Esqueça o gim e adote o mescal
O destilado mexicano entra na milionária disputa pelo segmento ‘super premium’
Plantação de agave em Oaxaca (México). / ASSOCIATED PRESS
“O mescal se toma aos beijos.” Atrás do balcão, Ernesto Palafox, dono de La Mezcalería Madrid, corta em fatias um pedaço de laranja, serve-se de um gole dessa bebida destilada de agave e de um saquinho plástico tira um punhado de larvas, prontas para comer, que coloca em um pequeno prato branco. “É todo um ritual”, explica. A 10.000 quilômetros de distância do México, Palafox foi testemunha do boom internacional dessa bebida de uma graduação alcoólica que ultrapassa os 45 graus e cujas exportações quase duplicaram no último ano.
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“O primeiro gole tem gosto de fogo”, diz Palafox — de 45 anos e nascido na Cidade do México —, que em 2008, em meio à crise econômica, uniu-se a dois sócios e decidiu abrir a primeira mescaleria da Europa. “Virou moda”, ressalta, enquanto dá um segundo gole em seu copo. A bebida está ganhando popularidade frente ao destilado mexicano mais conhecido: a tequila, especialmente no mercado externo. No fim de 2014, as vendas de mescal chegaram a 13,3 milhões de dólares (42,5 milhões de reais), 78,1% a mais do que em 2013, segundo dados do Ministério da Agricultura mexicano.
O mescal é um produto feito de forma artesanal e familiar. Seu preparo — feito de maneira semelhante desde o século XVII — implica cortar o coração do agave, praticamente à mão, cozinhá-lo em fornos embaixo da terra, para depois moê-lo, fermentá-lo e destilá-lo sem qualquer tipo de acelerador químico. Isso o diferencia da tequila (que vem da mesma planta) à qual a grande demanda nacional e internacional levou à industrialização durante os anos 90.
O novo ouro branco
Litros de mescal correm pelas grandes cidades do mundo. Berlim, Londres, Madri, Nova York... sentem o calor dessa bebida. “Não é econômico”, reconhece Hipócrates Nolasco, presidente do Conselho Regulador. Os dados do órgão indicam que 60% das garrafas vendidas, principalmente nos EUA e Europa, entram no segmento das bebidas super premium, com o preço médio de 154 reais (44 euros), enquanto o custo de produção oscila entre os 16,8 e 106,4 reais. “Os intermediários estão levando bastante dinheiro”, diz José Hernández, do Rey Zapoteco.
No México, o preço médio de uma garrafa de 750 mililitros subiu 12,4% no último ano, até chegar aos 304 pesos (63 reais). Ulises Torrentera, especialista do setor, vaticina um final trágico: “Se os pequenos produtores não se beneficiarem desses altos preços, a indústria tenderá a desaparecer”.
José Hernández dedicou toda a sua vida ao agave. Nos anos 60, seu pai fundou El Rey Zapoteco, uma destiladora de mescal. Então, a pequena empresa produzia mais de 4.000 litros mensais. “Havia uma grande prosperidade. Em muitos povoados do México as pessoas queriam experimentar o mescal”, detalha Hernández.
A destilaria fica em Santiago Matatlán, um vilarejo no Estado mexicano de Oaxaca, berço do mescal e de onde sai mais de 90% da produção.
Oaxaca é o segundo estado do México com menor renda per capita: 61,9% da população vive abaixo da linha da pobreza. Não há números oficiais sobre o que o agave representa na economia local, mas a produção de bebidas representa 70% do PIB agroindustrial, que por sua vez responde por 5% da receita do Estado. Além disso, a indústria é responsável por 26.000 empregos diretos.
As pequenas indústrias como a de Hernández passaram por anos ruins ao enfrentar as autoridades, que começaram a exigir o pagamento dos impostos relativos à produção da bebida, explica Hipócrates Nolasco, presidente do Conselho Regulador do Mescal. A partir desse momento, diz Nolasco, o destilado passou a ser uma bebida clandestina, barata e associada à classe trabalhadora. Sua produção sequer era contabilizada, apesar de ter obtido a denominação de origem em 1995.
Nessa época, o negócio do Rey Zapoteco entrou em uma crise profunda. Sua produção se reduziu aos 1.000 litros mensais e nunca mais se recuperou, afirma Hernández.
A revolução aconteceu quando se apostou em um produto artesanal de primeiríssima qualidade. “Os pequenos fabricantes queriam que fosse apreciada por seu valor”, destaca Ulises Torrontera, um especialista do setor. “Mais do que uma bebida inebriante, o mescal é um produto cultural que sobreviveu a uma perseguição implacável”.
Tirar o mescal dos bares e transformá-lo em uma bebida premium foi um trabalho de colaboração do Conselho Regulador do Mescal, fundado em 1997. O sucesso foi tal que hoje, segundo o próprio CRM, no México o mescal é vendido mais caro do que o uísque. Mas não foi fácil. “Tiveram que carregar muita pedra”, afirma Nolasco. “Para obter esse reconhecimento, a indústria teve de entrar em um processo de regulamentação: pagamento de impostos, registro de marcas”.
“O grande impulso dessa bebida, lamentavelmente, teve de vir do exterior”, espeta Nolasco. Hoje o mescal é mais vendido no mercado internacional do que em seu país de origem. Em 2014, comercializaram-se 924.686 litros no exterior e 1,1 milhões no exterior. Entre os 42 países para os quais se exporta estão EUA, Chile e Espanha.
O motivo, segundo uma análise da Euromonitor International, é que o mescal é muito atraente para uma nova geração de bebedores que prioriza a autenticidade, a tradição e a história diante de outras ofertas alcoólicas.
“Nós, mescaleros, não queremos competir com a tequila, mas com todo o mercado de bebidas destiladas”, reconhece Nolasco. A distância e o caminho a percorrer são abismais. O mescal, segundo dados do Euromonitor Internacional, ocupa 0,1% do consumo mundial de bebidas destiladas.
Cornelio Pérez é um verdadeiro guru da bebida. Em 2005 instaurou no México La Logia de los Mezcolatras (a confraria dos mescólatras), um clube cujo objetivo é que os consumidores apreciem o sabor da bebida. Pérez teme a produção em grande escala do mescal. Ri quando ouve que a produção do mescal chegou a 1,5 milhões de litros, em 2014, 48% acima da registrada em 2011 e que foi um recorde. “O mescal pode perder sua magia se começar a ser produzido em grande escala”, afirma.
O dono de La Mezcalería de Madrid, que em uma semana vende entre 12 e 15 garrafas da bebida em seu bar — onde uma dose pode custar até 28 reais —, não teme que o sucesso da bebida coloque em risco sua história e tradição. Sabe que o boom significa rentabilidade: “Para mim é conveniente que a moda de beber mescal continue, porque vou vender mais”.
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