MATT HABER
DO "NEW YORK
Senti uma vibração no bolso do shorts, onde sempre guardo meu iPhone. Mas meu celular estava fechado numa sacola de compras grampeada, juntamente com meu relógio, meu cartão de crédito e meus documentos. Qualquer vibração que eu estivesse sentindo só podia ter sido imaginada.
Era o segundo dia no Camp Grounded, acampamento de férias só para adultos situado duas horas ao norte de San Francisco.
Trezentas pessoas estavam reunidas ali para três dias de shows de talentos, hasteamentos de bandeiras e outras atividades tranquilizadoramente regressivas organizadas pelo grupo Digital Detox, de Oakland, na Califórnia, que se dedica a ensinar pessoas desorientadas pela tecnologia (ou dependentes dela) a "se desconectar para se reconectar".
Scott Sporleder
Participantes dançam em Camp Grounded, onde, em vez de escrever posts, podem nadar nus e contemplar as estrelas
As regras eram simples: nada de telefones, computadores, tablets ou relógios. Era proibido falar sobre trabalho, mencionar a idade ou usar nomes reais.
Havia uma razão pela qual essas restrições pareciam atraentes. Um ano atrás, eu era editor de um blog de jornalismo. Meu dia começava às 7h30 no escritório, onde eu geralmente trabalhava até as 18h30, sem parar para almoçar. Eu era obrigado a seguir 1.200 usuários do Twitter, ler por alto 180 feeds de RSS e editar dezenas de posts por dia.
À noite, o iPhone ficava ao lado de minha cama, me fazendo sentir que, mesmo enquanto dormia, eu estava ao lado do fluxo de notícias.
Depois de alguns meses, minhas mãos ficaram entorpecidas e pedi a meu médico que me fizesse uma radiografia do pulmão, porque estava convencido de estar com pneumonia. Eu estava para lá de esgotado.
Em Camp Grounded, porém, não éramos mais bloggers, empreendedores, advogados ou consultores. Éramos nós mesmos, apenas. Ao remover as coisas que supostamente nos "conectam" nesta era de comunicação sem fio e partilha excessiva, os fundadores da Digital Detox esperam construir conexões reais que sejam mais profundas do que uma pessoa seguir a outra no Twitter ou "curtir" a foto de alguém.
Os participantes do acampamento --que tinham entre 19 e 67 anos de idade, segundo os organizadores-- foram convidados a conversar uns com os outros e descobrir coisas uns sobre os outros.
Tudo isso começou imediatamente. Fomos recebidos por monitores que irradiavam positividade. Eu tinha dirigido montanha acima por uma estrada longa e tortuosa para chegar ao acampamento e não estava preparado para tanto entusiasmo, especialmente não para os abraços. No que eu tinha me metido?
"Minha meta agora é me conectar com as pessoas", disse Levi Felix, 28, co-fundador da Digital Detox. "O único momento que interessa é o agora."
Felix faz parte de um movimento emergente que busca, em lugar de simplesmente aceitar as intromissões da mídia social, repensar nossa ligação com os aparelhos eletrônicos.
Ele trabalhava na Causecast.com, plataforma de filantropia corporativa. Mas, depois de um horário de trabalho exaustivo e da má alimentação o terem levado ao hospital, ele reavaliou suas prioridades.
Ele fundou a Digital Detox no ano passado. Camp Grounded foi projetado para ser não tanto uma jornada espiritual, mas um retorno saudosista à infância. Os participantes gastam US$ 300 pelo fim de semana.
Homens e mulheres são separados e alojados em cabanas. O estande de tiro foi reconstruído como área para datilografia, e uma tenda foi erguida perto de um riacho para ser usada como salão de chá aberto a noite toda. Havia mergulhos ao natural na lagoa. Um ônibus velho estacionado numa clareira virou palco de um concerto noturno.
As refeições eram versões veganas de comidas típicas de acampamentos de férias: em uma noite, o prato foi macarrão sem glúten, com queijo. Ouvindo alguns dos presentes reclamar, seria possível imaginar que passar sem carne era mais difícil que ficar sem tecnologia.
Na maior parte do tempo, porém, as reclamações foram poucas e os conflitos inexistentes. Quanto ao amor, os possíveis receios (ou fantasias) de que isso pudesse acontecer não se concretizaram. Parece que todos os participantes reverteram a um estado pré-adolescente de paixonites inocentes.
Uma noite, me vi deitado contemplando o céu noturno.
Em algum lugar fora do acampamento, os iPhones estavam vibrando com as notícias do divórcio de Rupert Murdoch e do bebê de Kim Kardashian.
Mas eu estava procurando estrelas cadentes, não estrelas de TV. Estava curtindo o silêncio, por uma vez na vida.
Fonte: FOLHA DE SP
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