por Fernanda Tonetto
procuradora do Rio Grande do Sul
"O Brasil permanece na dúvida sobre
tamanha obviedade", diz procuradora
Não vou aqui fazer nenhuma crítica à Igreja Católica. Também não falarei dos benefícios da fé ou da amenização dos tormentos que se instalam nos espíritos diante da certeza da morte. Vou falar apenas dos símbolos religiosos nos prédios públicos, resquícios de uma época em que a Igreja Católica era a religião oficial do Estado e que lá foram esquecidos, mesmo quando esse Estado passou a ser laico.
Um Estado verdadeiramente secular não desrespeita a Igreja Católica. Ao contrário. Ser laico é sinônimo da concretização da ideia de que (1) o espaço público não é destinado à manifestação de crença religiosa e, por isso, não deve ser ornamentado com símbolos de qualquer religião (pensar o contrário levaria a que cada Igreja fosse devidamente representada com seu símbolo em todos os prédios públicos) e também de que (2) o Estado deve respeitar a diversidade de crenças e o direito de não possuir crenças, especialmente em um país multicultural como o Brasil.
Retirar os símbolos católicos dos prédios públicos não é sinônimo de uma guerra santa às avessas ou de uma contra-catequização. O Estado apenas considera a existência de outras religiões e não privilegia nenhuma delas: Estado e religião se respeitam mutuamente, mas não se confundem.
Sobre a questão, a PGE/RS, por sua Comissão de Direitos Humanos, enviou ao governador do Estado dois pareceres que tratam sobre o tema. Um deles, o qual firmei, é no sentido de que esses símbolos sejam removidos de ofício; o outro, é para que sejam retirados mediante solicitação do administrado.
Se for esse último o parecer acolhido pelo governador do Estado, penso que todos aqueles que não se identificam com a crença simbolizada devem demandar sua remoção e assim fazer valer o respeito concreto à sua liberdade religiosa. Se for o primeiro, todos ganham, e os católicos nada perdem — não vejo o mais no mundo motivos para uma guerra santa, produto da intolerância.
Em muitos países, o assunto está sedimentado: se o Estado é laico, os prédios públicos não possuem símbolos religiosos. A conclusão é de uma clareza solar. Em país cuja história tem alguns séculos de atraso, os debates também são proporcionalmente retrógrados: no Brasil permanece a dúvida sobre tamanha obviedade.
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