Por Mauro Santayana - de Brasília
Erich Priebke
Depois de impasse que durou vários dias, finalmente chegou-se, a um acordo sobre o destino a ser dado ao corpo de Erich Priebke – criminoso nazista responsável, em março de 1944, pela morte de 328 civis italianos, no massacre das Fossas Ardeatinas – que apodrecia, insepulto, dentro de um caixão fechado, no hangar de um aeroporto militar italiano.
Seu cadáver será levado para lugar ignorado, e enterrado em segredo, para que o local de sua sepultura não venha a ser venerado por simpatizantes neonazistas.
Priebke é mais um de um numeroso bando de assassinos, que mataram centenas de milhares de civis por toda Europa. De pequenas cidades como Oradour, na França, ou Lidice, na Tchecoeslováquia, a guetos como o de Vilna ou Varsóvia. Em campos da morte como Maydanek, Treblinka, Dachau, Birkenau, Sobibor, ou nos einzatsgruppen, unidades que percorriam o interior da Polônia e da União Soviética, especializadas no extermínio da população civil, que, por uma questão de logística, não podia ser enviada para os campos de concentração.
Ao amanhecer do dia, esses soldados – que não tinham coragem de combater homens armados – retiravam mulheres e crianças, velhos, judeus, ciganos e comunistas de suas casas, e os levavam para a floresta, onde eram obrigados a cavar fossas, e depois a se deitar sobre os que haviam descido antes, para morrer crivados de balas.
A maldição de Priebke – ninguém quis reclamar o seu cadáver – é a mesma de Caim, aquele que matou o irmão por ciúmes, e foi condenado a vagar pelo mundo.
A marca de Caim é a da morte.
Primeiro a derramar sangue de outro homem, Caim transformou-se em patrono de todos os assassinos que se seguiram, que, como ele, mataram pelos mesmos motivos. O desprezo ao outro, o ciúme de querer ser o escolhido – os nazistas se acreditavam eleitos para governar a terra – no lugar do mais fraco, do mais humano, do que é diferente.
No dia 17 de setembro, um músico antifascista grego, Pavlos Fissas, de 34 anos, foi esfaqueado e morto em Atenas, por membros do partido de extrema direita Aurora Dourada. Pressionada por “nacionalistas”, a polícia russa prendeu – sem acusações – 1.200 imigrantes, em Moscou, no dia 14 de outubro.
Na França, uma menina cigana, de 15 anos de idade, foi sumariamente retirada de um ônibus no qual excursionava com seus amigos de escola, e expulsa, imediatamente, do país, junto com sua família.
Na Noruega, o Partido do Progresso, xenófobo e de direita, chegou ao poder.
Poucos dias antes, na Itália, centenas de imigrantes e refugiados morreram afogados no Mediterrâneo, tentando atingir o território europeu.
E há dez dias, um grupo de neonazistas esfaqueou um jovem de 26 anos em uma praça do centro de Porto Alegre, depois de agressões racistas.
Cada vez que um mendigo é espancado ou incendiado, um imigrante é maltratado e vilipendiado, alguém que defende a liberdade e a justiça é assassinado, Abel morre de novo, diante de nós.
A maldição de Caim continua viva. É preciso aprender a reconhecer seus seguidores. E combater o ódio, a violência e a intolerância, se não quisermos deixar de acreditar em um mundo melhor.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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