Publicado em 12/07/2019 - 05:00 Ana Maria CamposCB.Poder
ANA MARIA CAMPOS
Entrevista: Luiz Eduardo Soares, secretário nacional de Segurança Pública (Senasp), entre janeiro e outubro de 2003, na gestão do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, cientista político, antropólogo, especialista em segurança e um dos autores do livro Elite da Tropa, que deu origem aos filmes Tropa de Elite.
“A dupla Bolsonaro-Moro tem nos dado o inverso do que o Brasil precisa”
Muitos governos investem em policiamento nas ruas porque o policial uniformizado cria na população a sensação de segurança, mas deixam de lado a prevenção e a investigação. Como mudar essa lógica?
A própria pergunta aponta o caminho: muda-se essa lógica, investindo-se em prevenção e investigação, o que exige transformação do modelo policial: desmilitarização, ciclo completo em cada instituição policial e
carreira única.
Falar em reduzir o confronto da polícia com a população num governo como o de Bolsonaro que defende o uso de armas por qualquer cidadão, com apoio de uma militância ruidosa, é mais difícil?
Muito mais difícil. Entretanto, falar é preciso.
No Rio, o governador Wilson Witzel defende a execução de quem carrega fuzis e até cita a possibilidade de explodir uma comunidade. Ele foi eleito com esse discurso num estado dominado por sucessivos governos corruptos. Como explicar esse fenômeno?
A sociedade está farta de tanto crime e clama por soluções. O demagogo que oferecer uma solução simples e imediata ganha o voto. Ao longo dos próximos quatro anos, se colherá mais decepção e ceticismo. E, de novo, outro justiceiro populista virá, prometendo punição e vingança, e derrotará mais um governador fracassado. Até o dia em que a sociedade perceba que fazer mais do mesmo, ainda que com mais intensidade, não produzirá resultados diferentes.
O crime organizado tem crescido dentro e fora dos presídios. Qual é a solução?
A solução é dupla: em primeiro lugar, interromper o fluxo acelerado de encarceramento de pequenos varejistas do comércio de substâncias ilícitas, presos em flagrante sem armas e sem vínculo orgânico com organizações criminosas, dinâmica perversa que, além de destruir a vida de milhares de jovens não-violentos, contrata violência futura, porque esses presos terão de se filiar a facções criminosas para sobreviver no sistema penitenciário e a proteção será cobrada sob a forma de lealdade, subsequentemente à sua saída do cárcere. Em segundo lugar, cumprir a Lei de Execuções Penais. O Estado não a cumpre, o que o torna criminoso e cúmplice do domínio que as facções exercem no sistema penitenciário.
Como reduzir o tráfico de drogas com o consumo liberado?
Só faz sentido legalizar o consumo, legalizando-se o comércio e a produção. É o que defendo. A legalização acaba com o tráfico e com a guerra às drogas, que mata mais do que as drogas.
O senhor é um dos autores de Elite da Tropa, que deu origem aos filmes Tropa de Elite, uma narrativa que cada vez mais realça a realidade brasileira. O que piorou desde o lançamento dessas obras?
Até 2018, as execuções extra-judiciais existiam e eram toleradas e clandestinamente estimuladas por vários governos estaduais. Em 2019, elas são aceitas explicitamente e estimuladas publicamente por diversos governos estaduais, pelo governo federal, que encaminhou ao Congresso projeto de Lei propondo o excludente de ilicitude, que, na prática, autoriza a pena de morte sem julgamento. Resultado: só no estado do Rio, nos cinco primeiros meses deste ano, houve 729 mortes provocadas por ações policiais, recorde histórico que corresponde a um terço do conjunto dos homicídios.
Quais os fatores mais graves para explicar indicadores tão altos de violência no Brasil hoje?
Além das desigualdades abissais e do racismo estrutural, eu também destacaria a guerra às drogas e a irracional arquitetura institucional da segurança pública, definida no artigo 144 da Constituição, que exclui os
municípios, subestima o papel da União, joga toda a responsabilidade nos ombros dos estados, divide as polícias estaduais em duas – uma investigativa, outra militar/ostensiva — e divide as carreiras em duas esferas, a dos delegados e oficiais, a dos agentes e praças.
Por que o senhor propõe mudanças na estrutura policial?
Para que 80% dos policiais brasileiros não sejam proibidos de investigar e para que a grande massa policial não seja super-explorada. Observe que mais de 70% dos policiais brasileiros são contrários ao nosso
modelo policial.
Quais as experiências exitosas em que o Brasil poderia se inspirar para alcançar melhores indicadores de segurança pública?
São exemplos para o Brasil todos os países que impõem às suas polícias respeito estrito aos limites ditados pelo Estado democrático de direito. Mesmo eles têm problemas, imagina o que tem ocorrido em nosso país, onde autoridades liberam policiais para matar. O que não se compreende, aqui, é que, quando há tal autorização, o que se obtém não é uma polícia mais forte e efetiva, mas, ao contrário, uma polícia degradada pela anarquia e pela corrupção, ou seja, mais fraca e indissociável do crime.
Qual a sua avaliação sobre as medidas adotadas até o momento pelo governo Bolsonaro e pelo ministro Moro nessa área?
Nós precisamos de controle rigoroso do acesso às armas, menos encarceramento, menos brutalidade policial letal, respeito à LEP (Lei de Execuções Penais), no sistema penitenciário, mudança na Lei de drogas, com o fim da guerra às drogas, e transformação da arquitetura institucional da segurança pública, a qual inclui o modelo policial. O que Bolsonaro e Moro têm nos oferecido é mais acesso às armas, mais encarceramento, silêncio sobre o continuado desrespeito à LEP, autorização para a brutalidade policial letal, mais guerra às drogas e manutenção da arquitetura institucional e do modelo policial. Além disso, nenhuma medida objetiva foi tomada para reverter o quadro dantesco da super-exploração da força de trabalho policial. Ou seja, a dupla Bolsonaro-Moro tem nos dado o inverso do que o Brasil precisa.
Ana Maria Campos
Editora de política do Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital no Correio Braziliense.
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Ana Maria Campos
Formada em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), com especialização em Novas Mídias, é editora de política no Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital, do Correio.
Helena Mader
Repórter do Correio desde 2004. Estudou jornalismo na UnB e na Université Stendhal Grenoble III, na França, e tem especialização em Novas Mídias pelo Uniceub.
Alexandre de Paula
Formado em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Está no Correio Braziliense desde 2016. Passou também pelas editorias de Cultura, Ciência e Saúde.
Ana Viriato
Formada em jornalismo pelo Uniceub, é repórter do Correio desde 2016. Interessada pelos bastidores da política, gosta de contar boas histórias e de levar aos leitores assuntos relevantes dos três poderes.
ANA MARIA CAMPOS
Entrevista: Luiz Eduardo Soares, secretário nacional de Segurança Pública (Senasp), entre janeiro e outubro de 2003, na gestão do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, cientista político, antropólogo, especialista em segurança e um dos autores do livro Elite da Tropa, que deu origem aos filmes Tropa de Elite.
“A dupla Bolsonaro-Moro tem nos dado o inverso do que o Brasil precisa”
Muitos governos investem em policiamento nas ruas porque o policial uniformizado cria na população a sensação de segurança, mas deixam de lado a prevenção e a investigação. Como mudar essa lógica?
A própria pergunta aponta o caminho: muda-se essa lógica, investindo-se em prevenção e investigação, o que exige transformação do modelo policial: desmilitarização, ciclo completo em cada instituição policial e
carreira única.
Falar em reduzir o confronto da polícia com a população num governo como o de Bolsonaro que defende o uso de armas por qualquer cidadão, com apoio de uma militância ruidosa, é mais difícil?
Muito mais difícil. Entretanto, falar é preciso.
No Rio, o governador Wilson Witzel defende a execução de quem carrega fuzis e até cita a possibilidade de explodir uma comunidade. Ele foi eleito com esse discurso num estado dominado por sucessivos governos corruptos. Como explicar esse fenômeno?
A sociedade está farta de tanto crime e clama por soluções. O demagogo que oferecer uma solução simples e imediata ganha o voto. Ao longo dos próximos quatro anos, se colherá mais decepção e ceticismo. E, de novo, outro justiceiro populista virá, prometendo punição e vingança, e derrotará mais um governador fracassado. Até o dia em que a sociedade perceba que fazer mais do mesmo, ainda que com mais intensidade, não produzirá resultados diferentes.
O crime organizado tem crescido dentro e fora dos presídios. Qual é a solução?
A solução é dupla: em primeiro lugar, interromper o fluxo acelerado de encarceramento de pequenos varejistas do comércio de substâncias ilícitas, presos em flagrante sem armas e sem vínculo orgânico com organizações criminosas, dinâmica perversa que, além de destruir a vida de milhares de jovens não-violentos, contrata violência futura, porque esses presos terão de se filiar a facções criminosas para sobreviver no sistema penitenciário e a proteção será cobrada sob a forma de lealdade, subsequentemente à sua saída do cárcere. Em segundo lugar, cumprir a Lei de Execuções Penais. O Estado não a cumpre, o que o torna criminoso e cúmplice do domínio que as facções exercem no sistema penitenciário.
Como reduzir o tráfico de drogas com o consumo liberado?
Só faz sentido legalizar o consumo, legalizando-se o comércio e a produção. É o que defendo. A legalização acaba com o tráfico e com a guerra às drogas, que mata mais do que as drogas.
O senhor é um dos autores de Elite da Tropa, que deu origem aos filmes Tropa de Elite, uma narrativa que cada vez mais realça a realidade brasileira. O que piorou desde o lançamento dessas obras?
Até 2018, as execuções extra-judiciais existiam e eram toleradas e clandestinamente estimuladas por vários governos estaduais. Em 2019, elas são aceitas explicitamente e estimuladas publicamente por diversos governos estaduais, pelo governo federal, que encaminhou ao Congresso projeto de Lei propondo o excludente de ilicitude, que, na prática, autoriza a pena de morte sem julgamento. Resultado: só no estado do Rio, nos cinco primeiros meses deste ano, houve 729 mortes provocadas por ações policiais, recorde histórico que corresponde a um terço do conjunto dos homicídios.
Quais os fatores mais graves para explicar indicadores tão altos de violência no Brasil hoje?
Além das desigualdades abissais e do racismo estrutural, eu também destacaria a guerra às drogas e a irracional arquitetura institucional da segurança pública, definida no artigo 144 da Constituição, que exclui os
municípios, subestima o papel da União, joga toda a responsabilidade nos ombros dos estados, divide as polícias estaduais em duas – uma investigativa, outra militar/ostensiva — e divide as carreiras em duas esferas, a dos delegados e oficiais, a dos agentes e praças.
Por que o senhor propõe mudanças na estrutura policial?
Para que 80% dos policiais brasileiros não sejam proibidos de investigar e para que a grande massa policial não seja super-explorada. Observe que mais de 70% dos policiais brasileiros são contrários ao nosso
modelo policial.
Quais as experiências exitosas em que o Brasil poderia se inspirar para alcançar melhores indicadores de segurança pública?
São exemplos para o Brasil todos os países que impõem às suas polícias respeito estrito aos limites ditados pelo Estado democrático de direito. Mesmo eles têm problemas, imagina o que tem ocorrido em nosso país, onde autoridades liberam policiais para matar. O que não se compreende, aqui, é que, quando há tal autorização, o que se obtém não é uma polícia mais forte e efetiva, mas, ao contrário, uma polícia degradada pela anarquia e pela corrupção, ou seja, mais fraca e indissociável do crime.
Qual a sua avaliação sobre as medidas adotadas até o momento pelo governo Bolsonaro e pelo ministro Moro nessa área?
Nós precisamos de controle rigoroso do acesso às armas, menos encarceramento, menos brutalidade policial letal, respeito à LEP (Lei de Execuções Penais), no sistema penitenciário, mudança na Lei de drogas, com o fim da guerra às drogas, e transformação da arquitetura institucional da segurança pública, a qual inclui o modelo policial. O que Bolsonaro e Moro têm nos oferecido é mais acesso às armas, mais encarceramento, silêncio sobre o continuado desrespeito à LEP, autorização para a brutalidade policial letal, mais guerra às drogas e manutenção da arquitetura institucional e do modelo policial. Além disso, nenhuma medida objetiva foi tomada para reverter o quadro dantesco da super-exploração da força de trabalho policial. Ou seja, a dupla Bolsonaro-Moro tem nos dado o inverso do que o Brasil precisa.
Ana Maria Campos
Editora de política do Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital no Correio Braziliense.
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Quem faz o Blog
Ana Maria Campos
Formada em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), com especialização em Novas Mídias, é editora de política no Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital, do Correio.
Helena Mader
Repórter do Correio desde 2004. Estudou jornalismo na UnB e na Université Stendhal Grenoble III, na França, e tem especialização em Novas Mídias pelo Uniceub.
Alexandre de Paula
Formado em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Está no Correio Braziliense desde 2016. Passou também pelas editorias de Cultura, Ciência e Saúde.
Ana Viriato
Formada em jornalismo pelo Uniceub, é repórter do Correio desde 2016. Interessada pelos bastidores da política, gosta de contar boas histórias e de levar aos leitores assuntos relevantes dos três poderes.
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/cbpoder/luiz-eduardo-soares-autor-de-livro-que-inspirou-tropa-de-elite-a-dupla-bolsonaro-moro-tem-nos-dado-o-inverso-do-que-o-brasil-precisa/
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