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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Academia de Polícia - Falta honestidade e técnica na gestão da segurança pública



22 de janeiro de 2019, 8h05

Por Leonardo Marcondes Machado



A segurança pública brasileira padece de sérios problemas de gestão. Decisões político-criminais relevantes são tomadas sem qualquer base técnico-científica; fundadas muitas vezes no mais estrito “achismo individual” ou em verdadeiro oportunismo populista.

Não à toa sua credibilidade no meio social é baixíssima. Poucos governos, federais ou estaduais, formularam planos efetivos de segurança baseados em análises empíricas de viés criminológico com o apoio da academia especializada. A grande maioria se pautou (e ainda se pauta) por opiniões de “especialistas midiáticos” ou “figurões do momento” na seara da Justiça criminal (juízes, promotores, advogados ou delegados cuja formação técnica em criminologia e segurança pública é absolutamente rasa ou nula).

Nem precisa ir muito longe. Há quem se eleja sem qualquer plano de segurança e termine o mandato exatamente da mesma forma que antes. O campo político costuma jogar com medidas genéricas na área da segurança de baixíssimo potencial transformativo. O executivo fala normalmente em aumento do efetivo das forças de segurança, investimento em tecnologia e combate às organizações criminosas. Já os candidatos tradicionais ao Legislativo, especialmente em nível federal, têm repetido há décadas o mesmo discurso: criação de novos tipos criminais, aumento indiscriminado de penas, maior rigor na execução penal e redução de “benefícios” processuais.

Todas essas medidas, em conjunto, não levam a lugar nenhum, ou melhor, levam exatamente ao estado precário de segurança que temos hoje. O efeito concreto, em termos de redução da criminalidade/criminalização, é zero. São estratégias que servem à propaganda eleitoral, mas não à mudança social. São plataformas de aparência, sem conteúdo real e forma operativa específica.

Cite-se como exemplo o caso da Polícia Civil, responsável primeira pela atividade investigativa criminal no país. Na maioria das unidades, o que se vê, para além de um efetivo limitado, é um péssimo aproveitamento dos recursos humanos (e, consequentemente, das próprias finanças públicas).

O seu objetivo principal, que seria a investigação preliminar de notícias criminosas, fica relegado a segundo plano. Isso porque há uma estrutura (de)formada que impede concretamente a realização desse fim. Muitas delegacias são criadas ou extintas sem qualquer análise empírica a respeito do seu efeito concreto na política local de persecução criminal. Os agentes de polícia são, em geral, transformados em digitadores de ocorrência e entregadores de intimações. Os delegados, por sua vez, estão envoltos em toda sorte de medidas administrativas em uma delegacia que pouca atenção conseguem dedicar às investigações. Aos escrivães acaba sobrando, não raras vezes, uma enorme quantidade de atos formais para instrução dos diversos procedimentos criminais em carga. O resultado, com honrosas exceções, são os baixos índices de resolubilidade delitiva.

De fato, sem uma análise mínima quanto ao funcionamento real das instituições de segurança pública a identificar os seus principais déficits e a formular medidas operativas de revisão, que sejam convertidas em decisões político-criminais dos respectivos gestores, o cenário apenas tende a piorar. O que falta, em última análise, é maior profissionalismo ético no campo da segurança pública.

É claro que isso não interessa a todos. Há uma parcela considerável de gente, detentora de poder, que prefere manter o atual modelo de gestão. Um sistema de segurança à la carte, cujo cardápio é montado ao gosto do patrocinador de ocasião. Talvez assim se possa compreender melhor o porquê de o país não ter conseguido operar, seja no micro, seja no aspecto macro, efetivas mudanças no modo de gestão das conflitividades sociais.

Volte-se ao singelo exemplo dos órgãos policiais de investigação no Brasil. Ao invés de se buscar uma racionalização da demanda criminal e de se promover uma reorganização estrutural, a fim de se ter um serviço público mais eficiente, a questão sempre retorna ao mantra infindável da insuficiência de pessoal. Não parece difícil entender que no atual modelo esse é um gargalo insolúvel: nunca haverá investigadores em número suficiente para dar conta de todas as apurações criminais.

O motivo é bastante claro; só não entende quem não quer mesmo. O Brasil tem, numa esfera da moeda, um rol legislativo absolutamente extenso de tipos criminais e, de outro lado, uma estrutura de investigação com baixíssimo nível técnico gerencial. Isso sem falar que todo sistema penal é, por definição, seletivo. Logo, essa preocupação com a totalidade, com ares de igualdade democrática administrativa, não passa de um engodo.

Na verdade, ao invés de pautas artificiais, há carência de medidas precisas, em nível global, para a reorganização e o aprimoramento das funções de cada órgão de segurança pública, a fim de evitar sobreposição ou lacunas operativas, bem como em âmbito local, nos estados-membros e municípios, para a melhoria possível das condições de atuação institucional de cada ente.

Vale lembrar que nem sempre a redução da insegurança pública exige altos investimentos financeiros, grandes alterações legislativas ou reformas administrativas colossais; por vezes, advém de modificações pontuais e simples, mas inovadoras, na realidade atual (ex.: melhor distribuição dos recursos humanos, revisão das instalações físicas, informatização de sistemas de trabalho, aprimoramento da gestão de processos, cursos de formação continuada, criação de protocolos de atendimento etc).

O que falta mesmo é honestidade e técnica na gestão da segurança pública. É preciso, em primeiro lugar, reconhecer abertamente a ideologia reinante, aquele ideal, muitas vezes sub-reptício, que está a orientar toda a estratégia de regulação da vida social durante certo mandato eleitoral ou administrativo. A declaração pública e honesta do que se efetivamente pretende com as instâncias de controle social é algo que não se vê na maioria dos gestores. Alguns talvez porque nem saibam, mas outros tantos porque no fundo sequer podem dizer. Em segundo lugar, necessário, repita-se, estabelecer uma política efetiva de segurança fundada em razões técnicas, em padrões criminológicos, pois somente assim diminuem-se os riscos de ineficácia das medidas, ou melhor, elevam-se as potencialidades de melhoria concreta na sociedade.

De resto, é o que se tem hoje. E o que existe atualmente, ninguém, em sã consciência ética, seria capaz de afirmar que vai bem; ao menos para a grande massa da população brasileira.
 é delegado da Polícia Civil de Santa Catarina, mestre em Direito pela UFPR, especialista em Direito Penal e Criminologia, além de professor de Direito Processual Penal em cursos de graduação e pós-graduação.
Revista Consultor Jurídico, 22 de janeiro de 2019, 8h05

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