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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

No Vaticano “quanto mais homofóbico alguém é, mais hipóteses haverá de ser gay”


No Armário do Vaticano — Poder, Hipocrisia, Homossexualidade é um mergulho explosivo nas entranhas do Vaticano. Onde se descobre, com espanto, o seu segredo mais guardado: um “sistema” homossexual de grande violência, cúmulo de hipocrisia, a todos os níveis, da Igreja desde há décadas. Um livro espantoso este de Frédéric Martel.

Jan Le Bris de Kerne



No Armário do Vaticano –​ Poder, Hipocrisia, Homossexualidade é um livro-cisma que põe a nu a homossexualização maciça do Vaticano e da Igreja em décadas e no mundo inteiro. Nomeações para os lugares de poder, guerras fratricidas, rumores, ajustes de contas, complots contra o Papa: os homossexuais que constituem uma esmagadora maioria da entourage do Papa vivem num inferno esquizofrénico de homossexualidade-homofobia que eles próprios construíram. Descobrem-se chaves indispensáveis para compreender finalmente o funcionamento da instituição católica, máquina congelada e anacrónica – nomeadamente sobre a questão da protecção dos abusos sexuais: a homossexualidade-homofobia, tendo-se tornado um “sistema” no Vaticano, um modo de funcionamento da estrutura, os padres abusadores aproveitam-se da chantagem tácita e beneficiam assim de protecção. Se acabassem por ser expostos, centenas de prelados seriam ameaçados de outing.
Compreende-se com espanto que os discursos mais violentos sobre a homossexualidade, as condenações mais medievais vêm de personagens tão ferozmente homofóbicas quanto homossexuais praticantes – aqueles a que o papa Francisco chama “os rígidos” e cuja funesta hipocrisia denuncia. De forma geral a homofobia é uma maneira de proteger o segredo da Igreja: a da sua homossexualidade maciça.

Frédéric Martel dá-nos aqui um inquérito magistral e fascinante. Quatro anos de trabalho sobre cinco pontificados, 1500 testemunhas entrevistadas sobre os arcanos do Vaticano e da Igreja, centenas de padres, 50 bispos, 40 cardeais, em 30 países com 80 colaboradores. Jornalista francês de renome, escritor e sociólogo, é um habitué das longas e profundas imersões em meios hostis. Publicou numerosos livros-documento com a mesma precisão e profusão que este. Desta vez, acabada de publicar, a obra suscitou milhares de artigos no mundo inteiro e tem o efeito de uma bomba a deflagrar no Vaticano. Encontram-se aqui todos os esplendores e misérias do quotidiano de seres extravagantes e infelizes, caprichosos e torturados, que vieram à procura de refúgio na Igreja, porque enquanto homossexuais nos anos 40 não havia carreira melhor para fazer de alguém um “eleito” depois de ser um “pária”.

Um livro de efeito fulminante, brilhante, que pode obrigar a Igreja a reavaliar o seu discurso e a sua doutrina.
Frédéric Martel investigou durante quatro anos cinco pontificados; entrevistou 1500 testemunhas, centenas de padres, 50 bispos, 40 cardeais, tudo isto em 30 países e com 80 colaboradores YOAN VALAT/EPA
Estes cardeais homofóbicos são apelidados de ‘rígidos’ pelo Papa e levam uma vida dupla. Há uma esquizofrenia radical: se se é homossexual, expressa-se a homofobia e vice-versaFrédéric Martel

Nos evangelhos, Jesus Cristo em momento algum condena a homossexualidade, não se exprimiu nunca sobre o assunto. O único momento em que evoca a questão da sexualidade é para defender uma prostituta ou uma mulher adúltera (que aquele que nunca pecou atire a primeira pedra). Os religiosos com que se encontrou alguma vez se referiram a isso?
No Vaticano e nos episcopados através do mundo, encontra-se por vezes gente que utiliza Sodoma (Génesis 19) que para eles e sem dúvida de forma errada é a condenação pela Igreja da homossexualidade, e gente que efectivamente usa outras passagem, como a famosa “primeira pedra”, que cita, se não para defender a homossexualidade pelo menos para rejeitar a homofobia. O problema é que a Bíblia é de tal forma complexa que, como os especialistas confirmam, pode-se fazer com que ela diga uma coisa e o seu contrário, não é um terreno estável. Devo acrescentar que também fiz a história da cidade de Sodoma: fui em busca dela e os arqueólogos mostram que se existiu (encontrei quatro ou cinco [localizações], o que significa que não se sabe exactamente onde seria), não podia ser lugar de homossexuais, porque é suposto ter durado vários séculos e não teria podido perdurar. O problema é provavelmente a falta de hospitalidade, como está escrito claramente em todos os textos, e não a homossexualidade. Se a cidade foi destruída, foi provavelmente, como aconteceu a Pompeia, por razões climáticas, vulcânicas ou por um terramoto na zona do mar Morto.

Dezenas de religiosos saíram da sombra para lhe confessarem a si a sua homossexualidade e denunciarem o mundo gay do Vaticano. A notícia da sua investigação deve-se ter espalhado nos corredores do Vaticano. Não terá sido aproveitado pelos dirigentes da Igreja para iniciar uma mudança profunda, fazer explodir a capa homofóbica que torna tão infelizes estes eclesiásticos e que afinal não tem justificação alguma face à mensagem de Cristo? Ou seja, combater a homofobia institucionalizada sem dar o ar de que se está a fazer isso e recorrendo a si?
Não creio. Em primeiro lugar, porque a informação não circulou. As pessoas são homossexuais no armário. São muito secretas. A sua primeira preocupação era não falar da sua homossexualidade. A maior parte destas pessoas é explícita em relação a outrem: cardeais que falam da homossexualidade de outros cardeais ou padres que contam sobre quem dorme com quem. Não havia mesmo vontade nem das minhas fontes, nem dos cardeais, nem de próximos do papa Francisco que isso saísse. Aliás, a recepção ao livro é um pouco como a famosa Última Ceia de Leonardo da Vinci – de repente, toda a gente recebe a informação, que se difunde, e fica aterrorizada pelo que está a acontecer. Este livro teve este efeito de bomba, na semana passada, porque no fundo os que falaram comigo não tinham compreendido a amplitude do que eu estava a fazer.

Podia ser um pequeno ensaio, uma coisa pequena, ninguém sabia que estava em causa um inquérito a cinco pontificados, em 30 países, com 40 cardeais entrevistados, 50 bispos, centenas de padres, 1500 pessoas no total. E, de repente, as pessoas descobriram a amplitude da coisa. Ficaram surpreendidos, positiva ou negativamente, aliás. Há tantos críticos como pessoas que elogiam. Deu origem a milhares de artigos em menos de uma semana. Não acredito mesmo que a entouragehomossexual do Papa desejasse que este tipo de livro existisse.

Como é que esta grande maioria de padres homossexuais vive o facto de alimentar, de propagar e de ser a fonte do ódio homofóbico que mata, destrói e magoa os homossexuais? Como vivem com isso? Cinismo político absoluto? Há alguma empatia? Não há honra?
Creio que infelizmente as duas coisas estão ligadas. O facto de serem homofóbicos liga-se à sua homossexualidade: é o recurso ao segredo, para mascarar uma homossexualidade reprimida e mal assumida. Quando ela se explicita, porque há desejos, é sempre culpabilizada. Ela pode atingir formas de ódio de si e de esquizofrenia verdadeiramente surpreendentes.

O que evoca o heroísmo dos “pequenos gays” do quotidiano, os do interior, de classe média ou popular, que ousam viver a sua homossexualidade à luz do dia com perigo para as suas vidas, face à cobardia e cinismo dos prelados poderosos e instalados no conforto absoluto?
Diz muito bem. É completamente anacrónico no mínimo, e é dizer pouco. É preciso ver que os cardeais do Vaticano, que constroem esta doutrina e contribuíram para este sistema, têm hoje 80-90 anos. Passei tempo a entrevistar cardeais que tinham, nalguns casos, 95 anos. Não estamos na homossexualidade de 2019, mas na dos anos 40-50. É preciso compreender isso. Os códigos dessas pessoas, o seu mundo homossexual, a sua relação com a verdade neste assunto, a vida dupla, a maledicência, a coscuvilhice incessante, os rumores permanentes, isso é a homossexualidade dos anos 50 e, por isso, desse ponto de vista, a Igreja está condenada a mudar, não pode continuar como está. Mas ainda vive com um sistema dirigido por estas pessoas.

Conta com bastante detalhe as torpezas sexuais no Vaticano e na Igreja. O apetite sexual é multiplicado pelo poder ou pela ambição? Encontram-se os mesmos comportamentos em todos os escalões da Igreja?
Utilizei esta fórmula: “Estamos perante fifty shades of gay”, cinquenta nuances de gays. Há todo o tipo de comportamentos. Há prostituição, festas chemsex [orgias de sexo e drogas], há cardeais com múltiplos parceiros, mas há sobretudo uma homossexualidade mal vivida, complexada. Na verdade, há uma maioria silenciosa que é ela própria vítima do quadro e da ratoeira que ajudou a criar. É bastante triste e cheio de sofrimento. Não se pode resumir apenas a uma só vertente homossexual.

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