A trajetória de Theodorico Ferraço pode ser abreviada pelas investigações sobre o envolvimento do atual presidente da Assembleia Legislativa e sua mulher com uma quadrilha que enriqueceu desviando royalties do petróleo
Júlia Rodrigues
Theodorico Ferraço e Norma Ayub (Divulgação)
Inaugurado em 1967, quando conseguiu uma vaga na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, o currículo político de Theodorico Ferraço, hoje com 75 anos, é ornamentado por quatro mandatos como prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, três como deputado federal e mais três como deputado estadual. A coleção de cargos vistosos é tão impressionante quanto o prontuário, que inclui 23 processos em tramitação no Tribunal de Justiça, 13 dos quais por improbidade administrativa.
A última anotação na folha corrida começa a tornar improvável a materialização do sonho perseguido há meses: reeleger-se presidente do Legislativo, que comanda desde março do ano passado. Neste janeiro, em companhia da mulher, Norma Ayub, 52, prefeita de Itapemirim entre 2004 e 2012, Ferraço entrou na mira da Operação Derrama, arquitetada pela Polícia Civil e pelo Tribunal de Contas.
Confinada desde o dia 19 no Centro de Detenção Provisória Feminino de Viana, em Vitória, Norma divide uma cela com duas presas e, segundo amigos e parentes, não tem direito ao uso de sabonete e desodorante. A imprensa capixaba noticiou que a ex-prefeita também foi proibida de receber remédios contra depressão, insônia, problemas estomacais e úlcera. Nesta segunda-feira, seu advogado pediu que a cliente fosse contemplada com a prisão domiciliar. A reivindicação será julgada nesta quinta-feira.
Pai do senador peemedebista Ricardo Ferraço, Theodorico Ferraço vem adiando há tempos a transferência para o filho da chefia do clã. Visto por adversários como um Odorico Paraguaçu do Espírito Santo, o patriarca septuagenário pertence à espécie política cujos integrantes preferem atuar como protagonista na cena regional a ser mais um coadjuvante na paisagem federal.
Ferraço candidatou-se a mais um mandato no comando do Legislativo graças a uma mudança na Constituição estadual, aprovada pelos colegas, que removeu um trecho que proibia a reeleição do presidente. Mas o favoritismo começou a ser minado pelas aparições constantes no noticiário político-policial. O governador Renato Casagrande, até recentemente partidário da inscrição de uma chapa única na eleição da Mesa Diretora, agora foge do tema. A ideia pode ter sido fulminada pelo PT, que acaba de retirar o apoio a Ferraço.
A Operação Derrama, desencadeada há cerca de um mês, desmontou uma quadrilha que extorquia multinacionais instaladas no estado e desviava dos cofres públicos parte do dinheiro arrecadado com os royalties do petróleo.
Para surpresa de quem tem alguma intimidade com a história de crimes impunes protagonizado por políticos do Espírito Santo, já são dez os administradores municipais apresentados a uma cela. O número pode crescer significativamente: o que se se descobriu pode ser a ponta do iceberg que esconde bilhões de reais obtidos com a exploração das jazidas marítimas.
Rodrigo Antonio
Ezequiel Souza, 47, morador do Calafate: uma das vítimas da pobreza extrema.
As evidências de que algo está muito errado são visíveis a olho nu. Quem visita Itapemirim não consegue enxergar um orçamento milionário por trás da paisagem escurecida por incontáveis carências. Sobram moradores pobres, falta assistência social e as filas dos postos de saúde se estendem pelas calçadas. Na chamada comunidade do Calafate, por exemplo, a água encanada chegou há dois meses, muitas residências são desprovidas de energia elétrica e a maioria das crianças abandona a escola para ajudar os pais no corte da cana.
Os números atestam que a origem dos problemas está na péssima gestão dos formidáveis recursos que vêm do mar. A 128 quilômetros de Vitória, Itapemirim figura entre as cidades mais beneficiadas pela extração do petróleo: em 2012, o dinheiro dos royalties chegou perto dos R$ 180 milhões.
Essa fortuna passa ao largo das reais necessidades dos 31 mil habitantes da Itapemirim que sobrevivem em lugares ignorados por Norma e Ferraço ─ que governou de fato a cidade enquanto a mulher foi inquilina do gabinete reservado ao prefeito. O preço do esquecimento foi cobrado nas urnas de outubro passado. Estevão, o Amigo do Coração, candidato do PMDB com o apoio do casal, foi derrotado por 130 votos de diferença por Dr. Luciano, do PSB, primo de Norma e um de seus mais ferozes opositores.
Inconformados com o inesperado fracasso, o casal conseguiu que até o promotor de Justiça se engajasse no esforço destinado a impedir a posse do vencedor. Dr. Luciano teve contestadas as contas de campanha e foi acusado de comprar votos. Norma estava tão certa de que ganharia esse segundo turno disputado em tribunais que prometeu desfilar nua pelas ruas da cidade caso o primo se instalasse no gabinete que lhe pertenceu. Até agora a promessa não foi cumprida.
Como a Operação Derrama está sob segredo de Justiça, seguem desconhecidas a extensão e a gravidade das maracutaias. O que já se sabe, contudo, é suficiente para colocar em risco a reeleição sonhada pelo presidente da Assembleia. Theodorico Ferraço pode acabar descobrindo que ficou mais complicado permanecer em liberdade que continuar no cargo que ocupa. O duelo entre o currículo e o prontuário vai decidir o destino do cacique capixaba.
Fonte: Rev. VEJA
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