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quinta-feira, 25 de abril de 2019

“Tomar antibióticos ou se submeter a uma cesárea tem custos ocultos”


O pesquisador da Universidade de Nova York alerta para possíveis relações entre essas práticas e o aumento da obesidade e de doenças como a asma e a diabetes

Martin Blaser, especialista em bactérias que vivem em nosso corpo
Martin Blaser, especialista em bactérias que vivem em nosso corpo
O mundo é dos micróbios. Estão aqui há mais de 3,7 bilhões de anos e tiveram tempo de colonizar todos os cantos do planeta. Embora sejam invisíveis, eles representam a maior parte da biomassa da Terra, com mais peso acumulado do que todos os animais e árvores somados. Se todas as células microbianas que habitam o oceano fossem colocadas juntas, igualariam o peso de 240.000 elefantes africanos.
É assim que Martin Blaser (1948) apresenta os imponentes protagonistas de seu livro Microbes: How the Overuse of Antibiotics Is Fueling Our Modern Plagues (Micróbios: Como o Uso Excessivo de Antibióticos Está Alimentando Nossas Pragas Modernas). O diretor do Programa do Microbioma Humano da Universidade de Nova York está há décadas estudando-os, concentrando-se em seu particular relacionamento com os seres humanos. Todos nós abrigamos em nosso interior quase um quilo e meio de bactérias de milhares de espécies diferentes. Sem elas, não poderíamos existir.
No entanto, desde que Louis Pasteur mostrou que grande parte das doenças tem origem em patógenos microscópicos, os vírus e as bactérias se tornaram inimigos a serem combatidos pela medicina. Isso começou a ser alcançado na primeira metade do século XX, com o surgimento dos primeiros antibióticos. As infecções que antes matavam milhões de pessoas se tornaram doenças menores graças a medicamentos como a penicilina, um dos grandes triunfos da humanidade.
No entanto, o êxito não saiu de graça, embora isso só tenha começado a ser entendido nos últimos anos. Assim como o petróleo e os motores a combustão trouxeram prosperidade à humanidade, mas também os riscos de mudanças climáticas, os antibióticos alteraram o ecossistema das bactérias que nos habitam e estimularam o desenvolvimento de bactérias imunes a qualquer tratamento. Blaser escreveu este livro como uma advertência.
O efeito dos antibióticos sobre o microbioma associado ao aumento do consumo de calorias pode estar por trás da pandemia da obesidade
Pergunta. A obesidade é uma das grandes pandemias do nosso tempo. O senhor diz que isso tem a ver não apenas com comer mais e pior, mas também com as mudanças que o uso de antibióticos está produzindo em nosso microbioma.
Resposta. O microbioma é parte da história, embora não seja toda a história. Nós realizamos um experimento com camundongos para ver qual a importância relativa dos antibióticos e da ingestão calórica na obesidade. O que vimos é que se lhes dávamos uma dieta altamente calórica, eles engordavam. Se lhes dávamos antibióticos, também, mas se lhes dávamos tudo junto, engordavam muito mais. A vida é assim, as coisas não são necessariamente excludentes, podemos ver que neste caso ambas as coisas contribuem.
P. Como os antibióticos nos fazem engordar?
R. A primeira coisa a dizer é que os antibióticos são muito importantes. Não são o único fator que está afetando nosso microbioma, mas, principalmente, o crescimento da obesidade tem a ver com os antibióticos que damos às crianças. A obesidade se espalhou pelo mundo. Primeiro, começou nos países desenvolvidos, mas agora as crianças na Índia e na China e em todo o mundo em desenvolvimento estão engordando. De fato, se você olhar para crianças menores de cinco anos, 80% com sobrepeso e obesidade estão em países em desenvolvimento, e em poucos anos elas serão 90%. Isso significa que agora há no mundo 50 milhões de crianças abaixo de cinco anos que estão obesas ou com excesso de peso. E estima-se que até 2020 serão 100 milhões. A obesidade não é apenas uma epidemia, é uma pandemia global. E o que descobrimos é que nos países em desenvolvimento está se passando o que tínhamos visto há 30 anos nos países desenvolvidos, e eles estão se aproximando muito rapidamente. Agora, acontece que em muitos países em desenvolvimento o uso de antibióticos em crianças é maior do que nos EUA ou na Europa. Crianças com menos de um ano de idade estão recebendo até dez ciclos de antibióticos por ano porque suas mães temem que fiquem doentes e o farmacêutico lhes dá antibióticos para tudo, de uma febre a uma dor de cabeça, e os antibióticos estão fora de controle.
P. Outro fator que está alterando nosso microbioma e que pode estar relacionado ao aumento de doenças como a asma, as alergias ou a diabetes tipo 1 é o aumento de nascimentos por cesárea.
R. A questão em tudo isso é que, embora existam fatores individuais que estão mudando nosso microbioma, os efeitos são cumulativos. As cesáreas têm efeitos negativos, os antibióticos têm efeitos negativos e dar leite de fórmula em vez de amamentar, também. Tudo se soma.
“A bactéria 'Helicobacterpylori' [vinculada ao câncer de estômago] é ruim para nós, mas também é boa”

As cesáreas são importantes. Nos EUA elas são adotadas em 32% dos nascimentos. Na Espanha, em torno de 25%.  As taxas estão caindo e isso é bom, mas elas ainda são altas. Na Suécia e na Holanda, a taxa é de 12%, então, provavelmente na Espanha é o dobro do que deveria ser. Em um país como a Turquia, é de 53% [no Brasil, esse percentual chega a 57%].
P. No livro o senhor fala de uma grande variação no uso de antibióticos ou cesáreas, mesmo dentro do mesmo país. Em Roma, por exemplo, diz que 80% das crianças nascem por cesárea, enquanto no restante da Itália o número não chega a 30%. Algo semelhante acontece com o uso de antibióticos, que é muito maior nos Estados do sul dos Estados Unidos do que nos do norte. A que se devem essas diferenças tão grandes na prática médica?
R. É exatamente isso. Na Europa, por exemplo, há uma tremenda variação entre o norte e o sul, com o norte usando as cesarianas e os antibióticos muito menos do que o sul, embora não exista uma taxa mais alta de infecções graves. Isso também acontece nos EUA. No sul usam 50% mais antibióticos do que nos estados do Oeste. Isso reflete a cultura médica e os desejos dos pacientes.
Por esse motivo escrevi o livro, para dizer às pessoas por que não devem pedir antibióticos ao médico e devem perguntar se têm certeza de que precisam tomar antibióticos. As pessoas devem saber que tomar antibióticos ou se submeter a uma cesariana tem custos ocultos.
P. O uso de antibióticos permitiu reduzir drasticamente a população da bactéria Helicobacter pylori no estômago dos seres humanos, algo que está relacionado à diminuição das úlceras e o câncer de estômago. Mas o senhor diz que nem todos os efeitos são positivos, que eliminá-la pode aumentar o risco de câncer de esôfago e produzir um desequilíbrio no ecossistema de nossas bactérias com efeitos imprevistos.
R. Todo mundo tenta dividir o mundo em preto e branco e quase sempre é cinza. A Helicobacter é ruim para nós e também é boa. Como cientistas, precisamos entender melhor a relação que temos com as bactérias, para entender em quem teríamos de erradicá-la e em quem a temos de manter ou recuperar. Não sabemos as respostas a estas perguntas e estamos tentando dar a todos um sapato do mesmo tamanho. Não é correto.
“Uma das melhores defesas contra as grandes infecções é um microbioma normal, e para mantê-lo deveríamos deixar de usar os antibióticos como agora”
Há cerca de 20 anos ficou claro que a Helicobacter pylori estava desaparecendo, mas não se prestou atenção nisso ou se pensou que era bom que desaparecesse. Isso me intrigou, porque nunca pensamos que um dos nossos microrganismos pudesse desaparecer, que seria extinto. E então postulei que se um organismo desaparece, pode causar o desaparecimento de outros. E nos últimos 20 anos é exatamente o que temos visto. Estamos perdendo diversidade ecológica. De acordo com o trabalho de minha esposa [a pesquisadora María Gloria Domínguez-Bello], que estuda ameríndios na floresta da América do Sul, comparando o seu microbioma com o nosso, vemos que já perdemos 50% da nossa diversidade. Nosso ecossistema está se esgotando.
P. O senhor compara essa tendência com a mudança climática. Que problemas prevê no futuro se não se agir?
R. Prevejo principalmente dois problemas muito sérios. O primeiro é o aumento de doenças que já estamos vendo crescer. Mais obesidade, mais asma, mais alergias alimentares, mais autismo, mais intestino irritável, mais doenças do esôfago.
Mas o que mais me preocupa é o que chamo de inverno antibiótico. É algo que assusta. Porque na história da humanidade sofremos invasores muito maus que mataram muita gente, e falo de micróbios, não de invasores humanos. Uma das melhores defesas contra esses invasores é um microbioma normal e para manter esse microbioma normal deveríamos deixar de usar antibióticos de amplo espectro como fazermos agora e buscar formas de descobrir de qual infecção específica sofremos para depois tratá-la com um antibiótico mais específico.
P. E estamos fazendo isso?
R. O governo dos EUA desenvolveu um plano nacional para controlar a resistência aos antibióticos. Estamos trabalhando para criar antibióticos de espectro mais estreito e melhorar o diagnóstico para que médicos, enfermeiros e dentistas utilizem melhor os antibióticos e criemos menos resistências. Porque enfrentamos uma mudança ecológica. Um aspecto dessa mudança é a resistência aos antibióticos. Outro aspecto é a obesidade. É como a mudança climática, que em algumas ocasiões temos inundações, em outras secas e em outras furacões, mas tudo vem do mesmo fenômeno.
P. Outra doença que estamos vendo crescer e que não sabemos o motivo é o diabetes tipo 1.
R. O estudo do diabetes tipo 1 é o principal projeto do meu laboratório neste momento. Tem duas características. Uma é que ocorre em um estágio inicial da vida, então acredito que é o tipo de problema que um microbioma danificado pode causar. Em segundo lugar, sua incidência está dobrando a cada 20 ou 25 anos. É uma praga moderna.
Fizemos muitos estudos em camundongos, porque eles têm microbiomas semelhantes aos nossos e em muitos aspectos com um sistema imunológico com paralelismos. Temos um tipo de camundongo que desenvolve diabetes tipo 1 espontaneamente. Com eles, mostramos que os antibióticos podem acelerar o diabetes, que o desenvolvem mais cedo e com mais frequência. E estamos estudando os mecanismos pelos quais os antibióticos têm esse efeito. Sabemos que os antibióticos alteram o microbioma e os produtos do microbioma. Alteram a interação do microbioma com o intestino, como se expressam os genes no intestino e como se regula o sistema imunológico. Acreditamos que é um modelo muito bom para ver o que provoca esse agravamento do diabetes e como podemos revertê-lo.

Fonte: EL PAIS BR

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