QUA, 30/01/2019 - 08:28
ATUALIZADO EM 30/01/2019 - 09:21
Arte Pars Today
As enormes pressões e sabotagens dirigidas à economia venezuelana, promovidas pelo imperialismo estadunidense em articulaçãao com as oligarquias domésticas do país vizinho, correspondem a experiências muito ilustrativas, na prática, sobre a natureza real do capitalismo. Sem floreios, nem retórica dogmática, semirreligiosa e abstrata. É caso exemplar de como as coisas funcionam, ou devem e tendem a funcionar, para a maior parte do planeta.
Alegar que o presidente Nicolás Maduro possui mandato ilegítimo e ditatorial ofende a inteligência de qualquer pessoa informada sobre o que se passa na Venezuela. Eleições sucessivas, com espaço aberto à participação da oposição, na mídia e no sistema partidário, com direito a recall em meio ao mandato exercido pelo presidente da República, eis alguns aspectos da tão questionada democracia da nação coirmã.
O posicionamento do Conselho de Segurança da ONU, da maioria dos países na OEA e, entre outros, informações oferecidas pela economista e cientista política Pasqualina Curcio parecem-me suficientes, por ora, para deixar de lado polêmicas que servem única e exclusivamente para criar ruídos estridentes e vazios em torno da realidade política do país sul-americano. De modo que vou abordar assunto distinto.
Nesses últimos dias, o jornalismo tem sido pródigo em notícias acerca de pressões unilaterais e arbitrárias exercidas pelo governo dos Estados Unidos contra o governo Maduro e, por extensão, contra a economia venezuelana. O Banco da Inglaterra impediu que o governo movimentasse o seu ouro lá depositado. O governo Trump bloqueou os ativos da empresa estatal petrolífera da Venezuela, PDVSA, em território estadunidense. Iniciativas que têm como propósito declarado derrubar o governo eleito de Maduro, por meio de um brutal estrangulamento econômico.
Note bem. Trata-se aí, realmente, de um caso modelar sobre o que é o capitalismo. Ontem, como hoje. O capitalismo nega às nações da periferia do seu sistema mundial até mesmo a aplicação de um dos princípios considerados sagrados e intocáveis: o direito à propriedade.
Clássicos pensadores das origens do capitalismo, como Thomas Hobbes e John Locke, advogavam a defesa da propriedade como dimensão central da vida em sociedade. Mas, não raro, como a história demonstra, um preceito filosófico garantido - ou que se preconiza garantir - nas áreas centrais do sistema capitalista. Na ampla periferia mundial do sistema, nem isso a pulsão imperialista do capitalismo permite ser assegurado.
Ora, retornando ao caso concreto, bens do governo venezuelano e da sua principal empresa, PDVSA, depositados em bancos estadunidenses e ingleses são apropriados e bloqueados sem mais, negando aos proprietários o devido direito a uso e movimentação. Isso não é sequer retaliação internacional a alguma circunstancial encampação do Estado venezuelano de patrimônio e bens angloamericanos, com ou sem indenização. O governo da Venezuela não adotou medidas nesse sentido, ao menos por ora.
De sorte que as unilaterais decisões tomadas pelos EUA e por seu vassalo de luxo, a Inglaterra, conformam somente algo próximo a banditismo, pirataria e violação da soberania. Práticas que estão na origem do capitalismo, sobretudo britânico, contra o mundo extraeuropeu.
A história, em regra, muda com uma lentidão terrível. A maioria esmagadora dos povos possui um passado de dores, perdas e expropriações sob o capitalismo. E não possui futuro diferente na moldura da civilização do capital. Só escravidão. Somos tratados como o não ser: geografia e não história, natureza e não cultura, como diriam os antigos e grandes filósofos brasileiros, Roland Corbisier e Álvaro Vieira Pinto.
Somos concebidos como meras fontes de geração de riquezas para as potências capitalistas/colonialistas/imperialistas. Sem direito conferido à voz, identidade cultural, preservação e controle dos recursos naturais e à escolha de destino. É assim que nos veem e nos querem: subjugados. O caso venezuelano é exemplar e merece mui cuidadosa reflexão.
Roberto Bitencourt da Silva - historiador e cientista político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário