Justiça é dar a cada um o que é seu. Num Estado Democrático de Direito, o sistema tributário é instrumento do bem comum. Seus objetivos não se resumem a arrecadar meios capazes de atender as necessidades orçamentárias dos entes federativos, mas também devem reduzir as disparidades sociais, permitindo que a sociedade se desenvolva com harmonia. Isso se chama Justiça Tributária.
Mas o que vemos no âmbito dos municípios está longe de alcançar esses objetivos. Muitos imaginam que isso resulta da péssima distribuição da carta tributária, eis que, do total arrecadado no país, apenas 16% fica com os municípios, enquanto estados recebem 25% e a União, 59%. Ainda que isso possa explicar alguma coisa, sabemos que os impostos municipais (IPTU , ISSQN e Transmissão inter vivos) são, em regra, pessimamente administrados, além de serem instrumentos de ações demagógicas que deveriam ser combatidas por serem infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal.
O IPTU, especialmente nos grandes municípios e capitais, vem sendo paulatinamente negligenciado, com a ausência de avaliação correta dos imóveis objetos de lançamento. Isso ocorre em imóveis comerciais e também nos residenciais. Por exemplo: meu escritório, no centro da cidade, recebe lançamento onde o valor venal é de cerca de metade do valor real, enquanto minha casa tem avaliação de cerca de um terço.
Os municípios estão sempre necessitando de mais recursos não só para suas despesas de custeio, mas também para investimentos. Isso faz com que prefeitos se submetam a solenidades constrangedoras, onde o governo federal distribui tratores e o estadual ambulâncias, como se fossem esmolas ou dádivas concedidas aos cidadãos, quando sabemos que os recursos saíram do trabalho de toda a sociedade. Trata-se de demagogia, no pior sentido da palavra.
Ora se os municípios soubessem administrar corretamente seus impostos, aqueles equipamentos poderiam ser adquiridos com seus próprios recursos, até porque nem sempre os que lhes são entregues são realmente necessários ou adequados.
Por outro lado, a concessão de isenções indevidas também causa sérios prejuízos aos municípios. Não há nenhuma razão, por exemplo, para que clubes sociais ou desportivos, inclusive os destinados a corridas de cavalos ou similares, sejam beneficiados com tais favores e fiquem à margem da tributação. Está o município a favorecer o interesse de particulares, sócios de entidades privadas que vendem títulos sociais de custo elevado e cobram mensalidades que não estão ao alcance de qualquer um.
Tais isenções devem ser eliminadas, pois rompem o princípio constitucional da igualdade e criam privilégio que não pode ser mantido, eis que não estamos mais na época de benesses dadas a setores privilegiados de uma suposta nobreza.
Registre-se, por oportuno, que muitos desses clubes instalaram-se em terrenos de propriedade municipal, sem que jamais tenham cumprido os compromissos de reciprocidade quando as concessões lhes foram dadas.
O valor venal dos imóveis, construídos ou não, é a base de cálculo do IPTU. Tal valor deve ser real, fixado ao preço de mercado e atualizado ao longo do tempo. Já a alíquota, há de ser proporcional ao valor, respeitado o limite do razoável, sem que, em longo prazo, permitisse efeito confiscatório. Muitos estudiosos estimam a alíquota máxima em 2%, ou seja, o valor do imóvel corresponderia ao IPTU ao longo de 50 anos.
A avaliação correta do imóvel, na chamada planta genérica de valores geraria reflexo positivo também na arrecadação do Imposto de Transmissão Intervivos, melhorando mais um pouco as finanças municipais.
O ISS é um imposto que gera mais recursos aos municípios de médio e grande porte. Assim, tal atividade deveria ser estimulada, facilitando-se a criação de novas empresas, reduzindo-se a burocracia e criando-se um clima amistoso para o empreendedor.
Lamentavelmente, a burocracia em muitos municípios afasta o empreendedor e o impede de crescer. Os programas de incentivo, como regra, servem apenas para promoções esporádicas de eventos promocionais de alguns políticos, sendo esquecidos imediatamente após a próxima eleição.
Precisamos de um mecanismo permanente de regulação do empreendedorismo na área municipal, com incentivos razoáveis, cuja manutenção seja assegurada para quem esteja disposto a trabalhar.
Hoje, qualquer pessoa que pretenda montar um negócio nas grandes cidades vê-se permanentemente assustada com a presença de fiscais disto e daquilo, quase sempre com novas exigências a cada dia e com multas absurdas que, muitas vezes, transformam anos de esforços em um monte de papel velho e sem valor.
Estamos dispostos a pagar um imposto justo e lutar até mesmo para que o nosso imposto seja cobrado em termos reais. Mas desde que isso resulte em serviços públicos de qualidade satisfatória, sem que se admitam privilégios a castas de qualquer espécie e que tudo seja demonstrado com transparência absoluta. O que queremos, afinal, é simples: Justiça Tributária. Pagar o que é devido e receber o que é merecido. Nem mais, nem menos!
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2013
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