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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

CRUELDADE - DIVERSÃO DA ELITE, NO PASSADO - E agora?

No reinado de Jaime II, um jovem Lorde milionário, que certa noite havia ateado fogo em um casebre, fez Londres gargalhar, sendo proclamado Rei do fun. Os pobres-diabos do casebre salvaram-se com a roupa do corpo. 
Os membros do Fun Club, todos da mais alta aristocracia, percorriam Londres enquanto os burgueses dormiam, arrancavam as dobradiças das janelas, cortavam a tubulação das bombas, esvaziavam as cisternas, arrancavam os letreiros, saqueavam as plantações, apagavam as luminárias públicas, serravam os pilares de sustentação das casas, quebravam os vidros das janelas, principalmente nos bairros indigentes. 
Eram os ricos que faziam essas coisas aos miseráveis. 
E, por isso, nenhuma queixa era possível. 
Além do mais, era uma comédia. 
Esses costumes não desapareceram completamente. Em diversos pontos da Inglaterra ou das possessões inglesas, em Guernesey, por exemplo, de tempos em tempos alguém devasta um pouco uma casa durante a noite, quebra-lhe uma cerca, arranca-lhe a aldraba da porta, etc. 
Se fossem pobres, seriam enviados à prisão; mas se trata de amáveis rapazes. 
O mais distinto dos clubes era presidido por um imperador que tinha uma meia lua na testa e que se chamava “o grande Mohock”. O mohock ia mais longe que o fun. 
Fazer o mal pelo mal, esse era o plano. O Clube Mohock tinha esse objetivo grandioso: lesar. 
Para cumpri-lo, qualquer meio era válido. Quem se tornava mohock comprometia-se a ser um lesador. Lesar a qualquer preço, a qualquer momento, de qualquer forma, quem quer que fosse, era esse o dever. 
Qualquer membro do Clube Mohock devia ter algum talento. Um era “mestre de dança”, ou seja, fazia os camponeses saltitarem perfurando suas panturrilhas com a espada. Outros sabiam “fazer suar”, ou seja, improvisar, em volta de um mequetrefe qualquer, uma roda de seis ou oito fidalgos de espada na mão; cercado por todos os lados, era impossível que o mequetrefe não desse as costas a alguém; o fidalgo para o qual virava as costas o castigava com uma cutucada que fazia o homem girar; uma nova pontada nos rins lembrava ao sujeito que um nobre estava atrás dele, e assim por diante, cada um estocando em sua vez; quando o homem, fechado nesse círculo de espadas e todo ensanguentado, tinha girado e dançado o bastante, mandavam os lacaios surrá-lo com um bastão para mudar o rumo de suas ideias.
Outros “estapeavam o leão”, ou seja, rindo, paravam um passante, amassavam-lhe o nariz com um murro e enfiavam-lhe dois polegares nos olhos. Se os olhos fossem vazados, pagavam-lhe por eles. 
Eram esses, no início do século XVIII, os passatempos dos opulentos ociosos de Londres. Os ociosos de Paris tinham outros. O Sr. de Charolais dava tiros de fuzil em cidadãos à porta de suas casas. A juventude sempre se divertiu. Lorde David Dirry-Moir levava a essas diversas instituições de recreação seu espírito magnífico e liberal. Como qualquer outro, ele queimava alegremente uma cabana de madeira e sapé e chamuscava um pouco quem estava dentro, mas reconstruía a moradia com pedras. Aconteceu-lhe de fazer duas mulheres dançarem sobre as mãos no She romps Club. Uma era solteira; deu-lhe um dote. A outra era casada; ordenou que seu marido fosse nomeado capelão. 
Louváveis aperfeiçoamentos nas brigas de galo ocorreram graças a ele. Era uma maravilha ver Lorde David preparar um galo para o combate. 
Os galos se pegam pelas penas, como os homens pelos cabelos. Então Lorde David deixava seu galo o mais careca possível. Cortava com uma tesoura todas as penas do rabo e, da cabeça até as asas, todas as penas do pescoço. “Menos penas para o bico do inimigo”, dizia ele. Em seguida estendia as asas do seu galo e cortava, uma a uma, as penas em forma de ponta, provendo as asas de dardos. “Pronto, isso é para os olhos do inimigo”, dizia. Depois raspava suas patas com um canivete, afiava-lhe as garras, encaixava-lhe no esporão uma espora de aço pontuda e cortante, cuspia-lhe na cabeça, cuspia-lhe no pescoço, untando-o com saliva, da mesma forma que esfregavam óleo nos atletas, e o soltava, terrível, exclamando: “Eis como de um galo se faz uma águia, e como um bicho de quintal se transforma em animal de montanha!

- VICTOR HUGO - O homem que ri

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