por Fernando Nogueira da Costa — publicado 18/05/2017 00h18, última modificação
Segundo o credo neoliberal, que levou ao fim da taxa de longo prazo dos créditos do BNDES, ou se financia em condições de mercado ou não se financia nada
Presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, anunciou em março novas políticas operacionais e condições de financiamento
Neoliberais publicam panfletos criticando, obsessivamente, o que denominam “Nova Matriz Macroeconômica” (NMM) e louvando o retorno da “Velha Matriz Neoliberal” (VMN). Obsessão é uma perturbação mental causada por uma ideia fixa involuntária que leva o doente à execução repetitiva de determinado ato. A NMM é tratada como fosse uma perseguição diabólica, sugestão atribuída à influência do demônio desenvolvimentista.
Sofrem também o viés da auto atribuição: todos os economistas que pensam como eles estão corretos; todos os que deles discordam estão errados. Em consequência, sofrem com o viés da auto validação ilusória: por lerem apenas colegas da mesma ideologia, pressupõem que o que dizem está correto, pois “todos” dizem a mesma coisa.
Em cérebro binário não há espaço para a compreensão da complexidade do mundo real. Qualquer concepção dualista do mundo em princípios opostos e incompatíveis é maniqueísta e reducionista. Este dualismo segue um dualismo religioso sincretista, segundo o qual existe um conflito cósmico de forças antagônicas do bem absoluto (a luz do livre-mercado) e do mal absoluto (as sombras do intervencionismo estatal), sendo que é dever de “gente de bem”, naturalmente, só neoliberal, lutar pela vitória do bem, ou seja, do livre-mercado idealizado em manuais norte-americanos.
A louvação da hora é a substituição da TJLP pela TLP vinculada à rentabilidade das NTN-B. Isto vem provocando a revolta de parte da casta dos mercadores brasileiros. Curiosamente, a subcasta de sábios neoliberais defende o capitalismo idealizado como contraponto ao capitalismo real, em uma economia com atraso histórico, implantado por capitalistas de “carne e osso”!
Então, deitam falação sobre a tosca Teoria Neoclássica dos Fundos de Empréstimos. Mas não falam nada a respeito de instituições financeiras brasileiras e estrutura produtiva nacional. Com essa abstração do mundo real, abandonado como sendo apenas “um parâmetro fora-do-modelo”, simplesmente, defendem transformar a realidade de maneira a enquadrar em seu modelo de equilíbrio geral. Pasmem…
Desta mescla da virtude religiosa da parcimônia (“adiamento do consumo presente em troca de consumir mais no futuro”) com a da ambição (“elevar a capacidade produtiva futura devido à ganância por lucro”) nasceria, neste pensamento econômico inspirado no mecanicismo da Física newtoniana, um equilíbrio geral perfeito. A variável taxa de juro a ele se ajustaria.
Neste mundo abstrato, não há espaço para a fixação de uma taxa de juros básica de referência (SELIC) pelo Banco Central para instituições oligopolistas, que atuam no mercado interbancário via CDI, estabelecerem um “mark-down” (% de CDI) na captação de recursos dos “milhões de poupadores e milhares de investidores” e um “mark-up” (spread creditício) de modo a cobrir custos administrativos e fiscais, risco de inadimplência e margem de lucro.
Agora, novamente, os neoliberais abandonaram o estudo crítico das premissas, das conclusões e dos métodos dos diferentes ramos do conhecimento científico, tanto das teorias quanto das práticas, afastando a Teoria do Conhecimento, para dar outro salto epistemológico. Deixaram de lado a SELIC, para adotar a NTN-B, que a ela se reporta na MtM (marcação-a-mercado) de sua taxa de juros prefixada — além de sua correção pós-fixada pelo IPCA –, como referência para o custo de oportunidade. Os juros variáveis da NTN-B passaram a ser vistos como a referência básica para a fixação de todas as demais taxas de juro.
Na realidade, os investidores, sejam pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas (investidores institucionais, tesourarias, estrangeiros etc.), tomam como referência, para suas decisões, a taxa de juros de curto prazo — SELIC. A “taxa longa” é composta por uma sucessão de “taxas curtas”. O longo prazo é resultante de seguidas conjunturas…
Diferentemente, o critério de decisões imaginado por neoliberais seria a comparação entre a taxa interna de retorno de um projeto estratégico de longo prazo e a taxa de juros da dívida pública marcada a mercado em cada mudança de conjuntura!
Assim, um investimento em longo prazo, tipo Ponzi, quando as entradas de caixa só ocorrerão após o longo período de maturação — p.ex., uma hidrelétrica é no mínimo de oito anos — e até lá só ocorrerão saídas de caixa, mesmo sendo imprescindível para a construção da infraestrutura necessária ao País, será descartado. Será considerado pela casta dos sábios-tecnocratas neoliberais como um investimento cujo retorno previsto, sendo inferior à taxa básica, “a sociedade brasileira” não está espontaneamente disposta a financiar!
Com este argumento defendem a privatização desnacionalizante. Os neocolonizados somam a este apelo ao capital estrangeiro uma cutucada crítica aos empresários subdesenvolvidos que não se resignam ao futuro inelutável de “submissão ao Império”.
Apelam até para um populismo demagógico com a finalidade de defenderem seu credo ideológico canhestro de “igualdade de oportunidades”. Dizem que o Estado brasileiro deveria se restringir a financiar as áreas de Saúde e Educação. Deveriam ter acrescentado a Segurança Pública, pois na ausência de iniciativas particulares não haveria ocupações suficientes para empregar a quinta maior população economicamente ativa do mundo e seria de se esperar certa rebeldia social…
Em síntese, para eles, ou se financia em condições de mercado produzidas pela maior taxa de juros real do mundo ou não se financia nada! Depois de defenderem essa barbaridade, ainda criticam o corporativismo em defesa de aposentadorias especiais com salário integral. Criticam porque essa postura, supostamente, não incentiva o adiamento do consumo para providenciar a Previdência Complementar.
Esquecem-se de outro detalhe: apenas 8,4% da população ocupada – total de 89,5 milhões de pessoas, sendo a formal com carteira de trabalho apenas 34 milhões – recebem mensalmente mais do que cinco salários mínimos (R$ 4.650,00). Logo, cerca de 7,5 milhões têm as condições mínimas, isto é, eventual sobra de renda acima do nível de sobrevivência familiar, para investir em o que denominam de “poupança”.
Com esforço, há pouco mais de dez milhões de investidores em Fundos e Títulos e Valores Mobiliários (6,5 milhões de varejo tradicional com riqueza per capita de R$ 50 mil, 3,5 milhões de varejo de alta renda com R$ 175 mil, e 112 mil clientes Private Banking com R$ 7,5 milhões). Isto, desconsiderando os 59,4 milhões de depositantes de poupança com saldo médio per capita de R$ 10.275,25 no final do ano de 2016.
Estes sábios-neoliberais se arvoram de entender mais do que os próprios capitalistas sobre o que é melhor para o capitalismo! Contrapõem o capitalismo de livre-mercado, idealizado com concorrência perfeita, ao capitalismo de compadrio. O que é ideal para os neoliberais não propicia condições realistas para haver empreendimentos geradores de emprego.
* Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP.
Fonte: CartaCapital
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