É uma cena violenta. Um confronto difícil de assistir sem contorcer o rosto ou, de vez em quando, desviar o olhar. Repete-se a cada ano entre julho e dezembro em Península Valdés, na Patagônia argentina.
2012: Patagônia abate gaivotas para proteger baleias de ataques em santuário Ana Fazio
Gaivotas bicam baleias e retiram pedaços de gordura e pele
Barcos: Perto da costa, jubartes correm perigo
Embora pareça uma luta entre David e Golias, é a baleia que tem tudo a perder. Desde os anos 70, inúmeros ataques de gaivotas a baleias têm sido registrados nesta região para onde os mamíferos aquáticos viajam com o objetivo de dar à luz e amamentar seus filhotes antes de iniciar sua viagem para a Antártida.
Sempre que os cetáceos saem da água para respirar, as gaivotas usam seu bico para arrancar pedaços inteiros de pele e gordura. A baleia, com dor, arqueia as costas imediatamente.
De acordo com uma nova pesquisa publicada na revista científica Marine Biology, esses gigantes marinhos, que podem medir até 16 metros de comprimento e pesar 50 toneladas, estão começando a mudar a forma como respiram para evitar esses ataques violentos.
"As gaivotas produzem feridas, úlceras circulares, que podem se tornar uma via de entrada para agentes infecciosos", diz Ana Fazio, pesquisadora do argentino Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet, na sigla em espanhol) e autora principal do estudo.
"Além disso, sem pele, elas podem perder a temperatura do corpo."
Algumas têm tantas feridas que, quando os ferimentos se juntam, formam uma espécie de pequeno canal. Mas o maior problema são os filhotes, diz a pesquisadora.
"Eles têm a pele muito mais frágil. Mudam de pele muito rapidamente porque crescem muito todos os dias", diz. Isso os torna mais vulneráveis.
Os ataques, que aumentaram desde que começaram a ser observados, não são para saciar a fome - na região, não faltam lixões a céu aberto ou áreas de descarte de peixes. Aparentemente, se trata de um comportamento adquirido e repassado de geração para geração de gaivotas.
Respiração oblíqua Ana Fazio
Feridas são circulares e, quando se unem, formam uma espécie de canal
Agora, os indícios são de que foram as baleias quem adquiriram conhecimentos para tornar essa convivência menos prejudicial para a sua espécie.
"Quando as baleias respiram, normalmente levantam primeira a cabeça e depois o corpo. E, se vão fazer um mergulho profundo, levantam a cauda também", disse Fazio.
"O que eu comecei a notar é que, agora, levantam a cabeça até o espiráculo (ofirício usado para respiração na altura da do que seria a nuca) e, em seguida, voltam a entrar na água. Inspiram em um ângulo de 45° e submergem novamente".
Fazem isso de forma rápida, explosiva, mantendo o corpo dentro da água. A pesquisadora diz que esse tipo de comportamento, que ela batizou de respiração oblíqua, está presente apenas nas baleias de Península Valdés.
"Quando a baleia faz essa respiração oblíqua, a gaivota fica boiando ou planando e não ataca."
É diferente de curvar as costas, por exemplo - outro comportamento verificado em adultos -, uma estratégia que também pode evitar bicadas, mas não é exclusiva das baleias da Patagônia argentina.
Energia extra
Apesar de ainda não estar confirmado que isso reduz o número de lesões, é evidente que está limitando as possibilidades de ataque, diz Fazio.
A vantagem deste comportamento, explica, é que também pode ser adotado por filhotes. Porém, a nova estratégia também tem desvantagens.
Manter o corpo embaixo d'água exige um gasto de energia extra, algo custoso para os filhotes, que deveriam usar a maior parte de sua energia para mamar, crescer e ganhar força para garantir a viagem para a Antártida.
Além disso, fugir das gaivotas nadando mais rápido também exige um custo de energia adicional.
Apesar de tudo, a estratégia parece estar se consolidando. Na medida em que a população das aves não diminui, os cetáceos continuarão dependendo de sua própria criatividade para ganhar a guerra contra as gaivotas.
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