Felipe Amorim | São Paulo - 03/12/2014 - 13h35
Documentos revelam que Londres sabia de agressões no interrogatório dos '14 encapuzados', católicos e separatistas, em meio a conflito na Irlanda do Norte
Após mais de 40 anos, a Irlanda quer reviver um antigo caso de violação dos direitos humanos dos tempos de conflito civil separatista entre protestantes e católicos na região. Dublin pediu nesta quarta-feira (03/12) que a Justiça Europeia reexamine a sentença sobre supostas torturas cometidas pelo Exército britânico contra 14 presos católicos da Irlanda do Norte, que foram capturados em 1971 e questionados sobre as atividades do IRA (Exército Republicano Irlandês), grupo nacionalista armado.
Anistia Internacional
Nove dos '14 encapuzados' que ainda estão vivos, após entrevista coletiva de imprensa em Londres
O governo irlandês, que hoje mantém boas relações com Londres, acusa a Grã-Bretanha de ter torturado os detidos. Os prisioneiros políticos ficaram conhecidos como "os encapuzados" pelo fato de terem sido mantidos sempre com a cabeça coberta enquanto estiveram sob custódia do Estado britânico em campos de detenção militares sem abertura de processo judicial.
O pedido será feito pelo chanceler irlandês, Charlie Flanagan, tendo em vista a revelação recente de novos documentos militares, mostrando que altas autoridades britânicas tinham conhecimento das técnicas adotadas nos interrogatórios. O material, obtido por documentaristas irlandeses, indica que a Grã-Bretanha, além de ter ocultado provas do julgamento europeu de 1978, estava à época preocupada que as práticas pudessem ser caracterizadas como tortura.
"A partir dos novos materiais descobertos, lutaremos para que o tratamento hostil sofrido pelos encapuzados seja reconhecido como tortura", declarou o chanceler, ressaltando que a decisão não foi tomada de maneira leviana. "Como parceiros europeus, Reino Unido e Irlanda vêm trabalhando junto para promover os direitos humanos em muitos casos", completou Flanagan.
Jurisprudência para Guantánamo
No julgamento de 1978, a Corte Europeia determinou que o Estado britânico praticou "tratamento desumano e degrante" no caso — e não tortura.
Décadas mais tarde, a sentença do tribunal acabou sendo usada pelos Estados Unidos para se defender das acusações de violações cometidas contra os detentos na prisão militar de Guantánamo, cujas denúncias incluem práticas agressivas de interrogatório e afogamento simulado (chamado de "waterboarding").
Wikimedia Commons
Polícia averigua casal em Belfast, na Irlanda do Norte, em 1974, em meio ao período de maior atividade do IRA
Os relatos conhecidos hoje dão conta de que os detidos pela polícia foram transferidos para um local secreto e, ali, submetidos a um "profundo interrogatório": cabeças cobertas, estresse, espancamento, ameaças de morte e privação de sono, comida e água.
Uma das práticas adotadas consistia em arremessar os prisioneiros de helicópteros em movimento a uma distância muito próxima do chão — vendados, os detidos achavam que estavam sendo lançados para a morte.
3,5 mil mortos
Com a provável reabertura do caso, os governos de Dublin e Londres deverão se enfrentar no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, reavivando as tensões apaziguadas pela assinatura do Tratado de Belfast, que inaugurou, em 1998, o processo de paz na Irlanda do Norte (Ulster), território ainda vinculado à Coroa Britânica.
O conflito civil na Irlanda do Norte durou quase quatro décadas e deixou um saldo de mais de 3,5 mil mortos. Com forte componente religioso e político, o embate opôs separatistas irlandeses — cujo grupo mais forte era o IRA —, de maioria católica, que queriam independência para juntar-se à República da Irlanda (Eire), país autônomo, versus os unionistas, de maioria protestante, que queriam continuar ligados aos britânicos.
A ONG Anistia Internacional, que pressionou o governo irlandês para tomar medidas cabíveis após a revelação dos novos documentos, comemorou a iniciativa como um "triunfo da justiça após quatro décadas de espera".
Fonte: OPERA MUNDI
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