança, que via de regra são fatais em tal mercado, que tem na credibilidade sua marca principal.
Fazendo um paralelo com a esfera penal, não se pode cogitar, no caso concreto, de qualquer dos requisitos de culpa, mesmo a consciente, ou de dolo, mesmo o eventual.
A posterior intervenção do Banco Central no Banco Santos não era sequer suposta ou imaginada pelo mercado ou pelos especialistas e, se verificarmos com olhar atento, até hoje ainda não se concretizou a sua liquidação definitiva, de modo a sequer permitir um juízo adequado quanto à extensão dos prejuízos daqueles investimentos.
Ficou evidente neste processo que o escopo da atuação dos réus era o de alcançar maior rentabilidade aos recursos públicos e pelo cenário que os envolvia, bem como a todo mercado, não tinham como supor ou imaginar os destinos cinzentos que aguardavam aquela instituição financeira.
Como puni-los, então?
Quanto ao art. 11, como bem destacado pelo magistrado a quo, não há falar em responsabilidade objetiva, a qual se carrega de forma incontroversa ao Estado, pelos atos que pratica.
A desonestidade do agente tem de estar evidenciada, o que não se dá na hipótese.
Sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho escreve:
VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS - Diz o art. 11 da Lei nº 9 8.429/92 que se configura como ato de improbidade administrativa "que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições". Essa é a conduta genérica; os a incisos I a VII relacionam as condutas específicas.
Na análise do dispositivo merece destaque o fato de a ofensa a princípios caracterizar-se como ato de improbidade administrativa, com o que se refugiu à clássica noção que somente o enriquecimento ilícito e os atos danosos ao erário seriam idôneos para caracterizá-la.
Outro comentário que se faz necessário é o de que bem maior deve ser a prudência do aplicador da lei à ocasião em que for enquadrada a conduta como de improbidade e também quando tiver que ser aplicada a penalidade. Mais do que nunca aqui será inevitável o recurso aos princípios da razoabilidade, para aferir-se a real gravidade do comportamento, e da proporcionalidade, a fim de proceder-se à dosimetria punitiva. Fora de semelhantes parâmetros, a atuação da autoridade refletirá abuso de poder.
O texto referiu-se aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, mas tal relação é nitidamente aleatória. Na verdade, o legislador disse menos do que queria. O intuito é o da preservação dos princípios gerais da administração pública, como consta do título da seção III.
A honestidade e a lealdade às instituições são associadas à moralidade e à probidade; a imparcialidade tem elo com a impessoalidade; e a legalidade já preexiste por si própria. Não houve na conduta genérica a referência à publicidade, mas a conduta específica prevista no inciso IV ("negar publicidade aos atos oficiais") a contempla.
No dispositivo em foco, constitui objeto da tutela a observância dos princípios constitucionais. Com a positivação dos princípios, criaram-se tipos legais conformadores de improbidade administrativa. Assim, a violação de princípio configura-se fatalmente como violação do princípio da legalidade.
pressuposto exigível é somente a vulneração em si dos princípios administrativos. Conseqüentemente, são pressupostos dispensáveis o enriquecimento ilícito e o dano ao erário. A improbidade, portanto, cometida com base no art. 11 pode não provocar lesão patrimonial às pessoas mencionadas no art. 1º nem permitir o enriquecimento indevido de agentes e terceiros. É o caso em que o agente retarda a prática de ato de oficio (art. 11, II).
elemento subjetivo é exclusivamente o dolo; não tendo havido na lei referência à culpa, como seria necessário, não se enquadra como ato de improbidade aquele praticado por imprudência, negligência ou imperícia.
Poderá, é óbvio, constituir infração funcional e gerar a aplicação de penalidade, conforme a lei de incidência, mas de improbidade não se cuidará. (Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2009, p. 1025/1026) (grifou-se)
No mesmo sentido, Marçal Justen Filho ensina:
Não se admite infração de improbridade, subsumível ao art. 11, sem um elemento de dolo. A atuação culposa é insuficiente - que, insista-se, não equivale a afirmar a regularidade dela. É perfeitamente possível, senão obrigatório, punir condutas irregulares ilícitas praticadas por agentes estatais. Mas isso não autoriza a impor sanção de improbidade para toda e qualquer conduta administrativa irregular. A tanto se opõe o princípio da proporcionalidade. (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 705) (grifou-se)
É da jurisprudência pacífica do Superior tribunal de Justiça:
[...]
2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu.
3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.
4. À luz de abalizada doutrina: "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (..)." in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed. , São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669. [...] (REsp n. 878506/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 18-8-2009) (grifou-se)
Ainda:
[...]
7. A configuração de qualquer ato de improbidade administrativa exige a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público, pois não é admitida a responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico brasileiro, principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de Improbidade Administrativa. Portanto, é indispensável a presença de conduta dolosa ou culposa do agente público ao praticar o ato de improbidade administrativa, especialmente pelo tipo previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, especificamente por lesão aos princípios da Administração Pública, que admite manifesta amplitude em sua aplicação. Por outro lado, é importante ressaltar que a forma culposa somente é admitida no ato de improbidade administrativa relacionado à lesão ao erário (art. 10 da LIA), não sendo aplicável aos demais tipos (arts. 9º e 11 da LIA).
8. No exame do caso concreto, há manifesto equívoco do Tribunal de origem na qualificação da conduta dos réus da ação civil de improbidade administrativa, pois a "indesculpável ligeireza", "ausência de zelo", "incúria", "erro crasso" e, até mesmo a "culpa", expressamente reconhecidos nas instâncias ordinárias, não configuram o ato de improbidade administrativa por violação de princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/92, o qual exige a presença de dolo.
Assim, apesar das inúmeras hipóteses traçadas nos julgados impugnados, em nenhum momento foi demonstrado no que consistiria a conduta dolosa que caracterizaria o ato de improbidade administrativa. [...] (REsp n. 805080/SP, rel. Min. Denise Arruda, j. 23-6-2009) (grifou-se)
Desta Corte:
"1. O objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público." (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em O Limite da Improbidade Administrativa, Edit. América Jurídica, 2. ed. p. 7 e 8).
"2. 'A finalidade da lei de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto" (Alexandre de Moraes, in Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, Atlas, 2002, p. 2.611).
"3. 'De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado' (REsp 213.994-0/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27-9-1999)' (REsp n. 480.387/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T, DJU de 24.5.2004, p. 162)" (REsp n. 758639/PB, rel. Min. José Delgado). (AC n. 2005.035785-6, de Papanduva, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 15-3-2007) (grifou-se)
A respeito, confira-se caso semelhante do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÕES CÍVEIS E AGRAVOS RETIDOS. MUNICÍPIO DE ALVORADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVOS RETIDOS DESPROVIDOS E PRELIMINARES REJEITADAS. APLICAÇÃO FINANCEIRA DE PARTE DOS RECURSOS PREVIDENCIÁRIOS DO MUNICÍPIO. BANCO SANTOS. INTERVENÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. POSTERIOR FALÊNCIA DECRETADA. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DE QUE A APLICAÇÃO LEVADA A EFEITO PELOS AGENTES PÚBLICOS ESTIVESSE EM DESACORDO COM O ESTABELECIDO NA RESOLUÇÃO Nº 2652 DO BACEN E LEI FEDERAL Nº 9.717/98. DOLO NÃO CONFIGURADO.
[...]
4. Caso em que não restou evidenciado nos autos que a aplicação de parte dos recursos previdenciários do Município de Alvorada tenha sido feita em desacordo com o estabelecido na Resolução nº 2652 do BACEN, que à época regulava a Lei nº 9.717198. Ademais, o Município já mantinha recursos do mesmo fundo previdenciário em instituição não-oficial anteriormente à aplicação no Banco Santos (que veio a sofrer, posteriormente, intervenção do Banco Central do Brasil) daí que a mudança de instituição depositária, se ocorrida sem dolo ou sem vantagens indevidas aos agentes públicos não pode, por si só, ser considerada ato de improbidade administrativa.
5. A Lei Municipal nº 1.189/2001, de Alvorada, apenas cometia ao Conselho de Administração do Funsema o dever de analisar e fiscalizar a aplicação dos recursos do fundo previdenciário municipal, mas não o de autorizá-la previamente, daí que tampouco está demonstrada, na conduta atribuída aos demandados na inicial, a afirmada ilegalidade.
6. Para a caracterização de improbidade administrativa, conforme é uníssono na doutrina e jurisprudência do STJ, é indispensável a demonstração da presença de elemento subjetivo na conduta do agente. Nos casos previstos nos arts. 9º e 11 da supracitada norma, exige-se a comprovação do dolo para a tipificação da conduta, inexistente na espécie, na dicção da maioria.
7. Ação julgada parcialmente procedente na origem.
[...] APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDA, À UNANIMIDADE. APELO DOS DEMANDADOS PROVIDO, POR MAIORIA. (AC n. 70053927422, rel. Des. José Luiz Reis de Azambuja, Quarta Câmara Cível, j. 29-1-2014)
Por fim, os honorários advocatícios foram fixados em valor razoável, de modo que o adesivo não merece trânsito.
Voto pelo desprovimento dos recursos.
Declaração de voto vencido do Des. Jorge Luiz de Borba:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS A PARTIR DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS EM QUE SE MANTINHAM VALORES DESTINADOS AO CUSTEIO DO SISTEMA DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. QUANTIAS QUE EQUIVALIAM A 98% DOS VALORES ORIGINÁRIOS E QUE FORAM MOVIDAS A FUNDO VINCULADO AO BANCO SANTOS S/A. ILEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. AFRONTA AOS ARTS. 37, CAPUT, DA CF, 43, § 1º, DA LRF E 3º, III, DA RESOLUÇÃO N. 2.652/1999 DO CMN.
A realização, no ano de 2004, de transferências bancárias que, em valores históricos, somaram um total de R$ 18.611.519,44 (dezoito milhões, seiscentos e onze mil, quinhentos e dezenove reais e quarenta e quatro centavos) a partir de contas nas quais se mantinham as quantias destinadas ao custeio da previdência dos servidores do Município de Florianópolis - montante que equivalia a 98% (noventa e oito por cento) do total dessas quantias -, diretamente ao "Santos Yield Fundo de Investimento Financeiro", consistiu em ato ilegal e temerário, violador dos arts. 37,caput, da Constituição Federal; 43, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal e 3º, III, da Resolução n. 2.652/1999 do Conselho Monetário Nacional.
ATO QUE, ALÉM DE ILEGAL, AFIGUROU-SE TEMERÁRIO, A CARACTERIZAR CULPA GRAVE, EQUIPARÁVEL A DOLO, E JUSTIFICAR A INCIDÊNCIA DAS SANÇÕES POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, NA FORMA DO ART. 10, VI, DA LEI N. 8.429/1992.
"O STJ ostenta entendimento uníssono segundo o qual, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. Precedentes: AgRg no AREsp 20.747/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 23/11/2011; REsp 1.130.198/RR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 15/12/2010; EREsp 479.812/SP, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 27/9/2010; REsp 1.149.427/SC, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 9/9/2010; e EREsp 875.163/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 30/6/2010" (AgRg no AREsp n. 55.315/SE, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 19-2-2013) (grifou-se).
Divergi da douta maioria pelos fundamentos a seguir esposados.
Trata-se de ação de improbidade administrativa promovida pelo Município de Florianópolis, ora apelante, em face de Ângela Regina Heinzen AminHelou e de Olívio Rocha, ora apelados.
É incontroverso que em 29-9-2004, quando a apelada exercia o mandato de Prefeita Municipal de Florianópolis e o apelado o cargo de Secretário de Finanças do mesmo Município, transferiram da conta corrente n. 5.075-X, vinculada à agência 3582-3, do Banco do Brasil S/A, de titularidade do Município de Florianópolis, o valor de R$ 6.700.000,00 (seis milhões e setecentos mil reais) para a conta n. 12.512-2, agência n. 001-702 doBanco Santos S/A para que fosse aplicado no "Santos Yield Fundo de Investimento Financeiro".
Idêntica operação, para o mesmo destino, foi realizada a partir da conta n. 58-0, também de titularidade do Município de Florianópolis, da agência n. 1978 da Caixa Econômica Federal, mas no valor de R$ 10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil reais).
Previamente a essas transferências, os demandados já haviam transferido para a mesma conta R$ 2.338.326,72 (dois milhões, trezentos e trinta e oito mil, trezentos e vinte e seis reais e setenta e dois centavos).
Argumentou-se na exordial que tais transferências seriam ilícitas por afronta ao art. 164, § 3º, da Constituição Federal, o qual assim dispõe:
As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, eminstituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei(grifou-se).
O digno magistrado a quo, em sua sentença, partiu da premissa de que se tratava de dinheiro vinculado ao sistema próprio de previdência do Município, pois era mantido em conta corrente apartada, e que haveria exceção legal a justificar o depósito em banco privado. Extrai-se dodecisum recorrido:
Há previsão constitucional no sentido de que as disponibilidades de caixa dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas serão depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei ( § 3º, do art. 164).
A esse respeito, vislumbra-se das provas documentais (fl. 105, 179, 213) e testemunhais que o dinheiro utilizado no infausto investimento tinha por destinação custear o sistema de previdência próprio do Município, que à época, é bem verdade, não possuía fundo próprio para gerir tais recursos, razão pela qual os respectivos ativos financeiros eram depositados em conta corrente diversa do "caixa geral" da Prefeitura.
Assim, como o dinheiro estava afeto ao cumprimento de obrigações previdenciárias, cabia ao Administrador optar por depositar referidas quantias em banco oficial, ou não.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00), regulamentando a ressalva constitucional supramencionada (§ 3º, do art. 164), traz previsão específica no sentido de que as disponibilidades de caixa dos regimes de previdência socialainda que vinculadas a fundos específicosficarão depositadas em conta separada das demais disponibilidades de cada ente e aplicadas nas condições de mercadocom observância dos limites e condições de proteção e prudência financeira (art. 43, § 1º).
Daí a conclusão de que aplicar verba do sistema de previdência, constante de fundo específico ou não, em instituição financeira privada não ofende a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e nem reflexamente a Constituição Federal, porquanto as mesmas não veiculam tal proibição.
Ao contrário, a LRF traz incentivo para que as aplicações financeiras sejam feitas de acordo com as "condições de mercado", o que pode ser interpretado como condições de mercado mais vantajosas, ainda que sejam oferecidas por banco privado.
Foi justamente o caso do Banco Santos, que além das melhores taxas de rendimento, não ostentava características negativas quanto à liquidez patrimonial, circunstâncias essas que atraíram diversos investidores, dentre eles outros municípios do Estado (fls. 752-754; grifos do original).
Dita premissa foi integralmente adotada no voto vencedor, da lavra do eminente Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva.
Ousa-se, porém, discordar desse respeitável entendimento.
É incontroverso que não havia, no Município de Florianópolis, fundo de previdência regularmente instituído, criado por lei, na forma do art. 249 da Constituição Federal, que estabelece:
Com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento de proventos de aposentadoria e pensões concedidas aos respectivos servidores e seus dependentes, em adição aos recursos dos respectivos tesouros, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão constituir fundos integrados pelos recursos provenientes de contribuições e por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei que disporá sobre a natureza e administração desses fundos.
Também não se discute nos autos que as contas correntes das quais partiram as transferências continham valores destinados ao custeio da seguridade social dos servidores municipais.
praxis de manter contas em apartado e não criar um fundo específico para a gestão de tais valores é corroborada pelo já transcrito art. 164, § 3º, da Constituição Federal - que afirma que os entes federados poderão criar tais fundos, não impondo a criação destes - e também pelo art. 43, § 1º, da Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que assim dispõe:
Art. 43. As disponibilidades de caixa dos entes da Federação serão depositadas conforme estabelece o § 3º do art. 164 da Constituição.
§ 1º As disponibilidades de caixa dos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos, ainda que vinculadas a fundos específicosa que se referem os arts. 249 e 250 da Constituição, ficarão depositadas em conta separada das demais disponibilidades de cada ente e aplicadas nas condições de mercado, com observância dos limites e condições de proteção e prudência financeira (grifou-se).
O § 2º desse dispositivo veda "a aplicação das disponibilidades de que trata o § 1º em: I - títulos da dívida pública estadual e municipal, bem como em ações e outros papéis relativos às empresas controladas pelo respectivo ente da Federação; II - empréstimos, de qualquer natureza, aos segurados e ao Poder Público, inclusive a suas empresas controladas".
Como se vê, não há ilicitude em se manter conta em apartado para o caixa dos regimes de previdência social nem - contrariamente ao que sustentam os recorrentes - em se aplicar tais valores "nas condições do mercado", respeitadas as restrições do § 2º, que na espécie, claramente, não foram descumpridas.
Mas isso não significa que está o administrador livre para aplicar essas disponibilidades financeiras ao seu completo alvedrio - salientando-se, por oportuno, que o Poder Judiciário não está adstrito às razões de direito invocadas pelas partes na causa de pedir, como se subsume do princípio narra mihi factumdabo tibi jus.
Estabelece a Lei n. 9.717/1998:
Art. 6º Fica facultada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a constituição de fundos integrados de bens, direitos e ativos, com finalidade previdenciária, desde que observados os critérios de que trata o artigo 1º e, adicionalmente, os seguintes preceitos:
II - existência de conta do fundo distinta da conta do Tesouro da unidade federativa;
IV - aplicação de recursos, conforme estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional; (grifou-se).
Na época em que as transferências ocorreram, vigorava a Resolução n. 2.652/1999 do Conselho Monetário Nacional, que dispunha "sobre as aplicações dos recursos dos fundos com finalidade previdenciária", e assim preconizava:
BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada em 22 de setembro de 1999, tendo em vista o disposto no art. 6º, inciso IV, da Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998,
RESOLVEU:
Art. 1º Estabelecer que os recursos dos fundos com finalidade previdenciária instituídos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios nos termos da Lei nº 9.717, de 1998, devem ser aplicados conforme as diretrizes desta Resolução, tendo presentes as condições de segurança, rentabilidade, solvência e liquidez.
Art. 2º Os recursos provenientes das alienações de patrimônio vinculado ao fundo com finalidade previdenciária na forma de bens, direitos ou ativos de qualquer natureza devem ser aplicados da seguinte forma:
I - 80% (oitenta por cento), no mínimo, isolada ou cumulativamente, em:
a) títulos de emissão do Tesouro Nacional, inclusive créditos securitizados;
b) títulos de emissão do Banco Central do Brasil;
c) títulos ou valores mobiliários de emissão de instituições financeiras cujo capital social seja integralmente detido pela União;
d) títulos ou valores mobiliários de emissão de subsidiárias das instituições referidas na alínea "c"; (Redação dada pela Resolução 2.661, de 28/10/1999.)
II - o restante, de acordo com o disposto no art. 3º desta Resolução.
Parágrafo 1º Os recursos de que trata o caput deste artigo devem ser registrados separadamente na contabilidade do fundo com finalidade previdenciária.
Parágrafo 2º Os títulos referidos no inciso I devem ser inalienáveis e ter prazo mínimo de quinze anos, admitindo-se resgate à razão de 1/15 (um quinze avos) por ano.
Parágrafo 3º Na hipótese de alienação de ações vinculadas ao fundo com
finalidade previdenciária que implique transferência do controle de empresa estatal, o montante dos recursos correspondentes ao excedente do controle poderá ser aplicado de acordo com o disposto no art. 3º desta Resolução.
Art. 3º Os recursos em moeda corrente, assim compreendidas as contribuições dos patrocinadores, dos segurados civis e militares, ativos e inativos, e dos pensionistas, os resgates das aplicações financeiras, os aportes de qualquer natureza em espécie e a parcela da alienação de patrimônio referida no art. 2º, parágrafo 3º, devem ser aplicados da seguinte forma:
I - até 100% (cem por cento) em títulos de emissão do Tesouro Nacional e/ou títulos de emissão do Banco Central do Brasil;
II - até 80% (oitenta por cento), isolada ou cumulativamente, nos seguintes investimentos de renda fixa:
a) depósitos em contas de poupança, observado o máximo de 5% (cinco por cento) dos recursos de que se trata, em depósitos da espécie em uma mesma instituição financeira;
b) quotas de fundos de investimento financeiro e de fundos de aplicação em quotas de fundos de investimento financeiro;
III - até 30% (trinta por cento) em quotas de fundos de investimento constituídos nas modalidades regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários.
Art. 4º As aplicações de recursos previstas no art. 3º, incisos II, alínea "b", e III, devem ser efetuadas com observância das seguintes condições:
I - é necessária a seleção de instituição(ões) financeira(s) responsável(eis) pela aplicação dos recursos - instituição(ões) administradora(s) - obedecida a legislação pertinente, devendo ser considerados como critérios mínimos de escolha a solidez patrimonial, o volume de recursos administrados e a experiência no exercício da atividade de administração de recursos de terceiros;
II - o valor das quotas de um mesmo fundo de investimento detidas por um mesmo fundo com finalidade previdenciária não pode representar mais que vinte por cento do patrimônio líquido do fundo de investimento;
III - o valor das quotas de um mesmo fundo de investimento detidas por um conjunto de fundos com finalidade previdenciária não pode representar mais que cinqüenta por cento do patrimônio líquido do fundo de investimento.
Como se vê, os termos dessa resolução, que somente foi revogada pela de n. 3.244/2004, de 1º-11-2004, foram claramente violados pela administração municipal, uma vez que, segundo apurou o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, o quantum depositado no "SantosYield Fundo de Investimento Financeiro" correspondia a nada menos que98% (noventa e oito por cento) do total dos recursos destinados ao custeio da previdência dos servidores municipais.
Evidencia-se, dessarte, que não foi observado o limite de 30% estabelecido no inciso III do art. 3º da aludida resolução.
Não se olvida que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, nos autos do PDI 06/00429660, entendeu que eram inaplicáveis à espécie as Resoluções ns. 2.652/1999 e a 3.244/2004, ambas do Conselho Monetário Nacional, haja vista que os recursos em questão "não estavam aplicados no Fundo Previdenciário por inexistente" (fl. 226).
Tais regulamentos, que substituíram a Resolução n. 2.652/1999 e que, igualmente a esta, aludiam especificamente a fundos de previdência, não mencionavam os valores destinados ao custeio de regimes de previdência não organizados sob a forma de fundos. O mesmo se pode dizer quanto à Lei n. 9.717/1998.
O legislador, obviamente, se omitiu ao não impor o cumprimento dessas normas também aos administradores que optassem por realizar investimentos diretamente do caixa municipal, sem a instituição de fundo previdenciário específico.
Entretanto, seria um contrassenso aplicar tais normas protetivas apenas aos recursos previdenciários depositados em fundos específicos, e não aos recursos em conta apartada de algum ente federado.
É, data venia, inadmissível cogitar que o legislador tenha pretendido atribuir maior proteção a recursos integrantes de um fundo do que a recursos públicos - afinal, conquanto atrelados a uma finalidade previdenciária específica, os recursos em questão estavam depositados em contas correntes pertencentes ao Município de Florianópolis e, consequentemente, eram recursos públicos.
É nesse sentido que Marcelo Viana Estevão de Moraes, na obra A Lei de Responsabilidade Fiscal e a Previdência dos Servidores Públicos Municipais - Guia de Orientação para Prefeituras, adverte:
As disponibilidades de caixa do RPPS ficarão depositadas em conta separada das demais disponibilidades do município. As aplicações devem observar os limites e condições de proteção e prudência financeira. É importante lembrar que os recursos arrecadados para pagamento de benefícios previdenciários e seu respectivo custo administrativo só poderão ser utilizados para este fim.
[...]
Subsidiariamente, à aplicação dessas disponibilidades do RPPS, existindo ou não fundo previdenciário específico, além das vedações já mencionadas,aplica-se o estabelecido pelas resoluções do Conselho Monetário Nacional nº 2.651 e 2.652, ambas de 23 de setembro de 1999, com as alterações subsequentes (Coleção Previdência Social, Vol. 2, Brasília: Funprev/ANASPS, 2000, p. 34).
Ademais, ainda que se considerassem inaplicáveis tais regramentos, é certo que a medida tomada pela municipalidade, no sentido de aplicar 98% (noventa e oito por cento) dos recursos destinados a custear a previdência dos servidores municipais em um único fundo de um banco privado foi negligente, temerária e, assim, violadora dos princípios constitucionais da legalidade e da eficiência, insculpidos no art. 37 da Lex Mater, bem assim ao já referido art. 43, § 1º, da Lei Complementar n. 101/200 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que impõe a observância "dos limites e condições de proteção e prudência financeira" (grifou-se).
Aliás, em comentários aos §§ 1º e 2º desse mesmo artigo, lecionam Flavio C. de Toledo Jr. e Sérgio Ciquera Rossi:
Os §§ 1º e 2º traduzem cautelas a serem adotadas quanto aos dinheiros pertencentes ao regime de previdência dos servidores. Nada mais óbvio, visto que tal sistema deve sustentar-se em prazos muito longos, o que pressupõe eficiente gestão financeira, norteada sempre por critérios de prudência (Lei de Responsabilidade Fiscal comentada artigo por artigo, 3ª ed., São Paulo:Editora NDJ, 2005, p. 277) (grifou-se).
Não se ingressa, aqui, no mérito sobre se era ou não previsível a quebra do Banco Santos S/A, pois isso é de todo irrelevante.
Ao optar por depositar 98% dos recursos da previdência dos servidores municipais em um único exclusivo fundo de banco privado, os apelados assumiram ilícito e desarrazoado risco - equiparável ao dolo eventual da seara penal - de o dinheiro ser perdido.
Portanto, em síntese, a realização, no ano de 2004, de transferências bancárias que, em valores históricos, somaram um total de R$ 18.611.519,44 (dezoito milhões, seiscentos e onze mil, quinhentos e dezenove reais e quarenta e quatro centavos) a partir de contas nas quais se mantinham as quantias destinadas ao custeio da previdência dos servidores do Município de Florianópolis - montante que equivalia a 98% (noventa e oito por cento) do total dessas quantias -, diretamente ao "Santos Yield Fundo de Investimento Financeiro", o qual, juntamente com o Banco Santos S/A, meses após veio à bancarrota, consistiu em ato ilegal e temerário, violador dos arts. 37, caput, da Constituição Federal; 43, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal e 3º, III, da Resolução n. 2.652/1999 do Conselho Monetário Nacional.
Não restam dúvidas, assim, de que o ato dos apelados é passível de enquadramento no art. 10, VI, da Lei n. 8.429/1992, o qual assim estatui:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
[...]
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; [...].
Decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
O STJ ostenta entendimento uníssono segundo o qual, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. Precedentes: AgRg no AREsp 20.747/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 23/11/2011; REsp 1.130.198/RR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 15/12/2010; EREsp 479.812/SP, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 27/9/2010; REsp 1.149.427/SC, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 9/9/2010; e EREsp 875.163/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 30/6/2010 (AgRg no AREsp n. 55.315/SE, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 19-2-2013).
Consequentemente, tenho que estava suficientemente demonstrada a prática do ato de improbidade por parte dos apelados e que se impunha a sua condenação às sanções previstas na Lei n. 8.429/1992.
Com estas considerações, e pedindo vênia à douta maioria, é que ousei divergir, votando no sentido de dar provimento ao recurso.
Florianópolis, 18 de março de 2014
Des. Jorge Luiz de Borba

Gabinete Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

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