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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quinta-feira, 19 de março de 2015

EMBATES POLÍTICOS EM SC, QUE FORAM ÀS BARRAS DOS TRIBUNAIS (I)



Apelação Cível n. 2007.046010-4, de Criciúma
Relatora Designada: Maria do Rocio Luz Santa Ritta
DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO CONTUMELIOSA EM PERIÓDICO. DENÚNCIA DE COMPRA, POR AGENTE POLÍTICO (GOVERNADOR DO ESTADO), DE APOIO PARA AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS (COLIGAÇÃO FINANCIADA). RESPONSABILIDADE CIVIL: AUTOR DAS DECLARAÇÕES (DEPUTADO ESTADUAL) E EMPRESA JORNALÍSTICA. TRANSMISSÃO DA IDÉIA DE CORRUPÇÃO IDEOLÓGICA. PRESUNÇÃO DE FALSIDADE DA IMPUTAÇÃO, NÃO DERRUÍDA POR EXCEÇÃO DE VERDADE OU PROVA HÁBIL. LESÃO À HONRA OBJETIVA E SUBJETIVA. ECLOSÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL. IMUNIDADE PARLAMENTAR (ART. 42, CE) E LIBERDADE DE IMPRENSA (ART. 1°, LI C/C ART. 5°, IX, E ART. 220, CF) COMO FATORES DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE. INSUBSISTÊNCIA. OFENSAS RECITADAS FORA DO RECINTO PARLAMENTAR. FALTA DE CORRELAÇÃO (NÃO-PRESUMIDA, NESSE CASO) COM O EXERCÍCIO DO MANDATO. INVIOLABILIDADE MATERIAL QUE NÃO CONFERE AO PARLAMENTAR UM BILL OF INDEMNITY PARA OS ATOS EM QUE NÃO ATUA COMO TAL. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO: UMA PRERROGATIVA QUE NÃO ADQUIRE FORO DE ABSOLUTISMO. LIMITAÇÕES NO PRINCÍPIO DA VERACIDADE E NO DIREITO À HONRA (ART. 220, §1°, CF). APELO PROVIDO, COM INDENIZAÇÃO PELA LESÃO ANÍMICA.
1. Causa dano moral indenizável a publicação jornalística em que Deputado Estadual, por meio de empresa de comunicação social, atribui a Governador do Estado a falsa conduta de destinar recursos (de origem omitida) a dirigente de partido político com vistas à compra de apoio para as eleições municipais (coligação financiada), transmitindo à universalidade de leitores da matéria a idéia pejorativa de corrupção ideológica e de superposição de interesses financeiros ao compromisso com a ideologia partidária.
2. A imunidade parlamentar (art. 42, CE), sinônimo de inviolabilidade material, como fator excludente de ilicitude, é garantia de funcionalidade do regime democrático-representativo, liberando os representantes do povo de continências verbais por temores a represálias civis, criminais ou disciplinares, nos momentos em que o interesse público demanda manifestação contundente. Como prerrogativa deferida aos agentes políticos em razão do mandato, essa cláusula da imunidade só compreende, portanto, as causas estritamente relacionadas ao exercício da função parlamentar (legiferante ou fiscalizatória), mesmo que atípica, exigindo que se estabeleça, portanto, um vínculo de correlação entre o ato lesivo e o exercício da função pública representativa. Os atos que o parlamentar protagoniza em situação alheia à de agente político titular de mandato eletivo submetem-se ao regime geral de responsabilidade civil, criminal e administrativa, não ficando abrangidos pela garantia da imunidade.
2.1 O estabelecimento desse nexo de correlação entre ato e mandato, na atual interpretação, sujeita-se a importante distinção: (a) proferidas alusões contumeliosas ou difamantes no recinto do Parlamento, no espaço físico da Casa Legislativa, notadamente na Tribuna parlamentar, a conexão com o exercício do mandato ou com a condição de representante do povo é presumida, incidindo a imunidade como causa absoluta de exclusão. Nesse caso incumbe à própria Casa, verificado o excesso, coibir o abuso no uso livre da palavra; (b) havendo, porém, irrogação de ofensas na parte exterior da Casa Legislativa ou à imprensa, a imunidade supõe estrita relação de pertinência entre o ato e o mandato, não incidindo a causa de exclusão diante do abuso extra-parlamentar.
2.2. Dirigindo-se o parlamentar estadual a veículos de comunicação, e atuando fora, portanto, do recinto do Parlamento para divulgar uma falsa corrupção ideológica de coligação partidária no contexto das eleições municipais, a garantia da imunidade não incide para excluir a responsabilidade. Nesse caso não há correlação (não-presumida) entre a conduta e o exercício do mandato, ainda que sob o prisma da fiscalização, porque em momento algum se aludiu à natureza pública estadual dos valores envolvidos na trama, e porque dentre as atribuições cometidas a um parlamentar estadual (art. 39, I-XIII, CE e art. 40, I-XXV, CE) não reside a de censor das coligações formadas no âmbito dos Municípios, entes federados com autonomia política, sistemas e órgãos próprios de fiscalização. Não há imunidade fora de função.
3. Ao direito de informar franqueado à classe jornalística (art. 1°, LI c/c art. 5°, IX, e art. 220, da CF), projeção de prerrogativas constitucionais de primeira dimensão e fator de consolidação do regime democrático, corresponde o dever de informar correta e prudentemente, com respeito à honra alheia (art. 220, §1°, CF) e ao princípio da verdade, não se tratando de prerrogativa absoluta.
3.1. Revelando-se falsas as denúncias publicadas em periódico, e sendo tais denúncias manifestamente lesivas, a empresa jornalística que, conhecendo-as por terceiro, propaga-as ao público sem sindicar a possível veracidade da notícia incorre em grave violação ao dever geral de cautela (neminem laedere) e ao princípio da verdade, tisnando valiosos bens jurídicos como a honra objetiva e a subjetiva e respondendo pela respectiva reparação. Nesses casos não se está diante do exercício regular da liberdade de informação (art. 1°, LI c/c art. 5°, IX, e art. 220, da CF), que não se desvirtua para admitir que empresas jornalísticas, com o objetivo de circulação de exemplares, editem reportagens inverídicas alvejando os direitos de personalidade dos cidadãos.
4. Recurso provido, concedida indenização por danos morais.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.046010-4, da comarca de Criciúma (3ª Vara Cível), em que é apelante Esperidião Amin Helou Filho, sendo apelados Ronaldo José Benedet e AP - Empresa Jornalística Ltda.:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Na 3ª Vara Cível da Comarca de Criciúma, Esperidião Amin Helou Filho, então Governador do Estado, acionou judicialmente Ronaldo José Benedet, Deputado Estadual, e AP - Empresa Jornalística Ltda., responsável pela publicação do periódico 'Tribuna Criciumense', postulando a condenação dos demandados ao pagamento de indenização por danos morais, e invocando para tanto, comocausa petendi, supostas lesões à honra objetiva e subjetiva defluentes da publicação, na edição de 14/02/00 do periódico referido, de matéria jornalística com a seguinte redação:
"Benedet diz que Amin financia PDT: Deputado do PMDB acusa José Augusto Hülse de receber R$ 15 mil mensais do governador do Estado: repasse tem cinco meses.
O deputado estadual do PMDB, Ronaldo Benedet, acusa o ex-governador peemedebista José Augusto Hülse, agora PDT, de receber R$ 15.000,00 por mês do governador do Estado, Esperidião Amin, PPB. A verba, diz o deputado, é para financiar a formação do Diretório em Criciúma. O repasse é feito há mais de cinco meses, na época em que Hülse trocou de sigla.
Segundo as acusações de Benedet, o acerto foi feito em Florianópolis com o Presidente Estadual do PPB, Leodegar Tiscoski, e do secretário da Casa Civil, Celestino Secco. 'Foi tudo feito no Castelmar', garante. O ex-governador assegura que nunca se reuniu com ninguém do PPB e muito menos com o governador Amim ou com qualquer representante dos progressistas. 'É a mentira do século', qualificou.
O presidente do PDT em Criciúma, empresário Carlos Alberto Barata, diz que as únicas fontes de renda do diretório estão nos filiados, através de contribuições e da Executiva Estadual, como consta do estatuto. Para ele, se fosse mesmo verdade, o deputado deveria fazer uma sindicância. Mas prefere, critica Barata, se preocupar com coisas alheias e mostrar que é um homem irresponsável.
A munição de Benedet não termina aí. "Hülse foi uma decepção para o PMDB', e ainda, 'isso mostra que nós nunca soubemos apoiar nem escolher candidatos para o governo', dispara. O alvo também não é somente o PDT. 'Na campanha de 1988, o PT recebeu gasolina do PPB', emenda. Para o Presidente do PT, arquiteto Décio Góes, se a denúncia contra Hülse for comprovada, a coligação com o partido de Leonel Brizola fica difícil. "Mas tem que comprovar', alega, avisando que do contrário nada muda".
Citados, os réus apresentaram contestação em peças autônomas.
AP - Empresa Jornalística Ltda. argüiu, preliminarmente, nulidade de citação (art. 214 c/c art. 12, VI, CPC), decadência (art. 56, LI), falta de notificação premonitória (art. 57 LI c/c art. 301, IX, CPC) e ilegitimidade passiva ad causam (art. 267, VI, CPC). Ainda em preliminar, denunciou a lide a Guarany Pacheco, jornalista subscritor (art. 70, III, CPC). No mérito, afirmou que a matéria, informada por mero animus narrandi, não induz calúnia, difamação ou injúria, nem possui aptidão para lesar a imagem e ocasionar dano moral. Termos em que postulou extinção ou improcedência.
Ronaldo José Benedet, por sua vez, também acenou com preliminares de ilegitimidade ativa e passiva (art. 267, VI, CPC). No mérito, invocou, em linhas gerais, a imunidade parlamentar como fator de exclusão da responsabilidade civil (art. 27, §1° c/c art. 53, CF). Com isso pediu julgamento extintivo ou de improcedência.
Esperidião Amin Helou Filho replicou as contestações (fl. 185/211).
Houve rejeição e desistência das denunciações (fls. 218 e 245).
Sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (fls. 261/273):
"ANTE O EXPOSTO, julgo EXTINTO o feito sem resolução do mérito em relação ao requerido Ronaldo Benedet, com base no art. 267, VI e §3°, do CPC, e IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo autor em relação à empresa requerida, arcando o autor com as custas processuais e com a verba honorária que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para cada um dos requeridos, tudo conforme o art. 20, §4°, do CPC".
Inconformado, Esperidião Amin Helou Filho interpôs apelação alegando, em resumo: (a) que a imunidade parlamentar (art. 27, §1° c/c art. 53, CF), reconhecida na sentença em relação a Ronaldo José Benedet, não pode ser desvirtuada para excluir a ilicitude de ato alheio ao exercício do mandato, relacionado a "mera vindita político-pessoal"; e (b) que a presença de animus narrandi, reconhecida em relação à AP - Empresa Jornalística Ltda., não isenta a responsabilidade "dos assaques aos direitos individuais do cidadão (...) como a honra, a dignidade, a reputação e o decoro", sobretudo aqueles feitos sem que a empresa responsável realize uma prévia filtragem mediante "investigação que, inequivocamente, induza a um juízo de admissibilidade de afirmações tão temerárias". Pediu o provimento, com a imposição do dever de indenizar.
Contra-arrazoado o recurso pelos apelados, ascenderam os autos.
VOTO
1. Inicialmente, verifico que as preliminares de nulidade da citação (art. 214 c/c art. 12, VI, CPC), decadência (art. 56, LI), falta de notificação premonitória (art. 57 LI c/c art. 301, IX, CPC) e ilegitimidades ativa e passiva (art. 267, VI, CPC) foram corretamente rejeitadas pela sentença (fls. 263/267), encampada, portanto, no particular.
2. No mérito, a apreciação do pedido de danos morais deduzido no recurso circunda em torno de 02 (dois) eixos centrais: (a) a incidência ou não da imunidade parlamentar como fator de exclusão do dever de indenizar (art. 27, §1° c/c art. 53, CF) e (b) a prevalência ou não da liberdade da imprensa (art. 220, §1°, CF) nos atos de editar reportagens jornalísticas e divulgar denúncias formalizadas por terceiros.
Passo a analisá-los.
a. Imunidade parlamentar (pedido contra Ronaldo Benedet).
A imunidade parlamentar (art. 42, CE), sinônimo de inviolabilidade ou intangibilidade material, como fator excludente de ilicitude, é garantia de independência e funcionalidade do regime democrático-representativo, alforriando os representantes do povo de continências verbais por temores a repreensões civis, criminais (cf. AI 488819/MG, Min. Joaquim Barbosa) ou disciplinares (cf. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 11a ed. Atlas: 2002, p. 401), nos momentos em que o interesse público reclama manifestação contundente. Compreendendo palavras, opiniões e votos de Deputados, Vereadores e Senadores, em princípio a "inviolabilidade é total" (Raul Horta Machado. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey., 1995, p. 597).
Essa imunidade, porém, embora total, isto é, conquanto abranja as repressões nos campo civil, administrativo e disciplinar, encontra limites, porém, em seu espectro de incidência. A cláusula de alforria não incide universalmente em todos os atos da vida praticados pelo parlamentar, igualmente sujeito, enquanto pessoa natural, às leis da república, não lhe conferindo uma garantia de liberdade absoluta ou um verdadeiro bill of indemnity. Como prerrogativa deferida em razão do mandato, a cláusula da imunidade, pelo contrário, só compreende causas estritamente relacionadas ao exercício dessa função parlamentar, ainda que atípica, exigindo, portanto, que se estabeleça um nexo de correlação entre o ato lesivo (embora lícito) e o exercício da função pública. Os atos que o parlamentar não protagoniza enquanto tal, ou as condutas que o leva a efeito em situação alheia à condição de agente político titular de mandato eletivo, submetem-se ao regime geral de responsabilidade civil, criminal e administrativa.
Enfim: a imunidade pressupõe correlação com o mandato.
O estabelecimento dessa correlação, na atual interpretação da jurisprudência, sujeita-se a importante distinção: (a) proferidas alusões contumeliosas ou difamantes no recinto do Parlamento, no espaço físico da Casa Legislativa, notadamente na Tribuna parlamentar, a conexão com o exercício do mandato ou com a condição de representante do povo é presumida, incidindo a imunidade como causa absoluta de exclusão. Nesse caso incumbe à própria Casa, verificado o excesso, coibir o abuso no uso livre da palavra (cf. RE 140867/MS, Min. Marco Aurélio); (b) havendo, porém, irrogação de ofensas na parte exterior da Casa Legislativa (cf. Inq 1958, Min. Carlos Britto) ou à imprensa, a imunidade supõe estrita relação de pertinência entre o ato e o desempenho do mandato, não atuando a excludente diante do abuso extra-parlamentar.
O entendimento é bem sintetizado no seguinte precedente:
"INQUÉRITO. DENÚNCIA QUE FAZ IMPUTAÇÃO A PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA, COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E EM ENTREVISTAS CONCEDIDAS À IMPRENSA. INVIOLABILIDADE: CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E FORA DO PARLAMENTO.
A palavra 'inviolabilidade' significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão como exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada" (Inq. n. 1958/AC, Min. Carlos Britto).
O regime assim exposto gera conseqüências no caso.
Nele, fácil é ver que Ronaldo Benedet, Deputado Estadual, dirigiu-se a veículos de comunicação, na hipótese ao jornal 'Tribuna Criciumense', atuando fora, portanto, do recinto do Parlamento, afirmando que Esperidião Amim, Governador do Estado, estaria agraciando José Augusto Hülse com uma mesada de R$ 15.000,00, de origem não esclarecida, com o objetivo de viabilizar uma composição entre o PPB (atual PP) e o PDT para as eleições municipais para Prefeito e Vereadores de Criciúma.
É isso o que denuncia, em suma, a reportagem.
E no cenário dela não se configura, para fins imunizantes, a necessária correlação (não-presumida) entre as afirmações e o exercício do mandato de Deputado Estadual. As declarações à imprensa se inseriam, na verdade, no ambiente da corrida eleitoral para a Prefeitura e a Edilidade do Município de Criciúma, ente federado com autonomia política em relação ao Estado - em cujo papel de representante do povo o autor da denúncia se achava investido. O que se denunciava não traduzia o interesse do Estado, ou do povo residente no Estado, mas um suposto desvirtuamento na formação de coligações partidárias na circunscrição do Município (PPB-PDT), alegando o denunciante a superposição dos interesses pecuniários dos dirigentes dos partidos à orientação ideológica que deveria nortear a pauta de conduta de tais agremiações (cf. Paulo Márcio Cruz. Fundamentos do Direito Constitucional. Juruá: 2003, p. 207), com prejuízos à legitimidade das entidades representativas, ao compromisso ético de seus integrantes e ao próprio pleito municipal. Esse caráter estritamente político-partidário da declaração fica claro do sentido lógico da reportagem, associada às eleições municipais.
Ocorre que, dentre as elevadas atribuições cometidas a um parlamentar estadual, não reside a de lançar-se à imprensa como curador da integridade das eleições, ou como censor ético das coligações e dos apoios políticos, principalmente os formados no âmbito dos Municípios, entes federados dotados de autonomia política, sistemas e órgãos próprios de fiscalização. E daí resulta que, ao realizar insinuações em tal sentido, não estava o réu exercendo as funções de parlamentar estadual (típicas ou atípicas), tal como discriminadas, por parametria à Constituição Federal (arts. 48, I-XV, 49, I-XVII e 51, CF), na Constituição do Estado (39, I-XIII, CE e art. 40, I-XXV, CE), não havendo conexão com os misteres legiferante e fiscalizador de sua esfera competencial.
A prova mais eloqüente de que as declarações não encorpavam, especificamente, as atribuições fiscalizatórias dos parlamentares estaduais reside no fato de que em momento algum se cogitou da origem pública do dinheiro canalizado para a 'aliança partidária'. Ora, somente se se alegasse pública, e pública estadual, a fonte de custeio dos valores pagos pelo Governador, a intervenção do Deputado denunciando a prática lesiva se relacionaria com o dever de fiscalização inerente ao desempenho do mandato (art. 40, IX e XI, CE), abrangendo-se pela imunidade (art. 42, CE). Do contrário não, porque, sendo privado, ou não sendo público estadual o dinheiro utilizado, não é de competência do Deputado intervir, como tal, na dinâmica partidária das eleições municipais, sendo possível, nesse caso, que alegue eventuais irregularidades não como Deputado, mas como cidadão, submetendo-se, então, à responsabilização civil como todo cidadão. Não como beneficiário da imunidade material.
Aliás, se fosse mesmo pública a origem do repasse mensal de R$ 15.000,00, única hipótese em que as denúncias se ligariam ao exercício do mandato, é de presumir-se que o Deputado, ao tomar ciência do fato, formalizaria representação ao Ministério Público (para apurar crimes funcionais e atos de improbidade) e solicitaria, no âmbito da própria Assembléia Legislativa, a instauração de medidas investigativas (CPIs - para apurar crimes de responsabilidade), sob pena de leniência e de inobservância ao postulado de combate à improbidade administrativa infundido aos representantes do povo. Limitando-se o parlamentar, todavia, a vociferar, sem assumir nenhuma medida concreta no sentido da apuração e da repressão dos fatos narrados, é possível ratificar a conclusão de que a denúncia não dizia respeito à malversação política de verbas públicas estaduais, e que desta forma o Deputado, ao argüir as supostas irregularidades pela imprensa, não estava no desempenho imunizante do mandato eletivo (art. 42, CE).
Há nos autos do processo, inclusive, uma sugestiva reportagem noticiando que Ronaldo Benedet, autor das denúncias, tinha a pretensão de candidatar-se à Prefeitura de Criciúma nas mesmas eleições de 2.000 (fl. 180), e estava, portanto, pessoalmente envolvido com a vida eleitoral do Município. Esse detalhe deixa claro que, ao insurgir-se contra os bastidores da possível coligação PPB-PDT, não se encontrava o réu, à toda evidência, atuando como Deputado Estadual, mas como potencial candidato com o ímpeto de lançar uma acusação, uma verdadeira suspeição ética, contra os possíveis oponentes - pessoalmente seus (caso se confirmasse a candidatura) ou (caso contrário) do partido a que filiado. A denúncia aos jornais representava, assim, uma crítica à forma de composição das coligações, ou à compra do apoio político para as eleições municipais, investida de foro extra-parlamentar e que não traduz o exercício da função fiscalizatória atribuída aos Deputados, não subsistindo a incidência da imunidade.
Nesse mesmo sentido concluiu, aliás, em ação conexa (art. 103, CPC) por identidade de causa de pedir (mesma reportagem lesiva) e de objeto (indenização por danos morais), a Segunda Câmara de Direito Civil, em julgamento no qual foi mantida, em favor de Leodegar Tiscoski, a sentença de procedência do pedido. A ementa do julgado (AC 2002.010301-8), de lavra do Des. Newton Janke, é a seguinte:
"INDENIZAÇÃO DE DANO MORAL. ENTREVISTA JORNALÍSTICA. ACUSAÇÃO FEITA POR DEPUTADO ESTADUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. INOCORRÊNCIA. OFENSA À REPUTAÇÃO E À IMAGEM DA VÍTIMA. LESÃO CARACTERIZADA.
Tanto o órgão de imprensa, como a pessoa que concede entrevista increpada de ofensiva à honra, possuem legitimidade passiva na ação de indenização por danos morais movida pelo ofendido.
Para efeitos de responsabilidade civil, não cabe invocar a imunidade parlamentar material se não há nenhum nexo de causalidade entre a conduta lesiva e a atuação legislativa.
Ofende à reputação e à imagem da vítima a acusação, totalmente incomprovada, de que ela, conquanto presidente de determinada legenda partidária, seria responsável por elevado repasse de volume de dinheiro, de origem não esclarecida, destinado a financiar a organização e o funcionamento de outro partido político".
No corpo do voto são inscritas importantes considerações:
"No caso, porém, o réu-apelante concedeu uma entrevista na cidade de Criciúma, versando sobre uma questão de cunho estritamente político-partidário. Parece evidente a natureza marcadamente extra-legislativa da "denúncia" que tinha o nítido propósito de lançar suspeições éticas sobre adversários políticos, ou seja, nada que diga respeito com as atividades próprias do mandato parlamentar.
Se se tivesse dito que o malfadado "financiamento" estaria sendo realizado com verbas públicas, cuja aplicação o parlamentar tem o direito-dever de fiscalizar, a tese da imunidade material poderia ser acolhida, pois, então, poder-se-ia alegar que a iniciativa do réu inseriu-se no âmbito das atribuições que são cometidas à Assembléia Legislativa nos arts. 40 e 58, da Constituição Estadual. Não é o caso, porém.
Em outras palavras, não se verifica aqui a existência do nexo de causalidade entre as acusações/declarações e o exercício do mandato de deputado estadual.
Na ausência desse componente, incabível invocar a proteção constitucional, pois, como assentou o Supremo Tribunal Federal, 'as palavras dos parlamentares, que não tenham sido proferidas no exercício e nem em conseqüencia do mandato, não estão abrangidas pela imunidade parlamentar, É que há de existir, entre a atividade parlamentar e as declarações do congressista, nexo causal. Precedente do STF: Ing 1.710/SP, Min. S. Sanches, "DJ" de 28.6.2002' (RE 22.643-0, Min. Carlos Velloso, julgado em 03/08/2004).
Nestes termos, a imunidade realmente não incide.
Daí a necessidade de se reformar a sentença para infundir ao réu o dever de indenizar, porque presentes os quatro elementos que compõem a causa de pedir composta das ações de responsabilidade aquiliana. A procura espontânea da imprensa para a divulgação, sem qualquer prova, de notícia lesiva e que se presume falsa (cf. Damásio E. de Jesus. Direito Penal - Parte Especial. 2o V. 25a ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 214), com a acusação de compra de apoio eleitoral, transmite ao público a imagem pejorativa de corrupção político-ideológica, causando lesão (nexo causal) à imagem pública do autor (dano à honra objetiva) e abalos psíquicos de ordem íntima (dano à honra subjetiva). Essa conduta dolosa (nexo de imputação), excluída a imunidade, caracteriza ato ilícito (art. 49, LI), dispensando-se a imediata relação de conformidade entre o teor da divulgação e as figuras típicas de crime contra a honra previstas na Lei de Imprensa (cf. Rui Stoco. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 1.747 e cf. AC n. 2005.007993-8), ainda que, no caso, na melhor das hipóteses tenha havido difamação (art. 21, LI). Enfim, estão preenchidos os pressupostos para a eclosão da responsabilidade civil por danos morais.
As alegações do réu visando afastar tal responsabilidade, por outro lado, não prosperam. É que, se a matéria jornalística deriva de declarações de terceiro, este terceiro, na qualidade de entrevistado ou informante, responde juntamente com o veículo transmissor pelos danos morais defluentes da reportagem (cf. REsp n. 210961/SP). E no caso, o conteúdo dessa reportagem permite que a lesão atinja o demandante Esperidião Amin, inclusive mencionado na notícia jornalística, e não apenas o PPB (entidade política), inexistindo provas de que o declarante Ronaldo Benedet não tenha alvejado pessoalmente o autor, como se tudo fosse iniciativa exclusiva do jornal. Presume-se, aliás, o contrário, e a só acusação ao PPB já incluiria, reflexamente, a figura de seu exponencial em âmbito regional à época dos fatos - o Governador do Estado. Por fim, é fácil ver que as acusações lançadas não consistiam, ao revés do alegado, em fato público e notório, e tanto assim que causaram um certo estardalhaço, atípico nas trivialidades, e que sua veracidade jamais foi comprovada pelo denunciante.
Portanto, nada afasta a indenização por danos morais.
Consabido, por outro lado, que a quantificação do montante destinado à reparação de tais danos tem sido realizada de forma desapegada à tarifação prevista na Lei de Imprensa (arts. 51, I a IV, e 52), que s revela incompatível com a ampla tutela à honra e à imagem garantidas na nova ordem constitucional (cf. Súmula n. 281, STJ). A mensuração dos danos deve realizar-se, na verdade, de acordo com critérios universalmente aceitos pela jurisprudência, dentre os quais o grau de sofrimento psicológico ocasionado pelo ilícito, os antecedentes de honorabilidade do ofendido, a capacidade econômica das partes, a finalidade admonitória da sanção, para que o evento não se repita, e o próprio bom-senso, evitando a condescendência ou a cortesia.
Considerados tais critérios, tenho que a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com juros de mora desde o ilícito (cf. Súmula n. 54, STJ) e correção monetária a partir da presente decisão, eufemiza suficientemente os efeitos deletérios do ato ilícito, fielmente cumprindo, a um só tempo, as funções indenizatória e repressiva.
b. Liberdade de imprensa (pedido contra AP - Ltda.).
Em relação à AP - Empresa Jornalística Ltda., observo que ao direito de informar franqueado à classe jornalística (art. 1°, LI c/c art. 5°, IX, e art. 220, da CF), projeção de prerrogativas constitucionais de primeira dimensão e fator de consolidação do regime democrático, corresponde o dever de informar correta e prudentemente (cf. AC n. 2006.007043-8), com respeito à honra alheia (art. 220, §1°, CF) e em adstrição ao princípio da verdade (cf. Rui Stocco. Tratado de Responsabilidade Civil. RT, 2001, pg. 1.446). Não se trata de uma prerrogativa absoluta.
Melhor desenvolvi o assunto no corpo da AC n. 2003.025428-5:
"A liberdade de imprensa (art. 12, LI c/c art. 5°, IX, e art. 220, da CF), refletida numa comedida insubordinação das manifestações jornalísticas a fatores externos, é, a um só tempo, forma de tutela a direitos constitucionais de primeira geração e instrumento de fortalecimento e amadurecimento da democracia. O papel desempenhado pelos jornalistas e pelos veículos de comunicação é o de, manifestando o pensamento com liberdade relativa, informar a população sobre os acontecimentos que circundam uma determinada realidade, variando em âmbitos internacional, nacional, regional e local. É, em essência, o de manter o povo informado, passando-lhe notícias em primeira mão e atualizando-o acerca dos acontecimentos que lhe permeiam o cotidiano.
Bem por isso é que Rui Barbosa, citado na sentença, em lição ainda atual, feitas as devidas adaptações temporais, expõe que 'cada jornalista é, para ocomum do povo, ao mesmo tempo, um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. Bebidas com primeiro pão do dia, suas lições penetram até ofundo das consciências inexpertas, onde vão elaborar moral usual, os sentimentos e os impulsos, de que depende sorte dos governos e das nações'.
Nessa laudável atividade de angariação, compilação e divulgação de notícias, importa aos jornalistas e aos veículos de comunicação, contudo, espreitar certos limites de atuação. A liberdade jornalística não é absoluta e encontra contenções, dentre outros, na fidelidade aos fatos narrados (princípio da verdade) e, sobretudo, nos direitos à honra e à dignidade da pessoa humana (art. 220, §1°, da CF). A razoabilidade e o bom senso devem informar tal atividade, mantendo-a sempre na linha, certas vezes tênue, da esfera de licitude.
Sob essa perspectiva, o direito de informar, externando livremente o pensamento, afigura-se condicionado à observância de outros direitos coexistentes, tais quais a honra e a vida privada, que se lhe superpõem e cujas violações acarretam dever de indenizar (art. 5°, X, CF). Requer-se uma liberdade responsável, exercida sem excessos e não voltada a um sensacionalismo mercadológico. Ao direito de divulgar corresponde, assim, o prudente dever de bem divulgar, impondo aos jornalistas e veículos encontrar o equilíbrio necessário à tarefa, fazendo-a nem tanto ao céu, nem tanto ao mar.
Não diverge a lição de Rui Stocco, exímio tratadista que, perscrutando a responsabilidade civil em face da lei de Imprensa, ministra:
'A atual lei de imprensa (lei 5.250, de 1967) preceitua no artigo 1º: 'É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer'.
Fundamental observar que o preceito, ao mesmo tempo que garantiu a liberdade de manifestação do pensamento, e, em resumo, a liberdade de noticiar e de informar, afastou os óbices pertinentes aos meios de divulgação; impediu a dependência da notícia a alguma condição e proibiu a censura, seja prévia ou posterior. Aliás, o mesmo artigo 5º da CF/88 consagrou no inciso IX a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e da comunicação, independentemente de censura ou licença.
Entretanto, estabeleceu o limite da notícia: a divulgação deve estar contida na normalidade e na fidelidade do fato, pois proíbe-se expressamente o abuso.
[...]
Assim, não basta que a notícia seja verdadeira, que se licencie a sua divulgação. Impõe que seja colocada à disposição do público com as cautelas e reservas que o direito individual exige.
[...]
A solução prática e a perfeita interação e convivência dos preceitos exige de cada qual que se comporte com cautela e seriedade, pois se a divulgação de informação é um direito, a fidelidade ao fato, a ausência de excessos ou de sensacionalismo é um dever.
Não se admitem insinuações, interjeições, dubiedades, sensacionalismo ou dramatização ofensiva ou perniciosa sobre fatos verdadeiros.
Condena-se e pune-se no âmbito civil tanto a notícia falsa, forjada e sem pertinência fática, ou seja, a notícia inexistente no plano fenomênico, como a notícia verdadeira mas travestida, desvirtuada ou divulgada com excesso e abuso.
[...]
Evidentemente que o excesso com poder ofensivo não necessita configurar crime contra a honra (calúnia, difamação e injúria) para ensejar reparação, nem importa a circunstância de o ofensor ter sido absolvido no âmbito criminal. Mas impõe-se que o agente de divulgação tenha agido com dolo (intenção de ofender) ou culpa, nas modalidades clássicas criadas pela doutrina" (Tratado de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.445/1.446).
Também Pedro Frederico Caldas, em obra específica intitulada Vida Privada. Liberdade de Imprensa e Dano Moral (Saraiva, 1997, p. 65), obtempera, em igual sentido, que "A liberdade de imprensa não implica salvo-conduto para queproprietário do veículo de informação ou jornalista agrida impunemente direito atribuídos à pessoa. A liberdade de veiculação de informação exige oprincípio da verdade, pois, como adverte José Afonso da Silva, é reconhecido odireito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incidedever de informar à coletividade tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-Ihes a verdade ou esvaziar-Ihes sentido original; do contrário, se terá não informação, mas deformação".
Havendo excesso e inverdade, surge, pois, o dever de indenizar.
No caso, não estando o parlamentar no exercício do mandato (como visto), a regra imunizante não se estende à empresa jornalística que propaga o discurso lesivo, competindo-lhe, como compete a todo agente econômico, cercar-se dos cuidados necessários (neminem laedere) para não exceder a liberdade de imprensa e evitar a danificação da imagem alheia, sob pena de responder pela reparação correlata.
A ausência desse dever objetivo de cuidado, porém, reluz no caso.
É que, no regime jurídico brasileiro, para efeitos civis e penais, a imputação de fatos determinados lesivos à honra alheia, difamantes ou caluniosos, se presume sempre falsa (cf. Damásio E. de Jesus. Direito Penal - Parte Especial. 2o Vol. 25a ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 214 e Julio Fabbrini Mirabete.Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2003, v. 2. p. 155-156), competindo ao responsável pelas acusações, para exonerar-se de responsabilidade, comprovar-lhes a autenticidade mediante exceção de verdade (art. 49, §1°, LI e cf. AC n. 2006.007043-8). A completa inexistência de provas de que as imputações lesivas dizem com fatos verídicos conduz, portanto, à conclusão de falsidade das acusações, conclusão essa que se firma no caso, em que não há o menor sinal probatório de que o Ex-Governador Esperidião Amin realmente disponibilizava recursos financeiros com o objetivo de granjear apoio político.
Sendo falsas (para os efeitos legais) as imputações, e sendo estas manifestamente lesivas, a empresa jornalística que, conhecendo-as por terceiro, propaga-as ao público sem proceder a qualquer filtragem, com o objetivo de que circulem seus periódicos, incorre em grave violação aoprincípio da verdade, tisnando valiosos bens jurídicos como a honra objetiva e a subjetiva e respondendo pela respectiva reparação. Nesses casos não se está diante do exercício regular da liberdade de informação (art. 1°, LI c/c art. 5°, IX, e art. 220, da CF), que não se desvirtua para admitir que empresas jornalísticas, com o objetivo de vender e ter audiência, editem matérias inverídicas, não raro sensacionalistas, alvejando direitos de personalidade do cidadão. O Direito de informar não é regularmente exercitado se existe inverdade lesiva.
Conclusão nesse sentido não menoscaba, por evidente, o importante papel da classe jornalística no Estado Democrático de Direito, nem amesquinha a missão da imprensa no sentido de conscientizar a população para o despertar da cidadania, expondo, com vigor, os atentados à ordem republicana ainda hoje existentes no País. As virtudes da atividade de comunicação social não legitimam, porém, as acusações levianas realizadas contra terceiros, baseadas (no caso) em meras informações verbais prestadas 'voluntariamente' por adversários políticos, desprovidas de prova de qualquer natureza. Nesses casos, recebendo a empresa jornalística acusações com potencial lesivo, cabe-lhe certificar-se da veracidade de tais assaques antes de levá-los a público, procurando saber se existem mesmo provas concretas ou indícios da conduta narrada, se foi instaurado, em caso de crime, inquérito policial ou qualquer outra medida investigativa, enfim, diligenciar para apurar a autenticidade daquilo que publica, sob pena de, não realizando essa filtragem, ignorar o dever geral de cuidado com a honra alheia e maculá-la sem uma base material válida, sem que ocorra (como no caso) o próprio fato lesivo que serviu como notícia. A liberdade de imprensa não pode ser objeto de veneração ortodoxa, nem pode ser sublevada a esse patamar, sendo palmar a ilicitude da propogação, sem prova, de fatos contumeliosos inexistentes.
Nem mesmo o propósito exclusivo de narração (animus narrandi), por vezes excludente da responsabilidade jornalística (cf. AC n. 2006.029034-6), tem o efeito de infirmar o dever de indenizar em tais casos. A excludente só incide quando a empresa se limita a descrever, sem juízo de valor, um fato constrangedor ou lesivo, não abrangido pela garantia de intimidade, e que realmente tenha acontecido. Quando se limita a notícia, portanto, a narrar fato lesivo existente. Se a empresa jornalística, porém, sem proceder a prévia sindicância ou a qualquer espécie de filtro, vem a divulgar afirmações irresponsáveis e falsas prestadas por terceiros, contribuindo para que essas afirmações lesivas ganhem notoriedade sem jamais terem sequer se verificado na realidade fenomênica, não se está diante de hipótese de exercício regular e responsável do direito de informar (art. 27, I-IX, LI), eclodindo, assim, a responsabilidade por danos.
Em conclusão, evidente é a antijuridicidade da publicação (ato ilícito), diante da falta de cautela em divulgar, sem qualquer certificação, uma imputação lesiva (dano) que se presume falsa (culpa), conclusão não afastada, no caso, pela liberdade de imprensa ou pela divulgação de matéria com mero animus narrandi, repetindo-se, em todos os aspectos, os pressupostos para o surgimento da responsabilidade civil acima expostos (item 'a'). Sopesados os critérios de arbitramento também analisados (item 'a'), sobretudo o grau de culpa e a capacidade econômica da lesante, empresa responsável pelo periódico, tenho os danos morais a serem pagos devem ser arbitrados no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), com juros moratórios à taxa legal desde o ilícito e correção monetária, pelo INPC, contada da presente decisão.
3. Com essas considerações, voto pelo provimento ao recurso.
DECISÃO
Por maioria de votos, a Câmara dá provimento do recurso interposto por Esperidião Amin para (a) condenar Ronaldo Benedet ao pagamento de danos morais arbitrados em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com juros de mora a contar da publicação lesiva (de 0,5% a.m. até 11/01/2003 e 1% a.m. daí em diante) e correção monetária a partir da presente data, assim como honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação (art. 20, §3°, CPC); e para (b) condenar a AP - Empresa Jornalística Ltda. ao pagamento de danos morais arbitrados em R$ 8.000,00 (oito mil reais), com juros de mora a contar da publicação lesiva (de 0,5% a.m. até 11/01/2003 e 1% a.m. daí em diante) e correção monetária a partir da presente data, bem como estipêndio honorário arbitrado em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (art. 20, §3°, CPC). Vencido o Exmo. Sr. Des. Henry Petry Júnior, que negava provimento ao recurso.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Henry Petry Júnior.
Florianópolis, 13 de maio de 2008.
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Relatora DESIGNADA
Declaração de voto vencido do Juiz Henry Petry Junior
Ementa Aditiva do Exmo Sr. Des. Juiz Henry Petry Junior
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. REPORTAGEM JORNALÍSTICA. DECLARAÇÕES TIDAS POR OFENSIVAS DE DEPUTADO ESTADUAL À AGENTE POLÍTICO. I - PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS/DIREITOS CONSTITUCIONAIS. LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO VERSUS INVIOLABILIDADE DA HONRA E DA IMAGEM. MERO ANIMUS NARRANDI. II - PARLAMENTAR. CRÍTICAS POR MEIO DA IMPRENSA CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO. CONTEÚDO DE INTERESSE PÚBLICO. IMUNIDADE PARLAMENTAR. ALCANCE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 27, § 1°, E 53 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES DO STF. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONDENATÓRIO. MANUNTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1. "A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a consequente destruição da tendencial unidade axio-lógico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismoentre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma «lógica do tudo ou nada», antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu «peso» e as circunstâncias do caso". (CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Direito Constitucional. 6 edCoimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 190).
Realizada a necessária ponderação e sopesados os princípios/direitos aparentemente conflitantes, relativiza-se o resguardo à honra e à imagem de agente político (governador de Estado), com preponderância na espécie da livre manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa, quando as críticas, impregnadas de animus narrandi, limitam-se à vida pública (portanto, de interesse coletivo) daquele que se tem por ofendido.
2. "No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (animus criticandi) ou a narrar fatos de interesse coletivo (animus narrandi), está sob o pálio das "excludentes de ilicitude" (art. 27 da Lei nº 5.250/67), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do direito de informação. [...]". (REsp 719592, de AL. Quarta Turma. Rel. Min. JORGE TADEO FLAQUER SCARTEZZINI. DJU em 01/02/2006).
3. A EC 35/2001 deu nova fórmula redacional à regra inscrita no art. 53, caput, da Constituição da República. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já havia firmado posicionamento no sentido de estender o alcance da imunidade material ao plano da responsabilidade civil, impedindo com isso que o membro do Poder Legislativo viesse a ser condenado ao pagamento de indenização em razão de suas palavras, opiniões, votos ou críticas resultantes da prática de seu ofício legislativo.
4. A proteção resultante da garantia da imunidade em sentido material alcança o parlamentar nas hipóteses em que as palavras e opiniões por ele proferidas tenham sido exaradas no exercício do mandato ou em razão dele, mesmo que fora da casa legislativa, e encerrem interesse público, cessando essa especial tutela de caráter político-jurídico sempre que houver ofensa pessoal ou deixar de existir, entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, o necessário nexo de causalidade.
Na comarca de Criciúma, Esperidião Amin Helou Filho ajuizou ação condenatória pleiteando indenização por danos morais em face de Ronaldo Benedet e do Jornal Tribuna Criciumense, este último sob a responsabilidade de AP - Empresa Jornalística Ltda.
Informou que em 14 de fevereiro de 2000, na página 03 do periódico acionado, foram publicadas declarações do primeiro réu, então Deputado Estadual de Santa Catarina, que ofendiam sua honra objetiva e subjetiva, imputando-lhe, dentre outros, a prática de crimes eleitorais e contra a administração pública.
Requereu, em razão disso, a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos.
Devidamente citados, os réus apresentaram resposta na forma de contestação, em peças autônomas.
O réu AP - Empresa Jornalística Ltda. alegou, preliminarmente: 1) falta de citação válida; 2) decadência; 3) ausência da notificação exigida na Lei de Imprensa; e 4) ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, apontou que tão-somente narrou os fatos articulados pelo Deputado Estadual, embuído deanimus narrandi, razão por que não há razão para sua condenação. Por fim, requereu a denunciação da lide do primeiro réu e do jornalista Guarany Pacheco, autor da reportagem (fls. 33-44).
O réu Ronaldo José Benedet também trouxe preliminares em sua contestação: 1) ilegitimidade passiva ad causam; e 2) ilegitimidade ativa ad causam. No mérito, defendeu que possui imunidade parlamentar. Logo, não pode ser condenado em razão das palavras proferidas no exercício do cargo. Por fim, sustentou que nunca citou o nome do autor na entrevista concedida, sendo de responsabilidade do jornalista a interpretação de que, ao falar do partido político PPB, estava o Deputado se referindo, especificamente, ao então Governador do Estado de Santa Catarina (fls. 52-82).
Julgando antecipadamente a lide, o Juiz Rogério Mariano do Nascimento, em 04 de maio de 2007, afastadas as preliminares suscitadas, extinguiu o processo, sem resolução do mérito, quanto ao réu Ronaldo José Benedet, diante de sua imunidade parlamentar, enquanto que, por outro lado, julgou improcedente o pedido do autor em face do réu AP - Empresa Jornalística Ltda., pois não verificou ofensa, de sua parte, dirigida contra o autor (fls. 261-273).
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação às fls. 276-281 reiterando os termos lançados na inicial e requerendo a procedência do pedido indenizatório de danos morais contra os dois réus.
Em 13 de maio de 2007, esta Terceira Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, decidiu por conhecer do recurso e dar-lhe provimento, condenando ambos os réus ao pagamento de indenização por danos morais.
Ouso, contudo, divergir do entendimento adotado pela maioria, entendendo que a sentença de primeiro grau deve ser mantida, conhecendo-se do recurso negando-se-lhe provimento.
O embasamento do pedido indenizatório formulado pelo autor repousa na notícia veiculada no Jornal Tribuna Criciumense, de 14 de fevereiro de 2000, intitulada "Benedet diz que Amin financia PDT - Deputado do PMDB acusa José Augusto Hülse de receber R$ 15 mil mensais do governador do Estado; repasse tem cinco meses".
A referência direta ao autor, à época Governador do Estado de Santa Catarina, encontra-se no título da reportagem e em seu primeiro parágrafo:
CRICIÚMA - O deputado estadual do PMDB, Ronaldo Benedet, acusa o ex-governador peemebedista José Augusto Hülse, agora PDT, de receber R$ 15 mil por mês do governador do Estado, Esperidião Amin, PPB. A verba, diz o deputado, é para financiar a formação do diretório em Criciúma. O repasse é feito há mais de cinco meses, na época em que Hülse trocou de sigla. (fl. 20).
Segundo o autor, a partir dessas imputações, os réus estariam lhe imputando a prática de crimes previstos no Código Penal (peculato - art. 312) e no Código Eleitoral (arts. 299 e 300), atingindo sua honra objetiva e subjetiva.
Pretensão contra o veículo de comunicação
De início, friso que no presente caso estão em discussão dois valores assegurados na Constituição da República: de um lado, a liberdade de imprensa e livre manifestação do pensamento e, de outro, a inviolabilidade da honra e da imagem.
Nossa Magna Carta, de 5 de outubro 1988, estabelece em seus arts. 5º e 220:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
[...].
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Ao contrário do conflito entre regras - que se resolve com a subsunção -, no conflito entre princípios constitucionais ou direitos fundamentais a solução repousa na ponderação, com a conseqüente relativização do princípio preterido, levada em conta, sempre, a hipótese sub judice.
O constitucionalista português JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO explica que:
O facto de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais. Considerar a constituição como uma ordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significaria esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais, transportadores de idéias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até antagônicos ou contraditórios. O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e antagonismo de ideias subjacentes ao pacto fundador.
A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a consequente destruição da tendencial unidade axio-lógico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismoentre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma «lógica do tudo ou nada», antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu «peso» e as circunstâncias do caso. (in: Direito Constitucional. 6 ed.Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 190).
A ponderação de princípios a ser realizada nos autos é explicada por SÉRGIO CAVALIERI FILHO, que assim acentua:
"Com efeito, ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X o seu art. 5º, dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Isso evidencia que, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém; deve o intérprete procurar as recíprocas implicações de preceitos e princípios até chegar a uma vontade unitária na Constituição, a fim de evitar contradições, antagonismos e antinomias." (in: Programa de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.129-132).
Realizada a necessária ponderação e sopesados os princípios aparentemente conflitantes, relativiza-se o resguardo à honra e à imagem de agente político, em face da livre manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa, quando as críticas tecidas limitam-se à sua vida pública e à sua atividade profissional, que é de interesse coletivo, levando-se em consideração as bases democráticas do Estado brasileiro e o caráter representativo de suas atribuições, enquanto Governador.
A liberdade de imprensa e manifestação do pensamento, quando exercidos dentro dos limites previstos constitucionalmente, não provocam danos indenizáveis por violação à honra e à imagem.
Como prescreve a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 1967) em seus arts. 1º,caput e 49, I, II e §1º:
Art . 1º. É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer.
Art . 49. Aquêle que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:
I - os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, números II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúrias;
II - os danos materiais, nos demais casos.
§ 1º Nos casos de calúnia e difamação, a prova da verdade, desde que admissível na forma dos arts. 20 e 21, excepcionada no prazo da contestação, excluirá a responsabilidade civil, salvo se o fato imputado, embora verdadeiro, diz respeito à vida privada do ofendido e a divulgação não foi motivada em razão de interêsse público.
Logo, o veículo de comunicação, quando embuído apenas do animus narrandi, sem tecer comentários depreciativos particulares do jornalista responsável pela matéria, está exercendo seu direito constitucional de livre comunicação. E, no caso sob análise, observo que o jornalista ateve-se à narrativa dos fatos, reproduzindo as declarações do Deputado Ronaldo José Benedet, primeiro réu.
Preocuparam-se o jornalista e o veículo de comunicação em manter a imparcialidade imprescindível à mídia, atendo-se à narrativa dos fatos e buscando a versão dos enumerados nas declarações do primeiro réu - ex-governador José Augusto Hülse, o Presidente do PDT em Criciúma, Carlos Alberto Barata, e o Presidente do PT, Décio Góes.
Mais. Abaixo da foto que ilustra a notícia encontra-se a seguinte frase: "Ex-governador diz que nunca se reuniu com PPB e que acusação é mentira" (fl. 20). Há no periódico, portanto, clara narrativa dos fatos, sem juízo de valor por parte do jornalista, além de uma busca em consignar os dois lados da questão: acusador e acusados.
Eis o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
1) RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. LEI DE IMPRENSA. ACÓRDÃO. OMISSÃO. AFRONTA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ART. 49 DA LEI Nº 5.250/67. DIREITO DE INFORMAÇÃO. ANIMUS NARRANDI. EXCESSO NÃO CONFIGURADO. [...]. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. [...]. 2. A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação não é absoluto, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (animus criticandi) ou a narrar fatos de interesse coletivo (animus narrandi), está sob o pálio das "excludentes de ilicitude" (art. 27 da Lei nº 5.250/67), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do direito de informação. 4. [...]. (REsp 719592, de AL. Quarta Turma. Rel. Min. JORGE TADEO FLAQUER SCARTEZZINI. DJU em 01/02/2006) (grifei); e
2) PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 20 E 22, C/C ART. 23, III DA LEI DE IMPRENSA. QUEIXA. TRANCAMENTO. LIBERDADE DE IMPRENSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. MATÉRIA VEICULADA EM JORNAL. ANIMUS NARRANDI. DIREITO À INFORMAÇÃO.
I - Para a configuração dos crimes de calúnia e injúria previstos na Lei de Imprensa, é indispensável que se tenha, acerca das publicações veiculadas na mídia, ao menos indícios de que o réu que as fez publicar, tenha agido imbuído de animus injuriandi e caluniandi. II - Constatada a hipótese - como no presente caso - de que se sucedeu tão somente a divulgação de notícias de inegável interesse público, ausente ainda evidência de má-fé ou sensacionalismo infundado, por parte do acusado, resta a constatação da presença de simples animus narrandi, inerente à atividade jornalística. III - Tanto a Constituição Federal (ex vi art. 220, § 1º) como a Lei de Imprensa (art. 27) asseguram o livre exercício da liberdade de informação, buscando, justamente, assegurar ao cidadão o direito à informação, medida indispensável para o funcionamento de um Estado Democrático de Direito. Writ concedido. (HC 62.390. Proc. 2006/0149408-8/BA. Quinta Turma. Rel. Min. FELIX FISCHER. Decisão em 26/09/2006).
Entender o contrário, conforme ressaltado na jurisprudência da Corte Superior, acarretaria em ceifar não só a liberdade de imprensa como o direito da sociedade de acesso à informação, dois dos pilares do qualquer Estado Democrático de Direito.
Somente, então, do prolator direto das declarações seria possível alguma responsabilização - no caso, o réu Ronaldo José Benedet. Todavia, em razão de ser Deputado Estadual à época, algumas considerações devem ser feitas a priori.
Pretensão contra Ronaldo José Benedet
De acordo com CELSO RIBEIRO BASTOS, em sua obra Curso de Direito Constitucional, 20 ed., Editora Saraiva, ano 1999:
As imunidades parlamentares representam elemento preponderante para a independência do Poder Legislativo. São privilégios, em face do direito comum, outorgados pela Constituição aos membros do Congresso para que estes possam ter um bom desempenho das suas funções. Para um bom desempenho é preciso que os parlamentares tenham ampla liberdade de expressão (pensamento, palavras, discussão e voto) e estejam resguardados de certos procedimentos legais. São as imunidades material e processual, respectivamente.
[...].
Em contrapartida os congressistas, desde que diplomados e empossados, não poderão praticar uma série de atos que influiriam em suas atividades próprias, as quais exigem total independência (art. 54). Perderá o parlamentar o seu mandato caso infrinja as vedações previstas no art. 54, como também, por exemplo, se tomar atitudes incompatíveis com o decoro parlamentar e as de mais proibições constantes do art. 55. (p. 349)
A EC 35/2001 deu nova fórmula redacional à regra inscrita no art. 53, caput, da Constituição da República. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já havia firmado posicionamento no sentido de estender o alcance da imunidade material ao plano da responsabilidade civil, impedindo com isso que o membro do Poder Legislativo viesse a ser condenado ao pagamento de indenização em razão de suas palavras, opiniões, votos ou críticas resultantes da prática de seu ofício legislativo:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. [...]. ACÓRDÃO QUE, PROVENDO APELAÇÃO DE SENTENÇA QUE EXTINGUIRA O PROCESSO POR ENTENDER INCIDENTE O ART. 53, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO, ASSENTA O CONTRÁRIO E DETERMINA A SEQÜÊNCIA DO PROCESSO. RE CABÍVEL. [...]. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL (CONST. ART. 53). ÂMBITO DE ABRANGÊNCIA E EFICÁCIA.
1. Na interpretação do art. 53 da Constituição - que suprimiu a cláusula restritiva do âmbito material da garantia -, o STF tem seguido linha intermediária que, de um lado, se recusa a fazer da imunidade material um privilégio pessoal do político que detenha um mandato, mas, de outro, atende às justas ponderações daqueles que, já sob os regimes anteriores, realçavam como a restrição da inviolabilidade aos atos de estrito e formal exercício do mandato deixava ao desabrigo da garantia manifestações que o contexto do século dominado pela comunicação de massas tornou um prolongamento necessário da atividade parlamentar: para o Tribunal, a inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente. 2. [...]. 3. A imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade. 4. A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se tem ocupado especificamente do tema. (RE 210917, do RJ. Tribunal Pleno. Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Decisão em 12/08/1998. DJU 18/06/2001) (grifo nosso).
Tenho, então, que a imunidade parlamentar atua como verdadeira proteção ao membro do Poder Legislativo quanto às suas opiniões, palavras e votos, independentemente do local em que foram proferidas àquelas porventura ofensivas. A Carta Maior demonstra, com essa proteção especial conferida ao parlamentar, uma preocupação com o desempenho das funções que compõem o ofício legislativo. Permite, com isso, um amplo exercício de liberdade de expressão, independente do local em que seja manifestada - dentro ou fora da Casa legislativa -, desde que as declarações pronunciadas fora de sua sede guardem conexão direta com o exercício do mandato ou em razão dele.
Para o Supremo Tribunal Federal, antes e depois da promulgação da EC 35/2001, a proteção resultante da garantia da imunidade em sentido material somente alcança o parlamentar nas hipóteses em que as palavras e opiniões por ele proferidas o tenham sido no exercício do mandato ou em razão dele, cessando essa especial tutela de caráter político-jurídico sempre que deixar de existir, entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, o necessário nexo de causalidade:
"O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguirem as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas, não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada." (Inq 1.958/AC, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO, Pleno - grifei). (STF. AI 473092, do AC. Decisão monocrática. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Decisão em 07/03/2005) (grifo nosso).
A imunidade parlamentar, no sentido material, busca viabilizar o exercício independente do mandato. Importante trazer à tona os ensinamentos de MICHEL TEMER, na obra Elementos de Direito Constitucional, 18 ed., Editora Malheiros, ano 2000:
Opiniões e palavras que, ditas por qualquer pessoa, podem caracterizar atitude delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar. Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato. Quer dizer: o parlamentar, diante do Direito, pode agir como cidadão comum ou como titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não é coberto pela inviolabilidade. A inviolabilidade está ligada à idéia de exercício de mandato. Opiniões, palavras e votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do mandato representativo não são alcançados pela inviolabilidade. (p. 129).
É certo que, por força do prescrito no art. 27, § 1°, da Constituição da República, aplicam-se aos Deputados Estaduais as mesmas garantias e imunidades aplicáveis aos Deputados Federais e Senadores.
In casu, as imputações formuladas pelo réu Ronaldo José Benedet o foram em sua base eleitoral - o que é notório -, têm conteúdo público - e não, portanto, índole pessoal - e apresentam direta relação com o desempenho de seu mandato, com o que restam abarcadas pela imunidade parlamentar. Isso porque, conforme se observa na reportagem jornalística, estava o deputado denunciando supostas e eventuais irregularidades na administração pública e possíveis crimes eleitorais: repasses do Governador para financiar a formação do diretório do PDT em Criciúma (fl. 20).
Verdadeiras ou não as denúncias, o que se tem é que o réu Ronaldo José Benedet encontrava-se protegido de qualquer indenização por danos morais em razão da imunidade parlamentar constitucionalmente prevista. Praticava, por assim dizer, discurso ínsito ao seu ofício, não desbordando dos limites decorrentes da imunidade. Aliás, não há ofensa propriamente, mas sim crítica, contundente quiçá, mas de conteúdo eminentemente político.
Como bem lançou o magistrado singular na sentença:
Embora no caso dos autos as afirmações do primeiro requerido na forma em que foram publicadas pela segunda ré não esclareçam de forma contundente se os repasses mencionados por aquele se davam ou não com a utilização de verba pública, bem se vê que a intenção do primeiro requerido era de denunciar possíveis irregularidades no Governo Estadual, porquanto, ao efetuar a denúncia, envolveu na mesma o nome do Sr. Celestino Secco, è época, secretário da Casa Civil, relatando que [...] "o acerto foi feito em Florianópolis, com o presidente estadual do PPB, Leodegar Tiscoski, e do Secretário da Casa Civil, Celestino Secco." [...].
Não se pode portanto, pretender excluir a imunidade material do então Deputado Estadual, haja vista que tal imunidade foi criada pelo Poder Constituinte Originário e ampliada pelo Poder Constituinte Reformador exatamente para garantir aos parlamentares a liberdade de realizar denúncias quando necessário, objetivando a elucidação de quaisquer fatos à população em virtude do interesse público fortemente presente em tais situações. (fl. 269-270) (grifo nosso).
Desnecessário qualquer acréscimo específico.
Algumas notas acerca da apelação cível n. 2002.010301-8
Por fim, importante alguns registros acerca da apelação cível n. 2002.010301-8, de relatoria do Des. Newton Janke, julgado 06 de março de 2008.
Tratava-se a ação, que deu origem à essa apelação, de indenizatória por danos morais ajuizado por Leodegar Tiscoski, em face de Ronaldo José Benedet e AP Empresa Jornalística Ltda. A causa de pedir repousa na mesma reportagem jornalística discutida no presente recurso de apelação, visto que os comentários tecidos pelo réu Benedet atingiram não só o então Governador do Estado como outros tantos agentes políticos, no caso, o então Secretário da Casa Civil.
Houve condenação ao pagamento de indenização por danos morais em primeiro grau - R$ 9.000,00 (nove mil reais) -, sentença que foi confirmada em sede recursal, ante o desprovimento dos recursos interpostos pelos réus Benedet e AP Ltda.
O argumento utilizado, tanto na sentença quanto no acórdão, para condenar os réus foi no sentido de que:
No caso, porém, o réu-apelante [Benedet] concedeu uma entrevista na cidade de Criciúma, versando sobre questão de cunho estritamente político-partidário. Parece evidente a natureza marcadamente extra-legislativa da "denúncia" que tinha nítido propósito de lançar suspeições éticas sobre adversários políticos, ou seja, nada que diga respeito com as atividades próprias do mandato parlamentar.
Se se tivesse dito que o malfadado "financiamento" estaria sendo realizado com verbas públicas, cuja aplicação o parlamentar tem o direito-dever de fiscalizar, a tese da imunidade material poderia ser acolhida, pois, então, poder-se-ia alegar que a iniciativa do réu inseriu-se no âmbito das atribuições que são cometidas à Assembléia Legislativa nos arts. 40 e 58, da Constituição Estadual. Não é o caso, porém. (AC. n. 2002.010301-8. Relator Des. Newton Janke).
De início, importante frisar que esse julgamento proferido na apelação cível n. 2002.010301-8 em nada interfere no resultado do presente recurso, ainda que os réus sejam os mesmos e que as declarações tenham sido veiculados na mesma matéria jornalística do veículo de comunicação "Tribuna Criciumense". Não há, como bem se pode observar, conexão entre as presentes demandas.
Segundo disposição do art. 103 do Código de Processo Civil, são conexas duas ou mais ações quando tiverem o mesmo objeto ou a mesma causa de pedir. Na conexão observa-se identidade entre o fundamento da ação ou o pedido, como ocorre com as ações que têm como fundamento um mesmo fato jurídico.
Preceitua o estatuto processual, ainda, que havendo conexão, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, juntar as ações propostas em separado para que sejam decididas simultaneamente (art. 105). O principal intuito da reunião dos processos conexos é se evitar decisões contraditórias, não se deixando de reconhecer que esse apensamento dos feitos, ainda, proporciona economia processual.
In casu, tanto os pedidos como as causas de pedir das duas demandas são diversos, ainda que decorrentes de uma mesma matéria jornalísticas. E, ainda que contrariamente fosse, a conexão não é de reconhecimento obrigatório pelo magistrado, mas apenas uma faculdade, buscando-se evitar decisões conflitantes entre si.
Ademais, ouso discordar do posicionamento adotado pelos Exmos. Des. integrantes da Segunda Câmara de Direito Civil, que participaram do julgamento da AC n. 2002.010301-8, quanto à imunidade parlamentar do réu Ronaldo José Benedet.
Para tanto, repiso os termos lançados no decorrer do voto acerca do assunto e acrescento julgado o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 210917, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, publicado no Diário de Justiça de 18 de junho de 2001:
[...].
8. Duas são as indagações a responder: a primeira, se o fato cabe no âmbito material da inviolabilidade parlamentar; a segunda, se a extensão da eficácia dessa imunidade real alcança, além da responsabilidade penal, a responsabilidade civil do parlamentar por danos morais oriundos das notícias.
9. À primeira questão, dá resposta afirmativa, ao que penso, a leitura vigente da jurisprudência do Tribunal sobre o art. 53 da Constituição, no ponto em que - rompendo linha constante dos textos constitucionais anteriores - deixou de restringir a esfera da imunidade real às manifestações emitidas pelo parlamentar "no exercício de suas funções" (Constituição do Império, art. 26; CF 1937, art. 43), "no exercício das funções do mandato" (CF 1934, art. 31), ou simplesmente "no exercício do mandato" (CF 1891, art. 19; CF 1946, art. 44, CF 1967, art. 34; CF 1969, art. 32).
[...].
12. Não chegou o Tribunal, é verdade, à posição extremada de entender irrestrita a imunidade, de modo a cobrir qualquer delito de palavra imputável a Deputados ou Senadores (cf, e.g., Sérgio O. Médici, Imunidades Parlamentares na nova Constituição, RT 666/403, abr. 1991).
13. Nem foi ao ponto de incluir, no âmbito da irresponsabilidade, toda e qualquer manifestação de caráter político do parlamentar como sustentam opiniões respeitáveis, como, em parecer no Inq. 390, o d. Procurador da República Eugênio Aragão (RTJ 129/971), em sede doutrinária, o il. Advogado Orcir Peres (Imunidade Parlamentar - Alcance, Rev. Br. C. Crim., 13/144) e, em decisão individual, de 1.8.97, no Inq 1296, o em. Ministro Nelson Jobim (DJ 14.8.97).
[...].
17. Estou em que a linha de nossa jurisprudência dá maior relevo à alteração constitucional discutida, como se verifica nos dois leading cases já referidos, nos quais a interpretação dela constituiu efetivamente premissa necessária das decisões dos casos concretos.
18. O primeiro é o Inq. 396, 21.9.89, relator o em. Ministro Gallotti: para concluir pela incidência da nova regra de imunidade real a "ofensa deferida fora do recinto das sessões, por Deputado Federal à honra de Senador, em razão de entrave que estaria sendo oposto, pelo último, à tramitação de projeto de lei", não foi preciso imputar juridicamente o discurso ofensivo ao exercício do mandato mas apenas reconhecer existente "a vinculação" - de natureza lógica - "entre o discurso questionado e a atividade parlamentar do representado".
19. Na linha do acórdão, proferi voto-vista (RTJ 131/1046), que desenvolvi ao relatar, pouco depois, em 29.9.89, o Inq. 390, de cujo voto peço vênia para recordar o seguinte:
"[...].
Estou assim em que, ainda quando se cuide de discursos políticos, é de excluir-se a imunidade material, se a ocasião, o local, o propósito ou outras circunstâncias relevantes evidenciarem a total desconexão do fato com o exercício do mandato ou a condição de parlamentar.
Por tudo isso, a mim me parece que, para compatibilizar a amplitude sem precedentes, da nova inviolabilidade parlamentar, com os princípios basilares da Constituição, entre os quais o do pluralismo e o da isonomia, o Tribunal deve reservar-se o poder de examinar, caso a caso, o contexto do fato, a fim de evitar que a prerrogativa legítima se converta em odioso privilégio.
[...].
15. O decisivo para que incida a regra da inviolabilidade parlamentar será, assim em cada caso, que haja um nexo de implicação recíproca entre a manifestação de pensamento do congressista , ainda que fora do exercício do mandato, e a condição de deputado ou senador.
16. Em outros termos, a imunidade material cobre hoje não apenas o que disser o mandatário no exercício do mandato, mas também em razão dele.
17. É induvidoso, assim, para voltar ao parecer da Procuradoria-Geral, não ser admissível "estender a vantagem ao cidadão acaso mandatário que inverte com ofensas, e.g., contra seu vizinho de residência, pois, nesse âmbito de interesses, não há considerá-lo sendo senador ou deputado federal" (fl. 41).
[...].
25. Serve de exemplo voto vencedor de Raul Pilla, em 1954, na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, citado por Pedro Aleixo (Imunidades Parlamentares, ed. Rev. Br. Est. Políticos, B. Horizonte, 1961, p. 71).
26. "As condições da vida moderna", acentuou o pranteado homem público gaúcho - " com os seus poderosos meios de difusão, como a imprensa, servida pela composição mecânica e por eficientes rotativas, o rádio, a televisão, não permitem se restrinja ao âmbito das Câmaras e das suas Comissões, internas ou externas, o exercício da função de representante da Nação. Deixou de ser um ambiente materialmente limitado pelas paredes de um edifício aquele em que se exerce a função parlamentar. Apresentado um projeto de interesse geral, proposta uma reforma importante, denunciado um abuso clamoroso, vê-se o representante desde logo assediado pela imprensa e pelo rádio, desejoso de melhor esclarecer o público. Forçoso se lhe torna, assim, ampliar o debate, com vantagem, aliás, do funcionamento do regime democrático. As casa do Parlamento" - enfatizava - "são hoje, apenas, o centro donde se irradia ação parlamentar em mais em si a podem confinar".
27. "E não é somente isto", prosseguia Pilla. "Divulgadas pela imprensa e pelo rádio acusações de um representante, os acusados vêm frequentemente a público para as rebater e revidar, sem esperar a ação dos órgãos de investigação parlamentar, necessariamente mais lenta. O representante vê-se, destarte, obrigado pelos próprios acontecimentos a transferir para cenário mais amplo a sua atuação parlamentar".
28. A esse reclamo de expansão da esfera de garantia para aos cenários mais amplos da atuação parlamentar contemporânea parece corresponder adequadamente o critério firmado nos precedentes de levar o alcance da imunidade até onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre a manifestação incriminada, ainda que fora do restrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente.
[...].
32. Mas - afora a evidência de a própria repercussão jornalística do fato ser indissociável da posição e da atividade parlamentar da subscritora das suspeitas -, de qualquer modo, em tema de imunidade parlamentar, é assente que não ilide a incidência da franquia a publicação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou até de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade.
33. O ponto está de há muito sedimentado na jurisprudência, [...].
34. Já então se rendia o Tribunal à evidência de que a publicidade dos debates parlamentares, fora dos limites e controles da imprensa oficial, era da essência do regime político (Edgard Costa, ob. locs.. cits, p. 197).
35. Sabidamente, porém, o império das comunicações de massa no mundo contemporâneo tornou insuficiente para assegurar o acesso da atividade parlamentar à opinião pública a veiculação pela imprensa do próprio texto dos discursos: essa realidade acentuada por vozes de peso [...] esteve certamente á base da opção do art. 53 da Constituição de 1988 de ampliar a esfera da inviolabilidade.
[...].
38. Resta a segunda questão, a de saber se a imunidade material do parlamentar com relação ao fato elide também a sua responsabilidade civil pelos danos morais conseqüentes.
[...].
41. Tanto assim que, dos mais antigos até os de hoje, quantos se ocuparam do problema são acordes no sentido de os efeitos da inviolabilidade parlamentar alcançarem a responsabilidade civil.
[...].
56. Certo, sob uma perspectiva puramente dogmática, nada impediria a Constituição de excluir a responsabilidade civil da tutela da imunidade material, reduzindo-a a uma excludente da criminalidade sem exclusão da ilicitude do fato.
57. Mas - além de seguramente inexistente no direito pátrio, como em qualquer Constituição democrática - e norma que assim dispusesse contrariaria gravemente as inspirações teleológicas do instituto da inviolabilidade como garantia da liberdade do exercício da missão do parlamentar: é manifesto que, conforme as circunstâncias, a imputação da responsabilidade civil pode ser tão ou mais inibitória da ação do mandatário político que a incriminação da conduta,
58. Não se desconhece que a afirmação da inviolabilidade parlamentar, ampliada às dimensões exigidas pela sociedade de massas pode acarretar injustiças às vítimas da leviandade por ela eventualmente acobertada; mas as instituições democráticas tem o seu custo, às vezes, cruel.
Ressalta-se, ainda, que apesar de fora do Plenário da Assembléia Legislativa e dos limites estritos dos arts. 40 e 58 da Constituição do Estado de Santa Catarina, o réu Ronaldo José Benedet agia sob o manto da inviolabilidade parlamentar, não havendo dados nos autos que apontem em outro sentido, ou seja, que os fins almejados com as acusações perpetradas estivessemdesconexos do exercício do mandato ou da condição de parlamentar.
A um representante do povo é dado não só que exerça a atividade eminentemente legislativa de produção de normas como também que "fiscalize" eventuais desvios dos demais agentes políticos.
Dessa forma, verifico apenas o aninus narrandi do réu AP - Empresa Jornalística Ltda. e o agir protegido do réu Ronaldo José Benedet, conforme imunidade parlamentar prevista no art. 53 da Constituição da República. Correta, pois, a decisão proferida pelo magistrado singular, não havendo motivos para sua reforma.
Por essas razões é que, sem embargo da maioria, divergi e votei pelo desprovimento do recurso.
Henry Petry Junior (cooperador)

Gabinete Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta

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