Em um país no qual os lenços islâmicos são controlados por lei, a cidade de Roubaix se destaca por diminuir tensões sectárias
Na foto, o L'Epeule, que é um dos principais bairros muçulmanos de Roubaix e é parte integrante da vida da cidadeFoto: Corentin Fohlen / NYTNS
Alissa J. Rubin
Com lenços sobre a cabeça e saias longas, as mulheres passeiam pelas ruas desbotadas dessa cidade pobre na França, enquanto se dirigem à mesquita para a última oração do dia.
Assim como os maridos, irmãos, pais e filhos, elas se sentem em casa aqui. Isso se deve em grande parte ao fato de Roubaix, uma pequena cidade no nordeste da França, ter aceitado sua população muçulmana, proporcionalmente uma das maiores do país.
— Aqui em Roubaix eu me sinto confortável com estas roupas — afirmou Farid Gacem, o presidente barbado da mesquita Abu Bakr, que vestia uma túnica marrom larga que chegava quase até os calcanhares, em uma tarde recente.
Em um país no qual os lenços islâmicos são controlados por lei e muitos muçulmanos afirmam que se sentem rejeitados, Roubaix é uma das poucas cidades que rompeu com essa interpretação rígida do secularismo do Estado francês. A cidade se destaca pelos passos discretos, mas diretos, no sentido de promover uma comunidade muçulmana ativa, diminuindo as tensões éticas e sectárias que afligem outras partes da França, algo que voltou à evidência durante o mês sagrado do Ramadã.
Em Trappes, um subúrbio habitado em grande parte por muçulmanos em Paris, um conflito entre policiais e mulheres que usavam um niqab, um véu cujo uso em público é considerado ilegal, acabou em violência há algumas semanas. Em outro subúrbio parisiense, o prefeito negou o pedido de muçulmanos para a construção de uma sala de orações durante o Ramadã. O ministro do interior afirmou que crimes contra muçulmanos cresceram 28 por cento este ano.
Ainda assim, aqui em Roubaix o clima é diferente. Isso tudo apesar de uma das piores taxas de desemprego do país – 22 por cento –, com números ainda mais altos entre a população jovem, de acordo com a prefeitura. Quase metade das famílias tem renda inferior à linha da pobreza e muitas áreas são afetadas pela criminalidade e o tráfico de drogas.
Resta saber se a abordagem de Roubaix em direção ao multiculturalismo se tornará um modelo para outras cidades francesas, ou se continuará a ser uma exceção em um país no qual a população muçulmana se encontra no centro de um debate sobre o racismo, a tolerância religiosa e a identidade nacional.
— Roubaix é um berço, um símbolo da imigração — afirmou Muhammed Henniche, secretário-geral da União das Associações Muçulmanas de Seine-Saint-Denis, um subúrbio de Paris, que observa as abordagens de diferentes prefeituras.
— Roubaix representa a harmonia em termos de migração — afirmou.
É difícil determinar quais sejam as razões por trás dessa abordagem, em parte por conta da relutância das autoridades francesas em falar sobre religião. Porém, entre as circunstâncias especiais de Roubaix está seu longo histórico migratório, que não inclui apenas muçulmanos, mas budistas do sudeste asiático e outros grupos.
A prefeitura tomou medidas para oferecer assistência aos muçulmanos, incluindo a busca de locais de culto. Isso é o contrário do que fazem muitas cidades francesas que seguem o princípio nacional da "laïcité", o secularismo de Estado. A cidade tem seis mesquitas, incluindo uma que está em construção: um número considerado grande para uma cidade com menos de 100.000 habitantes. O governo local também permitiu que um clérigo muçulmano fosse indicado para o hospital local e três áreas do cemitério municipal são designadas para muçulmanos, algo raro na França.
— Basta observar os dados demográficos, em duas ou três gerações a França toda vai ser como Roubaix — afirmou Bertrand Moreau, porta-voz chefe da prefeitura.
— O país todo será um caldeirão e Roubaix é o laboratório — que mostra como as coisas poderiam funcionar, afirmou.
A prefeitura criou um consórcio que inclui um representante de cada grupo religioso da cidade, bem como um representante do grupo que apoia o secularismo de Estado, para que haja uma discussão horizontal sobre como reagir às necessidades de cada grupo.
Os dados do censo afirmam que o número de muçulmanos na França esteja entre 5 e 6 milhões de pessoas, ou menos de 8 por cento da população. Em Roubaix, a prefeitura estima que a população muçulmana chegue a 20.000 pessoas, ou cerca de 20 por cento da população.
Durante conversas nas ruas e nas mesquitas de Roubaix durante o Ramadã, os muçulmanos deixam claro que, embora enfrentem parte dos mesmos problemas enfrentados por outros muçulmanos na França, a cidadezinha era diferente.
— Nosso mote é o convívio e nessa convivência queremos passar uma imagem clara da comunidade muçulmana: somos cidadãos franceses antes de qualquer outra coisa, antes de qualquer aspecto religioso — afirmou Sliman Taleb-Ahmed, presidente da associação de instituições muçulmanas de Roubaix.
Um dos principais bairros muçulmanos da cidade, o L'Epeule, fica a poucas quadras da praça central e é parte integrante da vida da cidade. As ruas são repletas de açougues halal e a livraria Safir faz bons negócios com seus livros sobre o Corão.
Ahmed El-Hadi, o menino de 15 que cuida da loja enquanto os pais estão na rua, usava uma camiseta que dizia em inglês: "Sou muçulmano, não entre em pânico".
Todavia, ainda existem tensões. O grupo cívico ecumênico Roubaix Espérance, que promove o multiculturalismo, tem trocado de presidentes e neste verão apontou o chefe de um grupo que apoia a laïcité, irritando os muçulmanos que acreditavam que era sua vez de liderar a organização.
Ainda assim, a separação entre muçulmanos e não muçulmanos é menos clara na cidade.
Na seção muçulmana do cemitério em Tourcoing, uma cidade próxima, Josiane Derenoncourt, de 65 anos, era a primeira visitante em uma manhã quente de verão. Ela trazia uma garrafa de água para colocar sobre o túmulo do marido com quem foi casada por 33 anos, Mokhtar Farah.
— Soube que iria esquentar e fiquei preocupada que ele ficasse com sede — afirmou com os olhos cheios de lágrimas.
Ela era cristã, o marido muçulmano, eles se conheceram em uma fábrica de tecidos que já não existe mais. Ela se converteu informalmente, aprendendo a rezar ao modo islâmico e enviado o único filho do casal à mesquita.
— Ainda bem que ele foi enterrado aqui — afirmou sobre o marido, acrescentando que, do contrário, teria que enviar o corpo para seu vilarejo natal na Argélia, onde ela não poderia visitá-lo.
Ela é cristã ou muçulmana? Neste canto da França ela pode ser os dois.
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