Confiança prejudicial
"Alguns juízes têm confiado a assessores tarefa de decidir e julgar casos"
Parte da magistratura paranaense tem confiado a tarefa de decidir e julgar a assessores, deixando de ler e revisar os projetos de decisão. A crítica é do recém-eleito presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná, Cássio Telles.
A preocupação, diz o advogado, está centralizada no primeiro grau. Telles aponta que a atitude de alguns juízes faz aumentar o número de recursos nos tribunais, que já sofrem com a falta de estrutura. “Muitas comarcas ainda padecem com a falta de servidores e com a morosidade. Há um concurso aberto para servidores há dois anos, sem ser realizado até o momento.”
Questionado se o direito de defesa está enfraquecido, Telles afirma que há uma onda de punitivismo que faz com que seja naturalizado a relativização do Habeas Corpus, a defesa do uso de provas ilícitas e até mesmo gravação de conversas entre advogados e clientes em unidades prisionais.
“Essas posturas enfraquecem a defesa e comprometem a paridade de armas no processo. Elas atingem o cidadão, que fica vulnerável frente a um estado aparelhado e estruturado para acusar”, aponta o presidente.
Cássio Telles deixou a presidência da comissão nacional de prerrogativas da OAB para comandar a seccional paranaense no triênio 2019-2021. Ele foi eleito com 68% dos votos válidos e já havia sido vice-presidente da entidade na gestão 2013-2015.
Leia a entrevista:
ConJur — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Cássio Telles — A justiça estadual ainda carece de melhor estrutura. Avançamos bastante no processo eletrônico, mas muitas comarcas ainda padecem com a falta de servidores e com a morosidade. Há um concurso aberto para servidores há dois anos, sem ser realizado até o momento. Outra dificuldade grande é o exercício profissional em unidades prisionais. Não temos parlatórios em diversas delas. Alvarás de soltura não são cumpridos após as 18h. Agendamentos para atendimento de clientes nas unidades demoram e há atraso na própria disponibilização do cliente preso no dia marcado. Inquéritos policiais tramitam vagarosamente por falta de servidores. Há uma preocupação também com a qualidade das decisões de primeiro grau. Alguns magistrados parecem não revisar as propostas de decisões e sentenças apresentadas pelas assessorias, o que aumenta a carga de recursos nos tribunais. O excesso de advogados no mercado também é um grande desafio, a OAB tem que protagonizar ações para a reinvenção da advocacia e a descoberta de novas áreas de atuação.
Cássio Telles — A justiça estadual ainda carece de melhor estrutura. Avançamos bastante no processo eletrônico, mas muitas comarcas ainda padecem com a falta de servidores e com a morosidade. Há um concurso aberto para servidores há dois anos, sem ser realizado até o momento. Outra dificuldade grande é o exercício profissional em unidades prisionais. Não temos parlatórios em diversas delas. Alvarás de soltura não são cumpridos após as 18h. Agendamentos para atendimento de clientes nas unidades demoram e há atraso na própria disponibilização do cliente preso no dia marcado. Inquéritos policiais tramitam vagarosamente por falta de servidores. Há uma preocupação também com a qualidade das decisões de primeiro grau. Alguns magistrados parecem não revisar as propostas de decisões e sentenças apresentadas pelas assessorias, o que aumenta a carga de recursos nos tribunais. O excesso de advogados no mercado também é um grande desafio, a OAB tem que protagonizar ações para a reinvenção da advocacia e a descoberta de novas áreas de atuação.
ConJur — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Cássio Telles — A decisão é equivocada. A OAB sobrevive da contribuição de seus inscritos. Não recebe verba pública; logo, é injustificável a submissão ao TCU. Passamos por cinco níveis de controle da gestão financeira: controladoria interna, auditoria externa, comissão de orçamento e contas, conselho pleno seccional e conselho federal. Há regras que regem desde a elaboração e aprovação do orçamento até a forma de elaboração das demonstrações financeiras. Recentemente o Conselho Federal editou o provimento 185/2018, estabelecendo regras detalhadas de gestão. No caso da OAB-PR, criamos um portal da transparência onde qualquer pessoa pode, por exemplo, acessar todos os contratos feitos pela seccional. Penso que a interferência do TCU poderá comprometer a independência e a atuação da OAB nas grandes questões nacionais.
Cássio Telles — A decisão é equivocada. A OAB sobrevive da contribuição de seus inscritos. Não recebe verba pública; logo, é injustificável a submissão ao TCU. Passamos por cinco níveis de controle da gestão financeira: controladoria interna, auditoria externa, comissão de orçamento e contas, conselho pleno seccional e conselho federal. Há regras que regem desde a elaboração e aprovação do orçamento até a forma de elaboração das demonstrações financeiras. Recentemente o Conselho Federal editou o provimento 185/2018, estabelecendo regras detalhadas de gestão. No caso da OAB-PR, criamos um portal da transparência onde qualquer pessoa pode, por exemplo, acessar todos os contratos feitos pela seccional. Penso que a interferência do TCU poderá comprometer a independência e a atuação da OAB nas grandes questões nacionais.
ConJur — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Cássio Telles — São várias: a impossibilidade de conversar sigilosamente com cliente preso, a que me referi acima; a interferência de juízes em contratos de honorários; a não expedição de alvarás em nome dos advogados; a violação sistemática ao sigilo das comunicações entre cliente e advogado; as tentativas de criminalizar a advocacia, incluindo, por exemplo, escritórios como alvos de buscas e apreensões genéricas; a acusação contra advogados públicos pela simples emissão de parecer, e também as tentativas de responsabilizar esses advogados perante o tribunal de contas. Nas sessões de julgamento do TJ-PR, advogados tem que esperar durante horas, e em pé, para sustentar. Não temos, ainda, na justiça estadual, as sustentações por videoconferência e alguns magistrados confiam demasiadamente a tarefa de decidir e julgar a assessores, muitas vezes sequer lendo atentamente os projetos de decisão. Há também dificuldades em ser atendido diretamente pelos magistrados. Enfim, estamos longe ainda do respeito ideal às prerrogativas da advocacia.
Cássio Telles — São várias: a impossibilidade de conversar sigilosamente com cliente preso, a que me referi acima; a interferência de juízes em contratos de honorários; a não expedição de alvarás em nome dos advogados; a violação sistemática ao sigilo das comunicações entre cliente e advogado; as tentativas de criminalizar a advocacia, incluindo, por exemplo, escritórios como alvos de buscas e apreensões genéricas; a acusação contra advogados públicos pela simples emissão de parecer, e também as tentativas de responsabilizar esses advogados perante o tribunal de contas. Nas sessões de julgamento do TJ-PR, advogados tem que esperar durante horas, e em pé, para sustentar. Não temos, ainda, na justiça estadual, as sustentações por videoconferência e alguns magistrados confiam demasiadamente a tarefa de decidir e julgar a assessores, muitas vezes sequer lendo atentamente os projetos de decisão. Há também dificuldades em ser atendido diretamente pelos magistrados. Enfim, estamos longe ainda do respeito ideal às prerrogativas da advocacia.
ConJur — O direito de defesa está enfraquecido?
Cássio Telles — Penso que há sim um desequilíbrio. O Ministério Público e a magistratura cresceram muito por conta do combate à corrupção. Vivemos uma onda de punitivismo. É claro que queremos o combate à corrupção e a punição daqueles que desviaram recursos públicos. Mas isso tem que ser feito com respeito absoluto ao devido processo legal e à ampla defesa. Não se imaginava, por exemplo, que se defenderia o uso de provas ilícitas e a relativização do Habeas Corpus como ocorreu nas chamadas “10 medidas contra a corrupção”. Também surpreende a naturalidade da defesa de que todas as conversas entre clientes e advogados em unidades prisionais sejam gravadas. Essas posturas enfraquecem a defesa e comprometem a paridade de armas no processo. Elas atingem o cidadão, que fica vulnerável frente a um estado aparelhado e estruturado para acusar.
Cássio Telles — Penso que há sim um desequilíbrio. O Ministério Público e a magistratura cresceram muito por conta do combate à corrupção. Vivemos uma onda de punitivismo. É claro que queremos o combate à corrupção e a punição daqueles que desviaram recursos públicos. Mas isso tem que ser feito com respeito absoluto ao devido processo legal e à ampla defesa. Não se imaginava, por exemplo, que se defenderia o uso de provas ilícitas e a relativização do Habeas Corpus como ocorreu nas chamadas “10 medidas contra a corrupção”. Também surpreende a naturalidade da defesa de que todas as conversas entre clientes e advogados em unidades prisionais sejam gravadas. Essas posturas enfraquecem a defesa e comprometem a paridade de armas no processo. Elas atingem o cidadão, que fica vulnerável frente a um estado aparelhado e estruturado para acusar.
ConJur — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Cássio Telles — A OAB tem um compromisso perene com a ampla defesa. Advogados têm a missão de exercer a defesa do cidadão e da sociedade, portanto, sempre que se tratar do direito de defesa, a OAB deve lutar contra qualquer tentativa de cerceamento. Foi assim, por exemplo, que a OAB agiu em relação a presunção de inocência e às conduções coercitivas, indo ao STF para discutir esses temas.
Cássio Telles — A OAB tem um compromisso perene com a ampla defesa. Advogados têm a missão de exercer a defesa do cidadão e da sociedade, portanto, sempre que se tratar do direito de defesa, a OAB deve lutar contra qualquer tentativa de cerceamento. Foi assim, por exemplo, que a OAB agiu em relação a presunção de inocência e às conduções coercitivas, indo ao STF para discutir esses temas.
ConJur — A OAB é democrática internamente?
Cássio Telles — Sim. As principais decisões são tomadas em colegiados. Temos conselhos nas subseções, seções e em nível federal. Há muito debate. No caso do Paraná, cerca de 70 comissões também permitem a participação da advocacia na condução do órgão de classe.
Cássio Telles — Sim. As principais decisões são tomadas em colegiados. Temos conselhos nas subseções, seções e em nível federal. Há muito debate. No caso do Paraná, cerca de 70 comissões também permitem a participação da advocacia na condução do órgão de classe.
ConJur — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Cássio Telles — Primeiramente que respeite o trabalho da advocacia, que observe as prerrogativas, notadamente o sigilo das comunicações entre cliente e advogado e a inviolabilidade dos escritórios. Que também seja aliado na defesa das garantias fundamentais e que promova ações em prol da dignidade. Que promova o combate à corrupção, inclusive no próprio nível federal. Que ajude a reduzir a burocracia estatal. Que promova uma política penitenciária capaz de neutralizar o espaço das facções, reprimir, através da aplicação da pena, mas também recuperar o preso. Que promova políticas de igualdade e inclusão. Que proteja a livre concorrência e também o consumidor. Nesse aspecto, penso que uma reanálise do papel das agências e suas condutas é essencial.
Cássio Telles — Primeiramente que respeite o trabalho da advocacia, que observe as prerrogativas, notadamente o sigilo das comunicações entre cliente e advogado e a inviolabilidade dos escritórios. Que também seja aliado na defesa das garantias fundamentais e que promova ações em prol da dignidade. Que promova o combate à corrupção, inclusive no próprio nível federal. Que ajude a reduzir a burocracia estatal. Que promova uma política penitenciária capaz de neutralizar o espaço das facções, reprimir, através da aplicação da pena, mas também recuperar o preso. Que promova políticas de igualdade e inclusão. Que proteja a livre concorrência e também o consumidor. Nesse aspecto, penso que uma reanálise do papel das agências e suas condutas é essencial.
ConJur — Qual o piso ideal para um iniciante?
Cássio Telles — Ideal é uma expressão que deve ser vista por dois ângulos: o da dignidade profissional e aquilo que o mercado comporta pagar. Penso que na atual conjuntura não deveria ser menos do que 4 salários mínimos (R$ 3.952), para o início de carreira. Infelizmente estamos vivendo uma realidade de excesso de oferta e a competição tem permitido o aviltamento para níveis absolutamente indignos.
Cássio Telles — Ideal é uma expressão que deve ser vista por dois ângulos: o da dignidade profissional e aquilo que o mercado comporta pagar. Penso que na atual conjuntura não deveria ser menos do que 4 salários mínimos (R$ 3.952), para o início de carreira. Infelizmente estamos vivendo uma realidade de excesso de oferta e a competição tem permitido o aviltamento para níveis absolutamente indignos.
ConJur — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Cássio Telles — O Exame de Ordem é indispensável para a própria sociedade, e deve ser aprimorado. Defendemos a realização de dois exames ao ano, mais qualidade nas correções das provas práticas, incluindo análise de redação e argumentação, e que quem zerar as questões objetivas da disciplina que escolheu para a prova prática também não possa ser aprovado. A advocacia exerce munus público essencial à realização da justiça. A técnica jurídica é complexa e exige preparo. A atuação do advogado define rumos e transforma destinos.
Cássio Telles — O Exame de Ordem é indispensável para a própria sociedade, e deve ser aprimorado. Defendemos a realização de dois exames ao ano, mais qualidade nas correções das provas práticas, incluindo análise de redação e argumentação, e que quem zerar as questões objetivas da disciplina que escolheu para a prova prática também não possa ser aprovado. A advocacia exerce munus público essencial à realização da justiça. A técnica jurídica é complexa e exige preparo. A atuação do advogado define rumos e transforma destinos.
ConJur — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Cássio Telles — O atual sistema respeita a democracia. Não acredito que o segundo turno possa melhorar a condução da OAB. A eleição do conselho, separadamente da diretoria, não me parece um avanço. Via de regra os conselhos já contemplam a pluralidade nas suas formações. Na experiência que temos no Paraná, a representação da advocacia é bem diversificada, não vejo motivos para mudar, pois o conselho é bem representativo dos vários segmentos da profissão.
Cássio Telles — O atual sistema respeita a democracia. Não acredito que o segundo turno possa melhorar a condução da OAB. A eleição do conselho, separadamente da diretoria, não me parece um avanço. Via de regra os conselhos já contemplam a pluralidade nas suas formações. Na experiência que temos no Paraná, a representação da advocacia é bem diversificada, não vejo motivos para mudar, pois o conselho é bem representativo dos vários segmentos da profissão.
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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.
Fernanda Valente é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2019, 9h00
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