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segunda-feira, 30 de março de 2015

Ameaças às águas subterrâneas brasileiras





Imagem: Fapesp.
Por Roberto Marcondes de Azevedo

Em 1961 o cosmonauta da dissolvida União das Repúblicas Socialista Soviética Iuri Gagarin, primeiro homem a atingir o espaço sideral, denominou o Planeta Terra de Planeta Azul. Estava consolidado o (já superado) conceito de que a água era um recurso abundante e inesgotável.

Este conceito vem sendo derrubado.

Na medida que os reservatórios paulistas do sistema Cantareira foram baixando de 2014 pra cá o debate sobre a disponibilidade, o aproveitamento inteligente e a economia de água foi aumentando. Mais recentemente a SABESP, companhia responsável pelo abastecimento no Estado de São Paulo, começou a estudar a possibilidade de aproveitar a água do Aquífero Guarani.

Estima-se que 97% do total da água está nos oceanos, e cerca de 2% nas calotas polares e glaciares, no estado sólido. Este um por cento restante está distribuído pelos lagos, rios e lençóis freáticos. Estes últimos são definidos como reservatórios subterrâneos de água que ocupam fendas de rochas. As águas oriundas das chuvas penetram no solo e por gravidade acabam por acumularem-se em locais impermeáveis, formando assim estes grandes reservatórios.

Partindo do elementar modelo do ciclo d´água que aprendíamos na escola – evaporação, formação de nuvem – precipitação – congelamento, descongelamento) e desprezando a contaminação dos mananciais poderíamos dizer que a a quantidade de água doce, apesar de gigantesca é constante. Já a demanda por ela é crescente em razão do aumento da população mundial, bem como pelos processos industriais e fabris da sociedade de consumo.

Fácil concluir que o recurso água assumiu papel de importância elevada no contexto mundial, tanto é que a Organização das Nações Unidas declarou 2013 como Ano Internacional da Cooperação pela Água.

Primeiramente convêm diferenciar os dois tipos de águas subterrâneas existentes, segundo os manuais de Hidrologia1. Elas formam os: a)Aquíferos Não-Confinados (também denominados Freáticos ou Livres): Aquífero encerrado apenas por uma formação impermeável na parte de abaixo, daqui em diante denominado lençol freático e b) Aquífero Confinado (Artesiano ou Cativo): Aquífero encerrado entre formações impermeáveis ou quase impermeáveis. Ele está sob pressão maior do que a pressão atmosférica. A água num aquífero confinado é também dita lençol artesiano e passará a ser chamado simplesmente de aquífero.

O Brasil possui os dois maiores aquíferos do mundo: o Aquífero Guarani (situado sob toda a região Sul do Brasil, estendendo-se por parte das regiões Centro-oeste e Sudeste, além de Argentina, Paraguai e Uruguai) com volume de 45 mil km³ e o Aquífero Alter do Chão (Amazonas, Pará e Amapá) com estimados 85 mil km³ de água.

O regime de alimentação destas reservas depende de fatores paralelos como preservação da cobertura vegetal do solo e das matas ciliares principalmente, posto que em terreno impermeável não se absorve água nem se forma lençol freático.

O uso pelos brasileiros e a disponibilidade das águas subterrâneas estão sob duas ameaças: uma física (risco de contaminação), principalmente o Aquífero Guarani em razão dos dejetos da suinocultura e dos pesticidas usados no plantio da soja e de milho. A segunda ameaça às águas subterrâneas é geopolítica.

Edis Milaré2 sintetiza a ameaça física:

“A preservação da saúde pública e da saúde ambiental é o requisito essencial da qualidade da água. Depois disso vem a compatibilização com os usos preponderantes. (…) A qualidade da água está permanentemente ameaçada por dois grupos principais de riscos: a contaminação por microrganismos patogênicos e a modificação das características físicas e químicas dos corpos de água (…) principais fontes de poluição, a saber: esgotos domésticos, efluentes industriais, agrotóxicos e pesticidas, detergentes sintéticos, mineração, poluição térmica e, por fim, focos dispersos e não específicos.”

Já a ameaça geopolítica (ou externa) está anunciada e visível em conflitos atuais. Gérard Payen, consultor do secretário-geral da ONU reconhece o recrudescimento das relações entre países ou mesmo dentro deles afirmando que “o aumento da demanda torna a situação mais complicada. As dificuldades hoje são mais visíveis e há mais conflitos regionais”.

Assim sendo, há duas vertentes a respeito do tema: uma interna e outra externa. No aspecto da ameaça física, de contaminação pela poluição percebe-se que a garantia Constitucional de um meio ambiente equilibrado e dentro deste contexto de proteção das águas subterrâneas, pode ser invocada.

A proteção destas reservas de água garante aos cidadãos brasileiros e aos estrangeiros domiciliados no país dignidade social posto que sem ela é impossível praticar as atividades mais básicas de um ser vivo: a alimentação e a higiene, ou como definiu e hierarquizou Abraham Maslow necessidades fisiológicas, ou seja, as que primeiro devem estar cumpridas (fome, sono, sede, asseio, sexo, excreção e abrigo) em detrimento das necessidades de segurança, necessidades sociais, necessidades de estima e de auto realização. Inegável também a importância estratégica das reservas brasileiras de água, sendo este o ponto mais delicado desta abordagem.

Antes mesmos da Constituição de 1988 o artigo 3º inciso III, da Lei 6.938/81 já reconhecia o prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar da população, assim como a alteração adversa das atividades sociais e econômicas e das condições estéticas e sanitárias do meio ambiente no conceito de poluição.

Dados do Ministério do Meio Ambiente3 informam que a Lei nº 9.433/97 instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SINGREH estabelecendo que a gestão dos recursos hídricos no País deve ser realizada de forma descentralizada e participativa, envolvendo o poder público, os usuários de recursos hídricos e as comunidades.

Analisando tal plano a conclusão é desastrosa: o Plano norteia a implementação da Política que estabelece um plano, que norteia a política num ciclo interminável. O mencionado encadernado mostra que não há resultados concretos e sim no campo das ideias, reuniões temáticas, debates, orientações e articulações. A simples análise da listagem dos membros dos comitês e grupos de discussão que o compõem levam ao nome de políticos derrotados, sindicalistas, ex-diretores de estatais, agências reguladoras, autarquias, cujos salários em 2010, segundo o portal da transparência4 variava entre R$ 12.963 e R$ 17.479,00. Puro cabide de emprego!

Como podemos imaginar a perfectibilização do direito à saúde, ao trabalho, ao lazer e à infância sem a tutela jurídica e proteção dos mananciais nacionais das águas subterrâneas, conciliada com o desenvolvimento econômico, mola mestra do sistema capitalista vigente, se estamos preocupados com reuniões temáticas para criar agências de águas do Peru?

Que não sirva a omissão estatal no gerenciamento público e na proteção deste precioso recurso de discurso para a política expansionista, intervencionista e bélica dos Estados Unidos da América e a usurpação da biodiversidade nacional por empresas estrangeiras.

Justamente aí reside a ameaça externa citada no início do artigo. Neste ponto vale lembrar que o direito ambiental está vinculado à soberania e por isso inserido na prerrogativa constitucional e legal de fazer valer nossos direitos dentro do território brasileiro.

Não se trata de empunhar a encardida bandeira do “Xô Yankees” ou assumir qualquer postura extremista. O fato é que desde o início da Guerra Fria a nação norte-americana vem arrumando pretextos, ora ideológicos, (anticomunismo) ora estratégicos (petróleo), ora estritamente militares (testes nucleares, desenvolvimento de sistema antimíssil) para manter viva a indústria bélica e assim sustentar parte de sua economia. A razão aparente varia, mas a motivação sempre é capitalista.

O discurso já está pronto. O World Water Council, Conselho Mundial da Água que organiza o Forum Mundial da água, cuja formação aparentemente é multidisciplinar e paraestatal, antecipa a retórica em seu sítio na internet:

“The numbers may suggest that we are using only a small fraction of the available resources and that we should be able to increase this share fairly easily. Not so, for the following reasons:

Of global water resources, a large fraction is available where human demands are small, such as in the Amazon basin, Canada, and Alaska.

The withdrawal and consumption figures do not show the much larger share of water resources “used” through degradation in quality—that is, polluted and of lower value for downstream function.

In many tropical river basins a large amount of water is available on average over the year, but its unequal temporal distribution means that it is not usable or that massive infrastructure is required to protect people from it and to store it for later use (…)5.

Percebe-se claramente que a ideia de que há desperdício de recursos hídricos e que seu não aproveitamento é por falta de investimento em infraestrutura. Também propaga o conceito de que os países tropicais estão degradando estes mananciais e que aqueles que detêm este recurso (leia-se Brasil) têm o dever de armazená-lo, ou melhor isolá-lo para uso posterior. O texto equipara Amazônia com regiões longínquas como Canadá e Alaska dando a entender que se trata de reservatório do planeta.

O Brasil, seguindo uma linha imediatista e eleitoreira tem negligenciado ao longo de sua história em relação ao saneamento básico, tratamento de efluentes e fornecimento e distribuição de água à sua população.

Dados do Instituto Trata Brasil apontam que “O Brasil é o 9º colocado no ranking mundial ‘da vergonha’ com 13 milhões de habitantes sem acesso a banheiro. (…) As 81 maiores cidades do país, com mais de 300 mil habitantes, despejam, diariamente, 5,9 bilhões de litros de esgoto sem tratamento algum, contaminando solos, rios, mananciais e praias do país, com impactos diretos a saúde da população. No Brasil 31% da população desconhece o que é saneamento, somente 3% relacionam à saúde e 41% não pagaria para ter seu domicílio ligado à rede coletora de esgotos”.

Ufanismos à parte, o planejamento e as ações, no que dizem respeito às águas profundas brasileiras, devem considerar a água como fonte de energia hidroelétrica, recurso propulsor das atividades econômicas e elemento vital para o exercício do direito à vida e evitar ameaças internas (por meio da conservação dos mananciais, implantação de políticas educacionais, técnicas de reaproveitamento e redução de desperdício).

Quanto às ameaças externas (geopolíticas) estas serão evitadas apenas se o país conseguir dar o exemplo de boa gestão interna dos recursos hídricos, perante a comunidade internacional. A água é o petróleo do futuro (no sentido de valor) e o Brasil pode se tornar o próximo vilão e vítima dos interesses internacionais.


Referências

1 – In Hidrologia Aplicada, Myrla de Souza Batista, Universidade Federal de Campina Grande – UFCG/DEC/CCT/UFCG – Pós-Graduação, Área de concentração: Recursos Hídricos.

2 – In: MILARÉ, Édis. Direito do Meio Ambiente: doutrina e jurisprudência. 5. Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p.217 a 218.



5 – Tradução: Os números podem sugerir que estamos usando apenas uma pequena fração dos recursos disponíveis e que podemos aumentar essa participação bastante facilmente. Não é assim, pelas seguintes razões: Dos recursos hídricos globais, uma grande fração está disponível onde as demandas humanas são pequenas, como na Amazônia bacia do Canadá e Alasca. O perfil de consumo não mostra que significativa parcela dos recursos hídricos são utilizados e obtidos por meio de degradação na qualidade — ou seja, por poluição e degradação de qualidade à jusante.Em muitas bacias tropicais uma enorme quantidade de água está disponível em média, durante todo o ano, mas sua desigual distribuição sazonal, mostra que há desperdício em razão de necessidade maciça de infraestrutura para proteger as pessoas contra ele (desperdício) e assim armazenar água para uso posterior (…) (in: www.worldwatercouncil.org).


*Roberto Marcondes de Azevedo é advogado, especialista em direito processual civil, administrador, auditor ambiental e pós graduado em Gestão e Direito Ambiental.

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