O recado de uma juíza federal aos pobres de direita

Ela tem toda razão. 

Por coincidência, acabei de ler a obra do advogado brasileiro JOSÉ ROBERTO DE CASTRO NEVES, intitulada  Como os advogados salvaram o mundo - Edit. Nova Fronteira (2018), que faz um resumão fantástico da passagem do feudalismo e das monarquias para os regimes republicanos, da conquista dos direitos humanos, da representatividade e da democracia, com ênfase para a imbatível Revolução Francesa de 1789, com todo o seu legado de cláusulas, hoje pétreas, de constituições do mundo inteiro. 
Uma obra que faz uma síntese espetacular, não só da Revolução Francesa, mas de muitas outras, inclusive dos movimentos acontecidos na Inglaterra, na Alemanha, na Rússia, nos EUA , no Brasil,  dentre muitos outros países.

Advogados, padres, militares e magistrados, principalmente, envolvidos nas tramas mais incríveis, com exemplos incontáveis de coragem e desprendimento, em prol das liberdades públicas e dos direitos fundamentais do ser humano, são referidos pelo autor do livro suso-referido. 

É uma leitura imperdível, da qual inevitável questionar, sobretudo, se sem violência, há como enfrentar a força dos truculentos e inescrupulosos exploradores das camadas menos favorecidas. Cumpre indagar: no que resultou a  ideia de revolução pacífica, desobediência civil, resistência passiva e conceitos semelhantes de Gandhi, Mandela, etc...? Mudaram os privilégios nos países daquelas lideranças? 
A paz, a concórdia, só favorece às classes dominantes. Não foi à toa que um dos documentos mais comentados da Igreja católica (Leão XII, encíclica Rerum Novarum - Ler em http://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html) não ousou sugerir mudanças por meios mais contundentes e efetivos, vale dizer, pelo uso da força pelas massas indigentes e exploradas. Um trecho daquele documento: O problema nem é fácil de resolver, nem isento de perigos. E difícil, efectivamente, precisar com exactidão os direitos e os deveres que devem ao mesmo tempo reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho. Por outro lado, o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar-lhe o sentido e aproveitam-no para excitar as multidões e fomentar desordens. Claro que para a Igreja Católica, a maior latifundiária do mundo, notória exploradora de padres e freiras,  dentre outros tantos ingênuos que se prestam a encher-lhe as burras, trabalhando de graça, a velha ordem mundial precisa ser mantida e qualquer revolução violenta representa um risco iminente para as suas avultadas propriedades e posses. Daí advieram, na dita Encíclica, a defesa intransigente da propriedade privada, os ataques ao Estado e ao Socialismo. 

Uma referência que dá no que pensar - considerando o ensaio que se está a fazer, no sentido de uma nova ditadura -, no tempo presente, no Brasil, nos Estados Unidos, na Rússia, dentre tantos outros países:   
Heródoto, em 440 a.C, ao descrever a história da guerra com os persas, explicitou: 
O governo do povo (...) traz consigo o mais belo de todos os nomes: igualdade perante a lei (...) Acabemos com o governo de um homem só e elevemos o povo ao poder, pois tudo está na maioria. 
O autor do livro inicialmente mencionado, lembra, discorrendo sobre a obra de George Orwell (A revolução dos bichos) e os limites éticos da advocacia, que os advogados também podem funcionar como agentes da tirania. 
E eu cito, sem medo de errar, dois advogados brasileiros, pai e filho, por sinal, que sempre agiram assim: os Ive Gandra Martins. O pai, membro da Opus Dei (organização de extrema direita ligada à Igreja Católica) e defensor intransigente dos banqueiros (precisa dizer mais alguma coisa?) e o filho, guindado ao cargo de ministro do TST, com uma atuação descarada e abusada em favor das categorias econômicas que mais exploram os trabalhadores.  
Os dois representam as forças que nunca tiveram o menor pudor em sacrificar - literalmente falando, o que lembra sangue, da fala da Juíza - inúmeros sindicalistas e lideranças sociais. Daí porque cito-os aqui e os "homenageio" como rematados exemplos do contingente repugnante que também existe na advocacia, embora não sem lembrar que um lado fascinante da humanidade é a existência de gente que pensa e age  das mais diversas formas. 
É preciso admitir que, de certo modo, sem a existência dos exploradores, dos truculentos e dos abusados, a sugar o sangue das massas trabalhadoras, e daqueles que se comportam como abjetos serviçais dos poderosos, não teria havido motivação para as notáveis conquistas da humanidade, principalmente a partir da Revolução Francesa, em sede direitos fundamentais humanos. Então, mesmo o rebotalho ilustrado tem sua utilidade para a sociedade.
Para encerrar, é bom lembrar que a luta e o derramamento de sangue é de longa duração: a Revolução gloriosa - de 1789 - feita pelos franceses, repudiava a escravidão, mas somente em 1848, ou seja, 59 anos depois, a servidão (e seu legado de sangue), foi abolida nas colônias francesas.

-=-=-=

Publicado por

Diario do Centro do Mundo

-9 de março de 2020

Juíza Federal Raquel Domingues do Amaral. Foto: Reprodução

Publicado originalmente no blog Pequenas Igrejas, Grandes Negócios

“Sabem do que são feitos os direitos, meus jovens?

Sentem o seu cheiro?

Os direitos são feitos de suor, de sangue, de carne humana apodrecida nos campos de batalha, queimada em fogueiras!

Quando abro a Constituição no artigo quinto, além dos signos, dos enunciados vertidos em linguagem jurídica, sinto cheiro de sangue velho!

Vejo cabeças rolando de guilhotinas, jovens mutilados, mulheres ardendo nas chamas das fogueiras! Ouço o grito enlouquecido dos empalados.

Deparo-me com crianças famintas, enrijecidas por invernos rigorosos, falecidas às portas das fábricas com os estômagos vazios!

Sufoco-me nas chaminés dos Campos de concentração, expelindo cinzas humanas!

Vejo africanos convulsionando nos porões dos navios negreiros.

Ouço o gemido das mulheres indígenas violentadas.

Os direitos são feitos de fluido vital!

Pra se fazer o direito mais elementar, a liberdade, gastou-se séculos e milhares de vidas foram tragadas, foram moídas na máquina de se fazer direitos, a revolução!

Tu achavas que os direitos foram feitos pelos janotas que têm assento nos parlamentos e tribunais?

Engana-te! O direito é feito com a carne do povo!

Quando se revoga um direito, desperdiça-se milhares de vidas …

Os governantes que usurpam direitos, como abutres, alimentam-se dos restos mortais de todos aqueles que morreram para se converterem em direitos!

Quando se concretiza um direito, meus jovens, eterniza-se essas milhares vidas!

Quando concretizamos direitos, damos um sentido à tragédia humana e à nossa própria existência!

O direito e a arte são as únicas evidências de que a odisseia terrena teve algum significado!”