O recente aniversário de 70 anos da libertação de Auschwitz faz lembrar o grande crime do fascismo, cuja iconografia nazista está impregnada em nossa consciência. O fascismo é preservado como história, fragmentos de filmes de camisas negras e passo de ganso, a criminalidade ali, terrível e clara. Mas nas mesmas sociedades liberais, de elites viciadas, dependentes, de guerras, que falam de nunca esquecer o fascismo de antes, oculta-se cuidadosamente o crescente perigo de um tipo contemporâneo de fascismo; porque é o fascismo dessas mesmas elites.
2/3/2015, John Pilger, Consortium News
"Iniciar guerra de agressão" (...) - disseram os juízes do Tribunal de Nuremberg em 1946 - "não é crime internacional simples; é o supremo crime internacional, diferente de outros crimes de guerra, porque contém nele o mal acumulado de todos os demais."
Se os nazistas não tivessem invadido a Europa, Auschwitz e o Holocausto não teriam acontecido. Se os EUA e seus satélites não tivessem iniciado a sua guerra de agressão contra o Iraque em 2003, quase um milhão de mortos não teriam morrido; e o Estado Islâmico, ou ISIS, ISIL ou Daesh, não nos teria encurralado em sua selvageria. São os rebentos do fascismo moderno, inflado pelas bombas, massacres, banhos de sangue e mentiras que compõem o teatro surreal que se conhece como 'noticiário', 'jornalismo' ou 'informação'.
Como fez o fascismo dos anos 1930s e 1940s, distribuem-se mentiras com precisão de metrônomo: graças a uma empresa-imprensa onipresente e repetitiva e a violenta censura por omissão a que se chama 'jornalismo'. Considere-se a catástrofe na Líbia.
Em 2011, a OTAN lançou 9.700 ataques [orig. "strike sorties"] contra a Líbia, dos quais mais de 1/3 tinham como alvo instalações civis. Foram usadas ogivas de urânio. As cidades de Misurata e Sirte foram implacavelmente bombardeadas até serem reduzidas a ruínas. A Cruz Vermelha identificou covas coletivas, e a Cruz Vermelha relatou que "a maioria [das crianças assassinadas pela OTAN] tinham menos de dez anos." (...)
Secretamente treinados e abastecidos pelo Special Air Service (SAS) britânico, muitos dos "rebeldes" se integrariam adiante ao ISIS, cujo mais recente vídeo mostra a degola de 21 trabalhadores cristãos coptas presos em Sirte, a cidade destruída para salvá-los por bombardeios da OTAN.
Para Obama, Cameron e Hollande, o verdadeiro crime de Gaddafi foi a independência econômica da Líbia e sua declarada intenção de parar de vender em dólares norte-americanos a maior reserva de petróleo da África. O petrodólar sempre foi um dos pilares do poder imperial dos EUA.
Gaddafi planejou audaciosamente subscrever uma moeda africana comum que teria lastro em ouro; criou um banco africano e promoveu a união econômica de países pobres, mas ricos em recursos naturais valiosos. Viesse tudo isso a se concretizar ou não, a simples noção era inadmissível para os EUA quando se preparava para 'entrar' na África e subornar todos os governos africanos com 'parcerias' militares.
Depois do ataque pela OTAN, acobertado por uma Resolução do Conselho de Segurança, Obama, escreveu Garikai Chengu, "confiscou $30 bilhões do Banco Central da Líbia, que Gaddafi reservara para criar um Banco Central Africano e o dinar, moeda africana que teria lastro ouro."
O Modelo Kosovo
A "guerra humanitária"[1] contra a Líbia baseou-se num modelo muito caro ao coração dos liberais ocidentais, especialmente nas empresas-imprensa. Em 1999, Bill Clinton e Tony Blair mandaram a OTAN bombardear a Sérvia, porque - mentiram eles - os sérvios estariam cometendo "genocídio" contra os albaneses étnicos na província secessionista do Kosovo.
David Scheffer, embaixador at-large dos EUA para crimes de guerra (só rindo), disse que "número bem próximo de 225 mil homens albaneses étnicos, com idades entre 14 e 59 anos" podem ter sido assassinados. A dupla Clinton e Blair pôs imediatamente a evocar o Holocausto e o "espírito da 2ª Guerra Mundial."
Os heroicos aliados do ocidente foram o Exército de Libertação do Kosovo [orig. Kosovo Liberation Army (KLA), cujo currículo de assassinatos foi esquecido. O Secretário de Assuntos Exteriores da Grã-Bretanha, Robin Cook, deixou com eles o número de seu telefone, com instruções para que chamassem a qualquer hora que precisassem, diretamente, pelo celular.
Terminado o bombardeio - ação da OTAN -, e com praticamente toda a infraestrutura da Sérvia em ruínas, além de escolas, hospitais, monastérios e da rede nacional de televisão, desceram em Kosovo equipes internacionais de investigadores e especialistas, para exumar as provas do "holocausto". O FBI não encontrou nenhuma cova coletiva das que tanto se falava e voltou para os EUA. A equipe de especialistas espanhóis tampouco encontrou prova alguma de "holocausto" algum e também voltou para casa, não sem antes denunciarem, zangados, "a pirueta semântica em que nos envolveram as máquinas de propaganda pró-guerra."
Um ano depois, um tribunal da ONU sobre a Iugoslávia anunciou o número real de mortos no Kosovo: 2,788. Esse número incluía combatentes dos dois lados e sérvios assassinados pelo KLA. Jamais houvera ali genocídio algum. O "holocausto" não passou de mentira. O ataque da OTAN, no Kosovo, foi fraudulento.
Mercados em expansão
Por trás da mentira, há objetivos muito sérios. A Iugoslávia foi federação com características específicas e únicas, multiétnica, que se impôs como uma ponte política e econômica na Guerra Fria. Muitos dos serviços e principais fábricas eram de propriedade pública. Isso não era absolutamente aceitável para a Comunidade Europeia então em expansão, especialmente para a Alemanha recém reunificada, empenhada em avançar para o leste e capturar seus "mercados naturais" nas províncias iugoslavas da Croácia e Eslovênia.
Quando os europeus reuniram-se em Maastricht em 1991 para traçar os planos para a desastrosa Eurozona, firmou-se um acordo secreto: a Alemanha reconheceria a Croácia. Foi a sentença de morte, para a Iugoslávia.
Em Washington, cuidaram para que a economia da Iugoslávia, que lutava para sobreviver, não recebesse empréstimos do Banco Mundial. A OTAN, então não mais que uma das relíquias já praticamente defunta da Guerra Fria, foi reinventada para servir como braço armado do império. Numa conferência de "paz" para o Kosovo em 1999, em Rambouillet, na França, os sérvios foram submetidos e entregues às táticas de dupla face do império ocupante.
O acordo de Rambouillet incluía um Anexo B, secreto, que a delegação dos EUA inseriu no último dia. Ali se exigia a ocupação militar de toda a Iugoslávia - país com memórias amargas da ocupação nazista -, a implementação de uma "economia de livre mercado" e a privatização de todo o patrimônio do estado. Nenhum estado soberano poderia jamais assinar tal documento. E o castigo veio rápido: a OTAN bombardeou furiosamente um país indefeso. Foi o movimento precursor do que, na sequência, seriam as catástrofes no Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia e Ucrânia.
Intervenções norte-americanas
Desde 1945, mais de um terço dos países membros da ONU sofreram algum tipo ou todos os tipos seguintes de agressão pelas mãos do moderno fascismo norte-americano: 69 países membros da ONU sofreram invasão, tiveram governos derrubados, movimentos populares foram reprimidos, eleições foram manipuladas, a população civil sofreu bombardeios e as economias nacionais foram saqueadas, depois de perderem todos os seus mecanismos de proteção; ou as sociedades padeceram sob o mais ensandecido e violento regime de "sanções". O historiador britânico Mark Curtis estima que os mortos nesses processos, somados, cheguem a milhões. Em cada caso, lá estava, em operação, alguma grande mentira.
"Hoje, pela primeira vez desde o 11/9, dá-se por encerrada nossa missão de combate no Afeganistão" - foram as palavras de Obama, no discurso sobre o Estado da União de 2015. Nada mais falso. A verdade é que algo entre 10 mil soldados e 20 mil mercenários armados contratados pelo Pentágono permanecem no Afeganistão, sem data para sair.
"A mais longa guerra da história dos EUA está chegando a uma conclusão responsável" - disse Obama. Na verdade, mais civis foram mortos no Afeganistão em 2014 que em qualquer ano, em tempo algum nos registros históricos da ONU. A maioria dos mortos - civis e soldados - morreram durante a presidência de Obama.
A tragédia do Afeganistão rivaliza com o crime épico na Indochina. Em seu elogiado e muito citado O Grande Tabuleiro de Xadrez: O primado norte-americano e seus imperativos estratégicos [orig. The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives], Zbigniew Brzezinski, padrinho das políticas dos EUA desde o Afeganistão até hoje, escreve que, se a América quer controlar a Eurásia e dominar o mundo, não pode manter uma democracia popular, porque "a busca do poder não é objetivo que mobilize a paixão popular (...). A democracia é inimiga da mobilização imperial." Está coberto de razão.
Como WikiLeaks e Edward Snowden mostraram, um estado policial e de vigilância está usurpando a democracia. Em 1976, Brzezinski, então Conselheiro para Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter, demonstrou o que queria dizer desferindo golpe mortal contra a primeira e única democracia que o Afeganistão jamais conhecera. Quem conhece essa história crucial?
O momento luminoso do Afeganistão
Nos anos 1960s, uma revolução popular varreu o Afeganistão, o país mais pobre do mundo, derrubando, em 1978 os últimos vestígios do regime aristocrático. O Partido Democrático do Povo do Afeganistão [ing. People's Democratic Party of Afghanistan (PDPA) formou um governo e declarou seu programa de reformas, que incluía a abolição do feudalismo, liberdade para todas as religiões, direitos iguais para as mulheres e justiça social para as minorias étnicas. Mais de 13 mil prisioneiros políticos foram libertados das cadeias em Cabul e outras cidades; todos os arquivos policiais foram queimados em praça pública.
O novo governo introduziu assistência gratuita à saúde para os mais pobres; aboliu o regime de servidão por dívidas [orig. peonage]; foi lançado programa de combate massivo ao analfabetismo. Para as mulheres, os avanços foram de magnitude jamais vista. No final dos anos 1980s, metade dos estudantes matriculados na universidade eram mulheres; metade do número de médicos que trabalhavam no Afeganistão eram mulheres, como um terço dos funcionários públicos e a maioria dos professores.
"Cada moça, cada menina" - recorda Saira Noorani, médica cirurgiã - "era livre para estudar, ginásio, universidade. Podíamos ir onde quiséssemos, vestir a roupa que quiséssemos. Frequentávamos cafés e íamos ao cinema às 6as-feiras para assistir aos mais recentes filmes (quase sempre indianos), ouvíamos as músicas que quiséssemos. Tudo começou a desandar, quando os mujaheddin começaram a vencer a guerra. Matavam professores, queimavam escolas. Vivíamos aterrorizadas. É engraçado e triste pensar que o 'ocidente' tanto apoiou aquela gente."
O governo do PDPA foi apoiado pela União Soviética, apesar do o ex-secretário de Estado dos EUA Cyrus Vance ter admitido, depois, que "não há prova alguma de qualquer cumplicidade dos soviéticos [na revolução afegã]." Alarmado com a confiança que crescia pelo mundo, com movimentos de libertação nacional, Brzezinski decidiu que, se o Afeganistão fosse bem-sucedido sob governo do PDPA, a independência e os avanços do povo afegão seriam "ameaça de exemplo a ser replicado."
Dia 3/7/1979, a Casa Branca autorizou, em segredo, apoio dos EUA a grupos tribais "fundamentalistas" conhecidos como mujaheddin - programa que chegou a mais de $500 milhões por anos em armas e outros tipos de ajuda que os EUA davam a terroristas, há quase 40 anos. O objetivo, então, foi derrubar o primeiro governo secular e reformista que nascera no Afeganistão.
In agosto de 1979, a embaixada dos EUA em Cabul informou que "interesses mais amplos dos EUA serão mais bem atendidos se [o governo do PDPA passar por mudança de regime], apesar do retrocesso que isso possa vir a implicar para o futuro das reformas sociais e econômicas no Afeganistão."[2] Os itálicos são meus.
Aqueles mujaheddin são o núcleo do qual nasceram a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Entre eles estava Gulbuddin Hekmatyar, que recebeu dezenas de milhões de dólares em dinheiro da CIA. A especialidade de Hekmatyar era o tráfico de ópio; também era dado a jogar ácido no rosto de mulheres que se recusassem a usar o véu. Convidado para visitar Londres, foi saudado pela primeira-ministra Margaret Thatcher como um "combatente da liberdade".
Fanáticos desse tipo teriam continuado circunscritos nos respectivos mundos tribais, se Brzezinski não tivesse lançado o movimento internacional para promover o fundamentalismo islâmico na Ásia Central para minar o processo político para uma transição secular e democrática naquela região do mundo; para, também, "desestabilizar" a União Soviética; criando, como escreveu em sua biografia, "uns poucos muçulmanos exaltados".
Esse grande plano coincidiu com as ambições do ditador paquistanês general Zia ul-Haq, para dominar a região. Em 1986, a CIA e a agência de inteligência do Paquistão, conhecida como ISI, começaram a recrutar pessoas de todo o mundo para unir-se à jihadafegã. Um dos recrutados então foi o multimilionário saudita Osama bin Laden.
Operadores que, adiante se uniriam aos Talibã e à al-Qaeda, foram recrutados num colégio islâmico no Brooklyn, New York, e receberam treinamento paramilitar dado pela CIA num de seus campos de treinamento em Virginia. Foi a chamada "Operação Ciclone" [orig. "Operation Cyclone"]. O sucesso dessa operação foi celebrado em 1996, quando o último presidente do governo do PDPA, o afegão Mohammed Najibullah - que discursara ante a Assembleia Geral da ONU, para pedir ajuda -, foi enforcado num poste de luz pelos Talibã.
O 'revide' da Operação Ciclone e daqueles "poucos muçulmanos exaltados" de Brzezinski foi o 11/9/2001. A Operação Ciclone converteu-se em "guerra ao terror", na qual perderam a vida incontáveis homens, mulheres e crianças em todo o mundo muçulmano, do Afeganistão ao Iraque, Iêmen, Somália e Síria. A mensagem dos verdadeiros terroristas foi então, como continua a ser até hoje: "Ou estão conosco, ou estão contra nós".
Traços do fascismo
O traço comum de todos os fascismos, passados e presentes, é o assassinato em massa. A invasão dos EUA ao Vietnã teve "zonas de fogo livre", "contagem de corpos" e "dano colateral". Na província de Quang Ngai, onde eu estava como jornalista, muitos milhares de civis ("gooks") foram mortos pelos EUA; mas só um, de incontáveis massacres, o massacre em My Lai, é lembrado.
No Laos e no Cambodia, o maior bombardeio aéreo de toda a história da humanidade produziu uma era de terror marcada pelo espetáculo de fileiras de crateras que, fotografadas de cima parecem monstruosos colares. Esse bombardeio gerou para o Cambodia o seu próprio ISIS, então liderado por Pol Pot.
Hoje, a maior campanha de terrorismo que o mundo jamais conheceu executa famílias inteiras, de convidados de casamentos, a famílias já enlutadas em funerais. São as vítimas de Obama. Segundo o New York Times, Obama seleciona os que serão assassinados durante a semana, marcando os nomes numa "lista de matar" que a CIA lhe apresenta às 3ª-feiras, na Sala de Situação na Casa Branca. É Obama quem decide, sem nem sinal de justificativa legal, quem vive e quem morre. A arma do carrasco nesses crimes de esquadrão-da-morte são mísseis Hellfire disparados de um drone (robô aéreo pilotado à distância). O morto é pulverizado. Cada morto é assinalado numa tela de computador como um "inseto esmagado" [orig. "bugsplat"].
"Em vez dos passos-de-ganso" - escreveu o historiador Norman Pollock - "temos agora a aparentemente mais inócua militarização da cultura total. E em vez do líder bombástico, temos o 'reformador falhado' [orig. reformer manqué], que não para nunca, planejando e executando assassinatos. E sempre sorridente."
O excepcionalismo norte-americano
O que une o velho e o novo fascismo é o culto da superioridade de alguns. "Creio no excepcionalismo norte-americano com cada fibra do meu ser," disse Obama, evocando declarações do fetichismo nacionalista dos anos 1930s.
Como o historiador Alfred W. McCoy mostrou, foi Carl Schmitt, devotado seguidor de Hitler, quem disse que "Cabe ao soberano decidir que é a exceção". Aí está resumido o norteamericanismo - a ideologia hoje dominante no mundo. Que não seja ainda reconhecida como ideologia de predação é prova do sucesso também de uma campanha de propaganda de lavagem cerebral e fascistização. Insidiosa, não declarada, espertamente apresentada como avanço e ilustração em andamento, essa ideologia norteamericanista envenena já toda a cultura ocidental.
Cresci e fui educado sob rigorosa dieta fílmica, quando só se assistia a filmes de glorificação dos EUA e dos norte-americanos, praticamente todos eles versões distorcidas da história. Não tinha nem ideia de que a máquina de guerra nazista foi derrotada pelo Exército Vermelho, à custa da vida de 13 milhões de russos. Ao contrário, os EUA perderam, no Pacífico, menos de 400 mil soldados e mataram muito mais do que isso. Hollywood inverteu a história.
De diferente, hoje, que os públicos de cinema são convidados a se compadecer da "tragédia" de soldados psicopatas que matam profissionalmente em terras distantes - exatamente como o presidente mata ou deixa que matem os seus próprios soldados (além de civis aos milhares, por todo o mundo. Encarnação da violência hollywoodiana, o ator e diretor Clint Eastwood, foi indicado para um Óscar esse ano por seu filme American Sniper, sobre um assassino com alvará e munição gratuita para matar com precisão. O New York Times descreve o filme como "patriótico, pró-família, que quebrou todos os recordes de bilheteria no lançamento."
Não há filmes heroicos sobre a fascistização dos EUA. Durante a 2ª Guerra Mundial, os EUA (e a Grã-Bretanha) foram à guerra contra os gregos que haviam lutado heroicamente contra o nazismo e ainda resistiam contra o crescimento do fascismo grego. Em 1967, a CIA ajudou a levar ao poder uma junta militar fascista em Atenas - como também no Brasil e em quase toda a América Latina.
Alemães e europeus do leste da Europa que se aliaram à agressão e aos crimes dos nazistas contra a humanidade sempre encontraram abrigo seguro nos EUA. Muitos foram estimulados e receberam recompensas por seus talentos ou por seus serviços. Wernher von Braun foi o 'pai' da bomba V-2 dos terroristas nazistas, e também do programa espacial dos EUA.
Nos anos 1990s, com as ex-repúblicas soviéticas, o leste da Europa e os Bálcãs já convertidas em postos avançados da OTAN, os herdeiros de um movimento nazista na Ucrânia encontraram sua oportunidade. Responsáveis pela morte de judeus, poloneses e russos durante a invasão nazista na União Soviética, os fascistas ucranianos foram reabilitados e essa "nova onda" nazista foi saudada pelos EUA como "nacionalistas".
O Golpe na Ucrânia
Aquele processo alcançou o apogeu em 2014, quando o governo Obama consumiu $5 bilhões de dólares para organizar o golpe que derrubaria o governo eleito da Ucrânia. As tropas de choque foram os neonazistas dos grupos conhecidos, Setor Direita e Svoboda. Entre os líderes neonazistas estavam Oleh Tyahnybok, que pregava o expurgo da "máfia Moscou-judeus" e "o resto da ralé" onde incluía gays, feministas e elementos da esquerda política.
Todos esses fascistas integram hoje o governo golpista de Kiev. O primeiro vice-presidente do Parlamento ucraniano é Andriy Parubiy, co-fundador e hoje líder do partido governante Svoboda. Dia 14/2, Parubiy anunciou que estava indo a Washington para "só retornar quando os EUA nos entregarem armamento moderno de alta precisão". Se conseguir, a coisa será noticiada como mais um ato de guerra da Rússia...
Nenhum líder ocidental falou contra o renascimento do fascismo no coração da Europa - com a única exceção de Vladimir Putin, presidente da Rússia, a mesma Rússia que perdeu 22 milhões de cidadãos numa invasão nazista que chegou pelas fronteiras da Ucrânia. Na recente Conferência de Segurança de Munique, a vice-secretária assistente de Estado para Assuntos de Europa e Eurásia, criticou furiosamente os líderes europeus que se opõem a os EUA armarem o governo de Kiev. Referiu-se ao ministro da Defesa da Alemanha como "o ministro do derrotismo".
Nuland foi o 'cérebro' por trás do golpe em Kiev. Casada com Robert Kagan, luminar dos neoconservadores e co-fundador do Projeto para o Novo Século Americano", primeiro a falar a favor da invasão do Iraque, em 1998. Nuland foi conselheira para política exterior do vice-presidente Dick Cheney.
Mas o golpe de Nuland na Ucrânia não saiu conforme ela esperava. A OTAN foi bloqueada e não conseguiu ocupar a tradicional, histórica, legítima base naval de águas temperadas dos russos na Crimeia. A população crimeana, dominantemente russa - e ilegalmente anexada à Ucrânia por Nikita Krushchev em 1954 - votou com ampla maioria pela reintegração do país à Rússia, como já haviam feito antes, em 1990. O referendo foi livre, voluntário, limpo e observado por observadores internacionais. Não houve invasão.
Ao mesmo tempo, o regime de Kiev voltou-se para a população étnica russa no leste, com ferocidade de limpeza étnica. Servindo-se de milícias neonazistas, à moda da Waffen-SS, sitiaram e bombardearam vilas e cidades. Usaram a fome como arma de guerra, cortaram o fornecimento de energia, congelaram contas bancárias, cortaram o pagamento de aposentadorias e pensões.
Mais de um milhão de refugiados fugiram pela fronteira, para a Rússia. Na mídia ocidental, foram 'noticiados' como gente que fugia da "violência gerada pela invasão russa". O comandante da OTAN, general Breedlove - cujo nome e ações bem poderiam ter servido de inspiração para o Dr. Strangelove [Dr. Fantástico] de Stanley Kubrick - anunciou que 40 mil soldados russos invadiam "em massa". Em tempos de vigilância planetária por satélite, ninguém viu coisa alguma. A 'invasão' russa só existiu na fantasia do general.
Repressão contra os russos étnicos
O povo russo-ucraniano bilíngue que vive na Ucrânia - um terço da população - há muito tempo procura uma federação que reflita a diversidade étnica do país, e seja autônoma e independente de Moscou. A maioria não são 'separatistas', mas cidadãos que preferem viver na segurança de seu estado histórico e cultural, não como vassalos de Kiev. A revolta e o desejo de criar "estados" autônomos são reação aos ataque de Kiev contra eles. Praticamente nada disso jamais foi explicado pelos jornais e televisões das empresas-imprensa aos públicos ocidentais.
Dia 2/5/2014, em Odessa, 41 russos étnicos foram queimados vivos no prédio do sindicato, com a polícia de longe, só assistindo. O líder do Setor Direita, Dmytro Yarosh, saudou o massacre como "mais um dia brilhante em nossa história nacional". A 'mídia' nos EUA e Grã-Bretanha repercutiu o evento como "terrível tragédia", resultado de "confrontos" entre "nacionalistas" (de fato, são os neonazistas) e "separatistas" (de fato, são pessoas que organizam um referendo para aprovar a federalização da Ucrânia).
O New York Times enterrou a história, desqualificada como se fosse propaganda russa contra o que para os russos seriam políticas antissemitas do governo de Kiev. O Wall Street Journal culpou as vítimas. Obama parabenizou a Junta em Kiev[3] por sua "moderação".
Se fosse possível provocar Putin até arrastá-lo a ir em ajuda dos ucranianos, o papel predefinido para ele, de "pária" justificaria a mentira de que a Rússia estaria invadindo a Ucrânia. Dia 29/1, o principal comandante militar da Ucrânia, general Viktor Muzhemko, quase sem se dar conta, desmentiu a própria base das sanções dos EUA e da UE contra a Rússia, quando disse, enfaticamente, numa conferência de imprensa, que "o Exército Ucraniano não está combatendo contra unidades regulares do Exército Russo". Havia "cidadãos individuais" que operavam como membros de "grupos ilegais armados", mas absolutamente não se tratava de invasão russa. Nenhuma novidade, portanto.
Vadym Prystaiko, vice-ministro de Relações Exteriores de Kiev, chamava àquela situação de "guerra em escala total contra a Rússia nuclear".
Dia 21/2/2015, o senador norte-americano James Inhofe, republicano de Oklahoma, apresentou projeto de lei que autoriza o envio de armas norte-americanas para o regime em Kiev. Na apresentação ao Senado, Inhofe exibiu fotos que disse ser de tropas russas cruzando a Ucrânia, que se sabe, há muito tempo, que são imagens forjadas, recordação dos tempos em que Ronald Reagan exibia fotos falsas de uma instalação soviética na Nicarágua, e de quando Colin Powell mostrou na ONU provas falsificadas de que haveria armas de destruição em massa no Iraque.
A intensidade da campanha de difamação contra a Rússia, cujo presidente é mostrado como se fosse perfeito vilão em novelão de horário nobre é a mais espantosa que já vi em toda a minha longa experiência como repórter.
Robert Parry, um dos mais conhecidos e respeitados jornalistas investigativos dos EUA, que revelou o escândalo dos Irã-Contra, escreveu recentemente que "Nenhum governo europeu, desde o governo de Adolf Hitler na Alemanha nazista, teve a desfaçatez de mandar tropas de assalto nazistas em ataque contra o próprio povo. Pois o governo de Kiev fez exatamente isso, e sabendo bem o que fazia. E por todo o espectro político/jornalístico no ocidente o único movimento que se viu foi de acobertamento, para ocultar essa realidade, a ponto de ignorar até fatos muito bem conhecidos e comprovados. (...)
"Se você ainda não entendeu como o mundo pode estar-se encaminhando para uma guerra mundial três - muito semelhante ao modo como entrou na guerra mundial um há um século -, basta examinar a loucura que se concentra sobre a Ucrânia e que até agora continua a resistir contra todos os fatos e contra toda a racionalidade."
As lições de Nuremberg
Em 1946, o procurador de justiça do Tribunal de Nuremberg disse, da imprensa-empresa alemã:
"O uso pelos conspiradores nazistas da guerra psicológica é muito bem conhecido. Antes de cada grande agressão, com raras exceções baseadas na experiência prévia, eles iniciavam insistente campanha pela imprensa, calculada para debilitar as vítimas e preparar psicologicamente o povo alemão para o ataque (...).
"No sistema de propaganda do Estado hitlerista, as mais importantes armas do poder totalitário eram a imprensa impressa e o rádio diários" [Des Freedman, Daya Kishan Thussu (eds.), Media and Terrorism: Global Perspectives].
No Guardian de 2/2/2015, Timothy Garton-Ash, professor em Oxford, pregou abertamente a favor de uma guerra mundial. "É preciso parar Putin" - dizia a manchete, "e às vezes só armas podem deter armas". O professor até concorda que a ameaça de guerra pode aumentar a paranoia de tentarem cercar a Rússia, mas tudo bem... porque ele checou todo o equipamento militar necessário e aconselha os leitores que "o melhor kit de armas à venda é norte-americano".
Em 2003, esse mesmo Garton-Ash repetiu a propaganda que levou ao massacre do Iraque. Saddam Hussein, escreveu ele, "teve, como [Colin] Powell documentou, quantidades imensas armazenadas de horrendas e aterrorizantes armas químicas e biológicas, e mantêm escondido o que resta delas." Elogiava Blair como "intervencionista liberal cristão gladstoniano." Em 2006, escreveu: "Agora temos pela frente o grande teste seguinte para o ocidente, depois do Iraque: o Irã" (Timothy Garton-Ash, 'Let's make sure we do better with Iran than we did with Iraq,' The Guardian, 12/1/2006)
Os seus surtos - ou, como Garton-Ash prefere, sua "torturada ambivalência liberal" - são bastante frequentes na elite liberal transatlântica que se comprometeram num pacto faustiano. Tony Blair, criminoso de guerra, é o líder que tiveram e perderam.
O Guardian, veículo que publicou o artigo de Garton-Ash, publicou anúncio de página inteira de propaganda de um bombardeiro norte-americano Stealth. Sob a ameaçadora imagem do monstro fabricado pela Lockheed Martin, lia-se "O F-35. GRANDE para a Grã-Bretanha." Esse "kit" norte-americano custará aos contribuintes britânicos £1,3 bilhão. Os modelos F de antes mataram muita gente em todo o mundo. Afinado com o grande anunciante, um editorial do Guardian 'exigia' aumento nos gastos militares.
Outra vez, o objetivo é grave e claro. Os senhores do mundo querem a Ucrânia, não só como base de mísseis; querem também a economia ucraniana. A nova ministra das finanças de Kiev, Natalie Jaresko, é ex-funcionária do Departamento de Estado, que recebeu em tempo recorde a cidadania ucraniana.
Querem a Ucrânia por causa do gás abundante. O filho do vice-presidente Joe Biden já está instalada na diretoria de uma das maiores empresas de petróleo, gás e fracking da Ucrânia. Empresas que produzem sementes geneticamente modificadas, como a infame Monsanto, querem comprar para elas o rico solo agricultável da Ucrânia.
Mas, sobretudo, querem a poderosíssima vizinha da Ucrânia, a Rússia. Querem balcanizar ou desmembrar a Rússia e explorar a maior reserva de gás natural da Terra. Com o degelo, querem controlar também o Oceano e a longa fronteira de terra russa no Ártico.
O homem deles em Moscou sempre foi Boris Yeltsin, beberrão, que entregou a economia de seu país ao ocidente. Seu sucessor, Putin, restabeleceu a Rússia como orgulhosa nação soberana: esse é o crime imperdoável que Putin cometeu.
A responsabilidade que nos cabe, ao restante de nós, é clara: temos de identificar e expor as mentiras dos fanáticos por guerras e jamais calar diante deles. Implica que é preciso despertar os grandes movimentos populares, que são portadores de toda a civilização, por frágil que seja, que os modernos imperiais algum dia conheceram. Mais importante, é resistir, impedir que conquistem e ocupem nossa mente, nossa razão, nossa humanidade, nosso autorrespeito. Se permanecermos calados, a nossa derrota é certa. E um holocausto começará. ******
[1] "Guerra humanitária" é dos mais bem-sucedidos "sintagmas-golpe" cultivados pela imprensa-empresa de propaganda de fascistização contemporânea. Sobre "sintagmas-golpe" ver "Departamento de Estado e o 'vácuo sírio' (sic)", emredecastorphoto [NTs].
[2] HOLMES, Dave; DIXON, Norm, Behind the US War on Afghanistan; ver também F. ENGDAHL, "The Geopolitics behind the phoney US war in Afghanistan" (ing.).
[3] "A palavra "junta" (ing. e português) é usada aqui em referência ao regime fascista de Kiev por razões históricas, por causa de nosso respeito pelo povo do Donbass, que usa a palavra russa "хунта", que soa exatamente como "junta", para referir-se ao regime de Kiev. Embora não haja perfeita correspondência de significados, o regime de Kiev é suficientemente próximo das juntas de ditadores militares em todo o mundo, para que a palavra caiba também perfeitamente para o que se vê em Kiev. Se alguém não gostar de "junta" nesse sentido, pode trocá-la por "regime ditatorial" (de "A batalha por Debalcevo. Resultados", 2/3/2015, cassad_eng, traduzido do russo por "Uncle Martin", (ing.) em http://cassad-eng.livejournal.com/132367.html [NTs].
Fonte: http://port.pravda.ru/
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