2 de julho de 2019, 17h43
Por Sérgio Rodas
A criação, pelo Tribunal de Justiça fluminense, de uma vara especializada em lavagem de dinheiro e atos praticados por organizações criminosas pode diminuir a imparcialidade das decisões e estimular o surgimento de “juízes heróis”. E o fato de os juízes da vara serem indicados – pelo presidente do TJ-RJ ou pelo titular da vara titular da seção – viola o princípio do juiz natural e pode favorecer o controle ideológico sobre os processos. Isso é o que afirmam advogados criminalistas ouvidos pela ConJur.
Órgão Especial do TJ-RJ aprovou a criação da vara especializada nesta segunda (1/7).
O Órgão Especial do TJ-RJ aprovou nesta segunda-feira (1/7) a transformação da 25ª Vara Criminal da capital em vara especializada em lavagem de dinheiro e atos praticados por organizações criminosas. O projeto de criação da vara foi apresentado pelo presidente do TJ-RJ, desembargador Claudio de Mello Tavares, sob a justificativa de proteção para juízes de fóruns que, segundo o presidente, vêm sendo ameaçados por facções criminosas. Ele acredita que a nova vara vai dar mais celeridade e qualidade aos julgamentos.
A medida também atende a uma resolução do Conselho Nacional de Justiça de 2006 que recomenda aos tribunais a criação de varas especializadas no combate ao crime organizado. Os juízes da operação “lava jato” Sergio Moro e Marcelo Bretas ficaram conhecidos por serem titulares de varas especializadas em lavagem de dinheiro, justamente atendendo à recomendação do CNJ.
Porém, a criação de uma vara especializada em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas pode estimular julgamentos parciais, baseados em uma postura de combate ao crime, que não deve ser adotada por magistrados.
A criação de varas especializadas retira a possibilidade de uma livre distribuição do caso, aponta advogada Victória-Amalia de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki, professora de Direito Penal da PUC-Rio. Com isso, “engessa o Direito”, pois impede que juízes diferentes apreciem processos envolvendo lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas.
Se apenas uma vara concentra essas matérias, fica limitada a oxigenação de teses jurídicas e, assim, do próprio Direito, avalia o advogado Antonio Pedro Melchior, professor de Direito Processual Penal da UFRJ.
A criação de varas especializadas em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas é uma tendência irreversível, devido à crescente complexidade dos crimes econômicos e financeiros, opina o criminalista Diogo Malan, professor da UFRJ e da Uerj. O problema, a seu ver, “é o risco de o juiz se colocar no papel de combatente dessa criminalidade, agindo ombreado com o Ministério Público como inimigo do acusado”. Essa deturpação do papel do magistrado rompe com o modelo constitucional de julgamento justo, afirma Malan.
Dessa forma, a vara especializada cria a oportunidade do surgimento de mais um “juiz herói”, destaca o criminalista Breno Melaragno Costa, professor da PUC-Rio. “No meio jurídico, vem sendo repetido acertadamente que juiz não pode ser inquisidor, ‘justiceiro’ e, muito menos, herói. O Judiciário tem que manter equidistância das partes - acusação e defesa - para poder cumprir o seu fundamental papel de realizar um julgamento equilibrado e justo”.
No entanto, Costa analisa que a especialização de juízes e serventuários pode ser eficaz para a instrução probatória de casos de lavagem de dinheiro e de organizações criminosas.
Juiz natural
Claudio de Mello Tavares nomeou o juiz Marcello Rubiolli para titular da vara especializada em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas. A resolução que regula a vara estabelece que ela terá dois ou mais juízes auxiliares, preferencialmente indicados pelo titular e designados por ato do presidente do TJ-RJ.
Criminalistas ouvidos pela ConJur entendem que a indicação dos juízes, em vez da abertura de um processo de remoção, no qual interessados se candidatariam aos postos, viola o princípio do juiz natural.
O advogado Fernando Augusto Fernandes diz que a criação da vara especializada é algo positivo, mas que ressalta que a escolha de magistrados é uma afronta à Constituição federal.
Diogo Malan também enxerga violação ao princípio. A cláusula do juiz natural, explica, exige que a escolha do juiz seja feita mediante critérios objetivos e impessoais, e não seja uma escolha pessoal e discricionária do presidente da corte ou do titular da vara.
Ainda que não acredite que o método de seleção viole o princípio do juiz natural, Breno Costa declara que as vagas deveriam ser preenchidas por meio de um processo regular de remoção, que privilegiasse critérios técnicos, e não possíveis presunções pessoais.
Reforço ideológico
Varas especializadas têm sido utilizadas, em muitos casos, como forma de controle ideológico de decisões, destaca Antonio Pedro Melchior. E a escolha direta de juízes agrava este quadro, pois “assegura a manipulação do perfil dos juízes para apreciar matérias específicas”.
“Considero que há violação ao juiz natural, com reflexos negativos na imparcialidade do magistrado, uma matéria que, no atual contexto político, exigiria do Poder Judiciário fluminense maior cuidado”, diz o advogado.
“A indicação é pouco democrática e acaba por ser uma escolha que se alinharia com a ideologia do presidente do tribunal. Deveria ser feito exatamente como qualquer outro preenchimento de vagas nas varas”, opina Victória-Amalia Sulocki.
A professora da PUC-Rio lembra que a escolha de juízes auxiliares pelo titular da vara contraria as regras sobre julgamento colegiado em casos de organizações criminosas, fixadas pela Lei 12.694/2012. A norma estabelece que o colegiado será formado pelo juiz do processo e dois outros escolhidos por sorteio eletrônico com competência criminal.
Outro lado
Na sessão em que o Órgão Especial aprovou a criação da vara especializada em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas, Claudio de Mello Tavares rebateu algumas dessas críticas.
O presidente do TJ-RJ minimizou o argumento de que o titular da nova vara concentrará muito poder alegando que outras varas serão criadas até o fim de sua gestão.
Embora o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), tenha pedido que o TJ-RJ criasse a nova vara, Cláudio Tavares disse que a medida atende a recomendação do CNJ, e não a pedido do político.
"Não estamos queremos criar um novo Marcelo Bretas ou um novo Sergio Moro. Queremos atender a uma demanda da sociedade. Como juízes, não vamos atender políticos. Apenas disse que o governador, como ex-juiz criminal, solicitou que a presidência propusesse a criação da vara", declarou.
O presidente do TJ-RJ ainda defendeu a transformação da 25ª Vara Criminal da capital em vara especializada em vez da criação de uma nova, com a abertura de um processo seletivo para os interessados em integrá-la.
Tavares lembrou de medida semelhante ocorrida na gestão passada, de Milton Fernandes de Souza. A 12ª Vara de Fazenda Pública estava sobrecarregada, com 80 mil processos. A administração do TJ-RJ então transformou uma vara de família na 17ª Vara de Fazenda Pública, que recebeu metade do acervo da 12ª Vara.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 2 de julho de 2019, 17h43
O Órgão Especial do TJ-RJ aprovou nesta segunda-feira (1/7) a transformação da 25ª Vara Criminal da capital em vara especializada em lavagem de dinheiro e atos praticados por organizações criminosas. O projeto de criação da vara foi apresentado pelo presidente do TJ-RJ, desembargador Claudio de Mello Tavares, sob a justificativa de proteção para juízes de fóruns que, segundo o presidente, vêm sendo ameaçados por facções criminosas. Ele acredita que a nova vara vai dar mais celeridade e qualidade aos julgamentos.
A medida também atende a uma resolução do Conselho Nacional de Justiça de 2006 que recomenda aos tribunais a criação de varas especializadas no combate ao crime organizado. Os juízes da operação “lava jato” Sergio Moro e Marcelo Bretas ficaram conhecidos por serem titulares de varas especializadas em lavagem de dinheiro, justamente atendendo à recomendação do CNJ.
Porém, a criação de uma vara especializada em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas pode estimular julgamentos parciais, baseados em uma postura de combate ao crime, que não deve ser adotada por magistrados.
A criação de varas especializadas retira a possibilidade de uma livre distribuição do caso, aponta advogada Victória-Amalia de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki, professora de Direito Penal da PUC-Rio. Com isso, “engessa o Direito”, pois impede que juízes diferentes apreciem processos envolvendo lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas.
Se apenas uma vara concentra essas matérias, fica limitada a oxigenação de teses jurídicas e, assim, do próprio Direito, avalia o advogado Antonio Pedro Melchior, professor de Direito Processual Penal da UFRJ.
A criação de varas especializadas em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas é uma tendência irreversível, devido à crescente complexidade dos crimes econômicos e financeiros, opina o criminalista Diogo Malan, professor da UFRJ e da Uerj. O problema, a seu ver, “é o risco de o juiz se colocar no papel de combatente dessa criminalidade, agindo ombreado com o Ministério Público como inimigo do acusado”. Essa deturpação do papel do magistrado rompe com o modelo constitucional de julgamento justo, afirma Malan.
Dessa forma, a vara especializada cria a oportunidade do surgimento de mais um “juiz herói”, destaca o criminalista Breno Melaragno Costa, professor da PUC-Rio. “No meio jurídico, vem sendo repetido acertadamente que juiz não pode ser inquisidor, ‘justiceiro’ e, muito menos, herói. O Judiciário tem que manter equidistância das partes - acusação e defesa - para poder cumprir o seu fundamental papel de realizar um julgamento equilibrado e justo”.
No entanto, Costa analisa que a especialização de juízes e serventuários pode ser eficaz para a instrução probatória de casos de lavagem de dinheiro e de organizações criminosas.
Juiz natural
Claudio de Mello Tavares nomeou o juiz Marcello Rubiolli para titular da vara especializada em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas. A resolução que regula a vara estabelece que ela terá dois ou mais juízes auxiliares, preferencialmente indicados pelo titular e designados por ato do presidente do TJ-RJ.
Criminalistas ouvidos pela ConJur entendem que a indicação dos juízes, em vez da abertura de um processo de remoção, no qual interessados se candidatariam aos postos, viola o princípio do juiz natural.
O advogado Fernando Augusto Fernandes diz que a criação da vara especializada é algo positivo, mas que ressalta que a escolha de magistrados é uma afronta à Constituição federal.
Diogo Malan também enxerga violação ao princípio. A cláusula do juiz natural, explica, exige que a escolha do juiz seja feita mediante critérios objetivos e impessoais, e não seja uma escolha pessoal e discricionária do presidente da corte ou do titular da vara.
Ainda que não acredite que o método de seleção viole o princípio do juiz natural, Breno Costa declara que as vagas deveriam ser preenchidas por meio de um processo regular de remoção, que privilegiasse critérios técnicos, e não possíveis presunções pessoais.
Reforço ideológico
Varas especializadas têm sido utilizadas, em muitos casos, como forma de controle ideológico de decisões, destaca Antonio Pedro Melchior. E a escolha direta de juízes agrava este quadro, pois “assegura a manipulação do perfil dos juízes para apreciar matérias específicas”.
“Considero que há violação ao juiz natural, com reflexos negativos na imparcialidade do magistrado, uma matéria que, no atual contexto político, exigiria do Poder Judiciário fluminense maior cuidado”, diz o advogado.
“A indicação é pouco democrática e acaba por ser uma escolha que se alinharia com a ideologia do presidente do tribunal. Deveria ser feito exatamente como qualquer outro preenchimento de vagas nas varas”, opina Victória-Amalia Sulocki.
A professora da PUC-Rio lembra que a escolha de juízes auxiliares pelo titular da vara contraria as regras sobre julgamento colegiado em casos de organizações criminosas, fixadas pela Lei 12.694/2012. A norma estabelece que o colegiado será formado pelo juiz do processo e dois outros escolhidos por sorteio eletrônico com competência criminal.
Outro lado
Na sessão em que o Órgão Especial aprovou a criação da vara especializada em lavagem de dinheiro e atos de organizações criminosas, Claudio de Mello Tavares rebateu algumas dessas críticas.
O presidente do TJ-RJ minimizou o argumento de que o titular da nova vara concentrará muito poder alegando que outras varas serão criadas até o fim de sua gestão.
Embora o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), tenha pedido que o TJ-RJ criasse a nova vara, Cláudio Tavares disse que a medida atende a recomendação do CNJ, e não a pedido do político.
"Não estamos queremos criar um novo Marcelo Bretas ou um novo Sergio Moro. Queremos atender a uma demanda da sociedade. Como juízes, não vamos atender políticos. Apenas disse que o governador, como ex-juiz criminal, solicitou que a presidência propusesse a criação da vara", declarou.
O presidente do TJ-RJ ainda defendeu a transformação da 25ª Vara Criminal da capital em vara especializada em vez da criação de uma nova, com a abertura de um processo seletivo para os interessados em integrá-la.
Tavares lembrou de medida semelhante ocorrida na gestão passada, de Milton Fernandes de Souza. A 12ª Vara de Fazenda Pública estava sobrecarregada, com 80 mil processos. A administração do TJ-RJ então transformou uma vara de família na 17ª Vara de Fazenda Pública, que recebeu metade do acervo da 12ª Vara.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 2 de julho de 2019, 17h43
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